Defensor Moura: O candidato que só queria ser médico e não se resigna ao que tem de ser
A política entrou-lhe pela vida dentro através da medicina. "Eu só queria ser médico", diz ainda hoje Defensor Moura, o candidato à Presidência da República que desafia obediências partidárias para lutar "contra a resignação". Este é o seu lema de candidatura. Mas cruza-se com a sua vida. Deputado do PS, presidente da Câmara de Viana do Castelo durante 16 anos, é um republicano com génio.
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A política entrou-lhe pela vida dentro através da medicina. "Eu só queria ser médico", diz ainda hoje Defensor Moura, o candidato à Presidência da República que desafia obediências partidárias para lutar "contra a resignação". Este é o seu lema de candidatura. Mas cruza-se com a sua vida. Deputado do PS, presidente da Câmara de Viana do Castelo durante 16 anos, é um republicano com génio.
É no início da década de 80 que se encontram "as pegadas" que viriam a revelar-se decisivas para a carreira política que Defensor Moura acabou por seguir. De regresso a Viana do Castelo, a cidade onde nasceu há 65 anos e de onde tinha emigrado para Angola com apenas 18, foi colocado como médico no hospital distrital, um edifício decrépito, onde havia ratos. A umas centenas de metros, na encosta do monte de Santa Luzia, um novo hospital continuava fechado há dois anos, "sem que ninguém se mexesse".
"O velho estava podre e o novo a apodrecer", diz Defensor Moura ao P2. Funda, então, a Liga dos Amigos do Hospital e lidera um movimento de contestação cujos ecos chegam a todo o país. Luís Barbosa, então ministro da Saúde do Governo da Aliança Democrática, vai a Viana e decide reunir-se com o presidente da Liga. "Esteve comigo durante duas horas e, no fim, disse que ia resolver dois problemas de uma vez: nomeava-me presidente do novo hospital e acabava a contestação. Recusei, porque eu só queria ser médico. Mas prometi ajudar. Passados oito meses começámos a mudar os serviços." Na carrinha Hiace que conduzia com a mulher, também ela médica, transferiu doentes e transportou macas.
O empenho que colocou na missão deu-lhe notoriedade. E catapultou-o para outras aventuras - as políticas, que numa primeira fase recusa, mas que, mais tarde, abraça. "Em 1982, por causa do meu protagonismo na luta pelo hospital, fui convidado para me candidatar à câmara pelas listas dos quatro partidos. Mandei-os passear, queria era ser médico..." E foi, integrando a comissão instaladora do novo hospital, até que, em 1985, o apelo do Partido Renovador Democrático (PRD) o fez ceder. Fez parte das listas de deputados e chegou pela primeira vez à Assembleia da República. "Apreciava o Eanes, um homem fundamental para a estabilização da democracia", diz. A passagem pelas lides parlamentares foi meteórica. Acabou em 1987, com a queda do Governo minoritário do PSD na sequência da moção da censura apresentada pelo... PRD. Afinal, ele continuava a querer ser médico.
De regresso a Viana, desdobra-se em actividades cívicas e retoma o tom do protesto. Contesta, alto e bom som, a escolha de administrações hospitalares de nomeação política. "Fui saneado de director de serviço. Quando acabou o meu mandato, não mo renovaram", diz. Com eleições autárquicas à vista, o PS estava à espreita e, em 1993, convida-o para encabeçar a lista à presidência da câmara, um bastião social-democrata considerado inexpugnável: "A ideia era ir lá às reuniões, como vereador, de 15 em 15 dias. Ganhei por 200 votos. Acabou a minha carreira profissional de médico." Aderiu ao PS um ano depois.
A casa onde Defensor Moura nasceu, em pleno centro histórico de Viana do Castelo, serve hoje de sede da candidatura presidencial. O rés-do-chão foi adaptado às circunstâncias de um inquilino que evoca, com uma boa dose de nostalgia, os tempos em que figuras da oposição, dos meios republicanos, por ali deambulavam em conspirações clandestinas contra o regime de Salazar.
A Revolução a 27 de AbrilNumas obras de restauro, encontrou documentos, panfletos, recortes de jornais, fotografias da campanha de Humberto Delgado, em 1958, que o seu pai, mandatário da candidatura, coleccionou. Um espólio que Defensor Moura catalogou - parte do qual foi publicado nos Cadernos Vianenses. Estas lembranças de infância guarda-as como um tesouro. Quem, por essa altura, lhe acompanhava os passos, como colega de escola, tira um retrato severo do pai. Defensor não gosta: "Não era severo, era exigente, mas presente. Acompanhava-me ao futebol, ao básquete...", diz.
A adversidade, que lhe talha o destino, apanhou-o aos sete anos, quando a mãe morre, com cancro. Decidiu então ser médico. Entre os deveres escolares e as lojas do pai (um comerciante com negócios tão diversos como uma ourivesaria e uma loja de artigos de caça), Defensor fica entregue ao cuidado das irmãs mais velhas. E segue-as para Angola, para onde emigram.
