Janelle Monáe: Uma máquina de cantar e dançar na Avenida
Em Maio, quando foi lançado o seu álbum de estreia, "The ArchAndroid", escrevíamos que a pequena Janelle Monáe, 24 anos, tinha tudo para ser grande. Uma voz camaleónica. Uma atitude vibrante. Uma história emocionante para contar: a filha de pai toxicodependente e mãe empregada de limpeza que consegue vingar. Os padrinhos certos (Erykah Badu, OutKast, Prince) e um álbum surpreendente, caleidoscópico impressionante de funk físico, R & B exploratório, pop barroca, folk pastoral, rock psicadélico ou jazz orquestral, tudo isto embrulhado num conceito inspirado no filme "Metropolis" (1927) de Fritz Lang.
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Em Maio, quando foi lançado o seu álbum de estreia, "The ArchAndroid", escrevíamos que a pequena Janelle Monáe, 24 anos, tinha tudo para ser grande. Uma voz camaleónica. Uma atitude vibrante. Uma história emocionante para contar: a filha de pai toxicodependente e mãe empregada de limpeza que consegue vingar. Os padrinhos certos (Erykah Badu, OutKast, Prince) e um álbum surpreendente, caleidoscópico impressionante de funk físico, R & B exploratório, pop barroca, folk pastoral, rock psicadélico ou jazz orquestral, tudo isto embrulhado num conceito inspirado no filme "Metropolis" (1927) de Fritz Lang.
O que é incrível - ainda por cima tendo em conta que falamos de alguém que se movimenta no "centro" do mercado e não nas "franjas" - é que nada disto é programático. É produto de grande tenacidade e de uma visão criativa muito própria. A de Monáe, que cresceu nos subúrbios do Kansas, aprendeu a cantar na igreja, auxiliando a família com o dinheiro que ganhava nas competições de canto. Em 2004 mudou-se para Nova Iorque, já depois de ter criado "The Audition", disco produzido pela própria que nunca chegou a ser editado. Em Nova Iorque desistiu do ensino formatado - queria ser actriz da Broadway - e foi viver para Atalanta, onde os OutKast a convidaram para participar no seu musical "Idlewild".
Depois assinou pela editora do "rapper" Puff Daddy e foi galgando degraus. É uma das revelações do ano e é o grande destaque da 3ª edição do Festival Super Bock em Stock, actuando sábado, no Teatro Tivoli, em Lisboa, pelas 24h. Se não acontecer um cataclismo, aquele penteado geométrico, os pés de James Brow e as extravagâncias vocais vão mesmo conquistar. Falámos com ela ao telefone, estava cansada, mas disponível.
Estudou dança e teatro, mas acabou por desistir de uma carreira na Broadway para onde estava inicialmente direccionada. Qual a importância dessa aprendizagem hoje?
Ganhei consciência do meu corpo, não tenho receio de experimentar com ele. Há por aí grandes vozes, mas apenas se concentram em cantar, enquanto eu incorporo elementos da Broadway e do teatro musical no meu estilo. Mas faço-o de forma pessoal. Não me interessa o padrão, o modelo habitual. Foi por sentir que não podia expressar a minha individualidade da maneira que desejava que acabei por deixar esse mundo. Queria fazer o meu próprio musical. Quando estou em palco posso ser teatral, dançar à minha maneira e cantar ao mesmo tempo, porque tive oportunidade de aprender a fazê-lo todos esses anos.
Quando apareceu na TV americana a cantar e a dançar a canção "Tightrope" compararam de imediato a sua movimentação à de James Brow. Como é que reage a isso?
Não gosto muito de coreografias em palco. Gosto mais do improviso, de sentir que posso fazer o que me apetece. James Brown também tinha isso. Admiro-o por isso. Ser comparada a ele não é um problema. Já me compararam a Michael Jackson quando estava nos Jackson 5... [risos]. Já me compararam a Elvis. Quer dizer, são alguns dos melhores, nada mau, podia ser pior.
Descreve o seu álbum como um filme épico, ou um "emotion picture", inspirado em "Metropolis", de Fritz Lang, o que não deixa de ser curioso porque é um filme mudo.
É verdade, mas identifiquei-me de imediato com aquelas personagens. Fizeram-me recordar muitas das coisas que vivi na infância e adolescência, pessoas que lutam pela sobrevivência, que não têm quase nada, mas mesmo assim não desistem. Não me parece que hoje seja assim muito diferente.
Refere muito as suas origens humildes. Como é que olha para esse passado recente agora que se conseguiu afirmar?
Com imenso respeito. Com orgulho. Faço música para essas pessoas, para o meu pai, para a minha mãe, para a minha família, e para todos aqueles que trabalham no duro para ter uma vida decente. Sei que pode parecer um cliché, mas é isso. Sei o que essas pessoas passam, os momentos de depressão que vivem. Fazer música é a minha forma de prestar homenagem aos que vieram do nada. É a minha forma de as fazer sonhar também, nem que seja por um pouco.
