O bulldozer da diplomacia dos EUA

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Richard Holbrooke (1941-2010), um gigante da diplomacia americana Brendan McDermid/Reuters

Como dizia o diário britânico "Guardian", Holbrooke “não era o mais amado universalmente, mas era certamente um dos melhores, mais admirados e mais eficazes diplomatas americanos”, “um dos muito poucos que pode ser comparado com a geração fundadora da hegemonia americana”.

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Como dizia o diário britânico "Guardian", Holbrooke “não era o mais amado universalmente, mas era certamente um dos melhores, mais admirados e mais eficazes diplomatas americanos”, “um dos muito poucos que pode ser comparado com a geração fundadora da hegemonia americana”.

A sua alcunha “o bulldozer” diz algo sobre ele, e terá sido alguma rudeza excessiva que o terá afastado do cargo de secretário de Estado, que poderia ter ocupado na Administração de Clinton e novamente na de Obama.

“Holbrooke era reconhecido pelo seu grande intelecto, um ego a condizer, e um arsenal de armas desde a lisonja e paciência até à zanga e, quando necessário, gritos”, escreve o site Bloomberg.

“Um lutador brilhante, às vezes abrasivo, usava um arsenal formidável de factos, ameaças veladas e, quando necessário, ataques pirotécnicos de raiva para sublinhar a sua posição”, escreve pelo seu o lado o “New York Times”.

Holbrooke trabalhou para todos os presidentes democratas desde John F. Kennedy, nota o "Washington Post". “Trabalhou durante eras definidoras da diplomacia americana, testemunhando o sim do colonialismo europeu e a Guerra Fria e a ascensão do terrorismo internacional como a maior ameaça à América”, continua o jornal.

Negociar com pessoas que fizeram coisas imorais

Reconheceu uma vez não ter quaisquer “problemas morais em negociar com pessoas que fazem coisas imorais”. Com o então Presidente jugoslavo Slobodan Milosevic, Holbrooke terá, ao longo de negociações longas e difíceis, desenvolvido uma certa relação – dizia que se tratavam pelo primeiro nome. Mas declarou nunca se ter arrependido de “negociar com Milosevic e com pessoas ainda piores, desde que não se perca o norte.” “Se se pode impedir a morte de pessoas, não se está a prejudicar aqueles que já morreram ao tentar fazê-lo”, disse em 1999, lembra a estação de televisão britânica BBC.

Se os acordos de Dayton que acabram com a guerra na Bósnia em 1995 são o seu sucesso mais referido – um sucesso que levou à sua nomeação para o Nobel da Paz –, a sua primeira missão foi no Vietname, em meados dos anos 1960, durante a guerra entre o Norte e o Sul. Regressado a Washington, escreveu parte dos “Pentagon Papers”, a história secreta do envolvimento norte-americano na guerra (mais tarde passados ao "New York Times" e "Washington Post" que os divulgaram). Holbrooke pediu – talvez, avança o "Guardian", “sabendo provavelmente que o seu trabalho no Vietname não seria admirado universalmente” – para trabalhar com o Peace Corps norte-americano em Marrocos, e depois passou pelas revistas "Foreign Policy" e "Newsweek".

"Se não estás na equipa dele e estás no seu caminho, Deus te ajude"

Regressado à diplomacia, foi depois o responsável pela abertura de relações diplomáticas com a China em 1978, e ainda teve várias missões passando por Timor Leste, intercaladas com trabalho em serviços financeiros (o que terá também contribuído para as dificuldades de ser escolhido para secretário de Estado), incluindo a Lehman Brothers. Passou ainda pelos cargos de embaixador na Alemanha e na ONU (onde ajudou a convencer outros países a reconhecer a sida como uma questão de segurança nacional).

Acabou por ser escolhido pelo Presidente Obama para enviado ao Afeganistão e Paquistão. Uma das suas principais missões era pressionar o líder afegão, Hamid Karzai, a confrontar a corrupção. Nem sempre o Presidente afegão acedia a recebê-lo. “Ela é um cliente muito difícil”, disse um dia Holbrooke num pequeno-almoço com jornalistas. “Mas como vocês terão ouvido, eu também.”

Holbrooke nasceu em Nova Iorque, em 1941, de uma família de ascendência judaica alemã. Estudou na Universidade de Brown e era casado com a escritora Kati Marton. Tinha dois filhos de um casamento anterior.

“Se o Richard te telefonar a pedir qualquer coisa, diz que sim”, disse uma vez sobre ele o antigo secretário de Estado Henry Kissinger. “Se dizes ‘não’, vais acabar no ‘sim’, mas o caminho será muito penoso.”

O Presidente norte-americano, Barack Obama, lembrou uma frase de um “amigo e admirador” de Holbrooke, que “disse um dia ‘se não estás na equipa dele e estás no seu caminho, Deus te ajude’. Como tantos presidentes antes de mim, estou grato que Richard Holbrooke tenha estado na minha equipa, assim como está grato o povo americano.”