Começa por tirar um curso de controlador de tráfego aéreo, divide-se entre o trabalho no aeroporto de Luanda e o curso de Medicina e está distante da coisa política. Uma licença de um ano, em 1969, devolve-o a Lisboa, onde continua o curso e procura emprego. Sem sucesso, regressa a Angola pouco convencido de que os ventos da primavera marcelista, que agitavam as universidades e os meios católicos e intelectuais, pudessem mudar o regime. Conclui o curso e cumpre como médico o serviço militar no Norte de Angola, na zona de Dembos. A Revolução do 25 de Abril aconteceu para Defensor Moura a 27, quando, de passagem por Luanda, telefona ao pai e confirma que o golpe militar que inicialmente temeu vir da ala mais dura do regime era, afinal, o movimento libertador dos capitães.
"Politicamente intratável"Em fins de Maio deste ano, poucos terão acreditado que a frase lançada por uma deputada no meio de uma reunião de José Sócrates com o grupo parlamentar do PS, sobre o apoio à candidatura de Manuel Alegre, tivesse consequências. Mas teve. "Concorra o doutor, porque tem currículo para isso", ouviu-se. Defensor Moura levou o desafio à letra, comprou o combate e entrou na corrida para Belém. Céptico quanto às possibilidades de sucesso da candidatura do poeta para derrubar Cavaco Silva, pediu tempo para o partido encontrar uma alternativa. "Confrontava-me com dois candidatos que têm de ser: o Manuel Alegre, pelo PS, porque tem de ser; e o Cavaco, porque também tem de ser. Eu não me resigno com isso. Já várias vezes demonstrei que não me resigno com inevitabilidades", argumenta. O rasto da sua vida partidária nas fileiras do PS testemunha-o. Para os seus detractores, Defensor Moura é "politicamente intratável"; para os correligionários de partido que estiveram ao seu lado nas vicissitudes com os dirigentes da Federação do PS de Viana do Castelo, "em 80 por cento das guerras partidárias - que são as piores - ele tinha razão".
"Ele tem uma capacidade de organização e um carisma acima da média para Viana do Castelo, mas só se organiza tendo à sua volta gente que domina", aponta um velho companheiro de Defensor, de quem é hoje crítico militante.
"Nunca teve cortes unânimes, sempre teve gente que lhe fez oposição dentro do PS. É um lutador obcecado", contrapõe um destacado socialista que prefere também não ser identificado.
Em 16 anos de presidência de câmara, Defensor Moura somou raivas de estimação e capitaneou lutas, de que a rejeição à adesão de Viana do Castelo à Comunidade Intermunicipal do Minho-Lima foi a mais polémica. Quatro meses depois de sair, a câmara e a assembleia municipais votaram por unanimidade essa adesão, mas ainda hoje Defensor defende o não. Algumas das lutas ainda estão por resolver nos tribunais, como a polémica demolição do Prédio Coutinho. À frente da autarquia, bateu-se por causas como a proibição das touradas (o redondel foi comprado pela autarquia para ser convertido num centro Ciência Viva) e deixou obra antes de partir para a Assembleia da República, com estrondo. A concelhia local aprovou a sua recandidatura por unanimidade, mas a federação vetou-o. Sob a ameaça de uma candidatura independente, valeu a quota de José Sócrates na lista de deputados pelo círculo de Viana do Castelo. "Com a distrital fui sempre dessintónico", sintetiza Defensor Moura, repudiando as acusações de ser sempre parte do conflito e nunca da solução. "O partido para mim não é um fim, é um instrumento para fazer bem às populações. Eu não era presidente do PS, era presidente da câmara", defende-se.
No Parlamento, a rebeldia faz já parte da sua imagem de marca, mesmo que tenha de furar a disciplina de voto, como foi o caso recente da tributação dos dividendos. "É superior às minhas forças. Mas há uma diferença em relação aos que não estão sintonizados. Vou às reuniões do grupo parlamentar e digo aí o que penso", argumenta. Foi isso que fez nessa célebre reunião de Maio com Sócrates. Depois, também poucos o terão levado a sério, quando anunciou a intenção de avançar para Belém. Pedro Nunes, o bastonário da Ordem dos Médicos que preside à comissão de honra da candidatura, foi excepção. "Fui eu que tomei a iniciativa de lhe dizer: "Conte comigo, se avançar"", revela, elogiando a firmeza com que ele se bate pelas suas ideias, sem "cálculos políticos". "Se ele estivesse a pensar na aritmética eleitoral, não estava a defender, por exemplo, a regionalização", considera. E esta é, de facto, uma das causas maiores da candidatura de Defensor Moura, que tem no combate à corrupção e ao clientelismo outra das principaisbandeiras.
"Já ouviu algum dos outros candidatos a erguê-las?", desafia o candidato.