No seu ainda curto percurso foi encontrando pessoas que a ajudaram - Big Boi e André 3000 dos OutKast, Erykah Badu, Prince ou Puff Daddy. Como se deram esses encontros?
Aconteceu naturalmente. É agradável ter tanta gente a interessar-se pelo que faço. Quer dizer, são todos grandes naquilo que fazem. Prince deu-me imensos conselhos. Encorajou-me. É alguém que me inspira só de o ver em palco. Big Boi e André foram essenciais no início, convidaram-me para entrar no musical "Idlewild", foi muito importante. Abriram-me outras perspectivas. Erykah Badu é uma amiga incrível, falamos imenso, é alguém que tem a sua individualidade e que luta muito por ela.
O que lhe pareceu a polémica em torno do vídeo para "Window Seat", onde ela se desnuda, e cai ao chão, no local onde se deu o assassinato do presidente John F. Kennedy?
É a sua visão artística. Respeito-a. Em tudo aquilo que faz compromete-se com aquilo em que acredita. E nesse caso voltou a acontecer. É apenas uma artista a interrogar-se e ao mesmo tempo a tentar que também nós o façamos. Apenas isso.
Nas suas canções fala muito de liberdade de expressão, de individualidade. São as coisas mais importantes para si?
É importante encontrar uma voz. É triste quando sentimos que temos de alterar a nossa essência para chegar aos outros. Não acredito nisso. E é isso que tento transmitir, essa ideia de que temos de nos manter fiéis à nossa individualidade custe o que custar. Só assim é possível celebrar as nossas diferenças também.
No seu álbum participaram Big Boi ou o poeta-cantor Saul Williams, mas também Kevin Barnes dos Of Montreal, uma banda rock. Atravessa vários géneros, não se concentrando em nenhum em particular. Foi propositado?
É natural. Sou da geração iPod, quer dizer, ninguém tem um só género de música no seu iPod...[risos] Quanto a Kevin, conhecemo-nos em Atalanta, depois de um concerto da sua banda. Eles são incríveis em palco, andámos em digressão, temos imensa coisa em comum. Kevin gosta muito da minha voz e eu da dele, são até um pouco parecidas. Há até muitas pessoas que não conseguem distinguir quem é quem na canção "Make the bus".
Tal como Erykah Badu também se insurge contra a ideia estereotipada da cantora negra feminina, da qual se espera que se apresente sempre da mesma maneira pré-determinada.
Sim, não acredito em categorias e esse tipo de coisas. Quer dizer, cada artista deve ter as suas ideias próprias. Não temos que ser todas como a Beyoncé, por mais que ela seja excelente.
No caso dos homens, Kanye West ou os OutKast também contrariaram esse modelo daquilo que se supõe ser a forma de estar tipificada no hip-hop ou no R & B.
Sim, o simplismo com que olhamos as coisas não é exclusivo de nenhum género. Mas isso está a mudar. Há uma nova geração que já tem uma disponibilidade diferente para não meter toda a gente no mesmo saco e é capaz de celebrar a diversidade.
Para além de Fritz Lang, ou do artista Salvador Dali, também se gosta de referir a Hitchcock como uma influência. Gosta de algum filme em particular?
Gosto muito da sua forma de filmar em "Vertigo" ou "Psico". Nos seus filmes os sonhos têm quase sempre um papel fundamental. Como ele também penso que os sonhos, aquilo que não é enunciado, desempenham um papel importante na nossa vida. Estou sempre muito atenta a eles. A maior parte das minhas canções nascem assim, no meio dos meus sonhos.
O que faz nessas ocasiões, levanta-se e escreve num papel?
Mais ou menos. Tenho um gravador junto à cama... [risos]. O período de criação das canções para o disco foi muito entusiasmante. Perdi o medo de errar, de assumir os meus sonhos.
Sempre soube que queria fazer um álbum conceptual ou acabou por resultar dessa forma no decorrer do processo?
Soube sempre. Há muito que gosto de musicais. Há muito que gosto de banda-sonoras de filmes. Era um desejo antigo.
A ficção-científica também inspirou nomes dos anos 60 e 70, do funk e do jazz, como os Funkadelic ou Sun Ra. Teve isso em atenção?
Nem por isso. Inspirei-me na minha própria experiência, quando via com a minha avó a "5ª Dimensão" ou lia coisas de Philip K. Dick. Mas acima de tudo segui os meus sonhos.
Os seus espectáculos têm fama de ser muito enérgicos e interactivos. Que tipo de ambiente gosta de conceber?
Qualquer coisa onde tudo possa acontecer, que seja vibrante e intenso e se possível onde exista uma grande partilha de energia.