Uma greve em que o Governo recusou entrar em guerras de números e fez questão de mostrar como faz as contas

O Governo disse ontem que não queria entrar em guerras de números, mas contestou a declaração feita pela CGTP e a UGT de que três milhões de pessoas aderiram à paralisação. E, para não destoar das outras greves, fica pelo menos uma divergência numérica entre as duas partes: o total de trabalhadores da administração pública que fizeram greve oscilou entre 28,5 e 90 por cento.

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O Governo disse ontem que não queria entrar em guerras de números, mas contestou a declaração feita pela CGTP e a UGT de que três milhões de pessoas aderiram à paralisação. E, para não destoar das outras greves, fica pelo menos uma divergência numérica entre as duas partes: o total de trabalhadores da administração pública que fizeram greve oscilou entre 28,5 e 90 por cento.

Depois de o secretário-geral da UGT, João Proença, ter dito durante a tarde de ontem que esta greve geral foi a maior de sempre, os números surgiram ao final do dia. De acordo com os sindicatos, dos 4,9 milhões de trabalhadores portugueses, três milhões fizeram ontem greve. Até à hora de fecho desta edição, as centrais sindicais não avançaram as taxas totais de adesão. Na última greve conjunta da CGTP e UGT, em 1988, a adesão terá sido de 80 a 84 por cento.

A ministra do Trabalho, Helena André, rejeitou os três milhões avançados pelos sindicatos, dizendo que, se assim fosse, o país teria parado, o que não aconteceu. No entanto, também não avançou com outros números, sublinhando que não ia entrar "em guerra sobre dados" e que a adesão foi muito variável.

As únicas taxas avançadas foram as da adesão dos funcionários públicos da administração central do Estado. A Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública falou de uma adesão de 85 a 90 por cento, que afectou sobretudo a saúde, a educação e a Segurança Social.

Já o Governo referiu que só 121 mil trabalhadores da administração pública central fizeram greve, ou seja, 28,6 por cento do total. Dos 10.564 serviços da administração central, apenas 3090 encerraram, com destaque para as escolas, as repartições de Finanças ou os serviços de atendimento da Segurança Social. Fora destas contas ficam as autarquias, os Governos regionais e o sector empresarial do Estado.

De onde vêm os números

Na origem de discrepâncias tão grandes nos números da greve geral estão as diferentes metodologias usadas pelos sindicatos e pelo Governo. Enquanto a taxa de adesão apurada pelos primeiros resulta do número de trabalhadores em greve sobre os que deviam estar ao serviço naquele dia, o Estado e a maioria das empresas faz o cálculo tendo por base a totalidade dos trabalhadores.

Desde 2007, os serviços do Estado são obrigados a inscrever numa base de dados online os números de adesão à greve e ontem, pela primeira vez, o Governo disponibilizou o acesso em tempo real a essa base. Uma sala no Ministério das Finanças foi colocada à disposição dos jornalistas e também dos sindicatos (que rejeitaram o convite) para visualizar num ecrã a informação que cada serviço público ia carregando num mesmo sistema informático relativamente ao número de trabalhadores que compareceram ou não ao trabalho.

O secretário de Estado da Administração Pública, Gonçalo Castilho dos Santos, fez várias apresentações ao longo do dia para explicar como funciona o sistema. A ideia foi mostrar que "os números da greve não são números do Governo, mas dos serviços" e que "o Governo não trabalha por palpite".

Os dados apresentados mostram que os ministérios mais afectados pela greve foram o da Justiça (51,3), das Finanças (43,3), da Saúde (38,6) e da Educação (26,5 por cento), o que se traduziu no encerramento de mais de duas mil escolas, de vários tribunais e serviços de registo e notariado e de todas as repartições de Finanças. Nenhum centro de saúde fechou portas, garantiu o secretário de Estado, que fez questão de realçar que "a grande maioria dos trabalhadores não aderiu à greve e que a maioria dos serviços esteve de porta aberta".

Sector privado afectado?

Quanto ao sector privado, as opiniões dividem-se mais uma vez. Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP, disse ontem que a greve teve aqui impacto, "com expressões variadas, mas em áreas determinantes do sector produtivo" e com "a paralisação em grandes empresas".

Já a ministra do Trabalho garantiu que a adesão no sector privado foi muito reduzida, dando como justificação o facto de o consumo de energia entre a uma da manhã e as 16h ter sido praticamente igual ao de anteontem, o que não indica quebras na actividade produtiva.

Uma justificação que mereceu a ironia de Carvalho da Silva: "Temos de concluir então que os aviões não gastam energia, que os barcos não gastam energia e que muitas empresas privadas não gastam energia. É um fenómeno."

Outros indicadores que, segundo o Governo, apontam para um impacto reduzido da greve no sector privado são a fraca adesão na Galp e EDP, nas grandes empresas de distribuição, nos sectores têxtil, metalúrgico e da cortiça, bem como o facto de os bancos terem estado abertos. Quanto ao sector dos transportes, Helena André falou de taxas de adesão "muito variáveis", entre os 5 e os 95 por cento.