Há mestrados que podem custar mais de 30 mil euros

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Investigador Belmiro Cabrito teme um ensino de elites Carla Carvalho Tomás/Arquivo

Na Universidade de Coimbra, o valor de propina mais elevado é, para um mestrado de um ano, de 19 mil euros. O PÚBLICO foi tentar perceber o que explica a existência de propinas tão elevadas e se os casos em que os estabelecimentos cobram valores desta importância são pontuais ou se, pelo contrário, tendem a tornar-se um cenário generalizado.

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Na Universidade de Coimbra, o valor de propina mais elevado é, para um mestrado de um ano, de 19 mil euros. O PÚBLICO foi tentar perceber o que explica a existência de propinas tão elevadas e se os casos em que os estabelecimentos cobram valores desta importância são pontuais ou se, pelo contrário, tendem a tornar-se um cenário generalizado.

Com a aplicação do processo de Bolonha, as antigas licenciaturas, de quatro ou cinco anos, foram transformadas em licenciaturas de três anos, designadas de 1.º ciclo, e em mestrados, ditos 2.º ciclo, de dois anos. Na altura da transição, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, garantiu que os mestrados necessários ao acesso à profissão teriam propinas iguais à das licenciaturas e isso confirma-se com Medicina ou Arquitectura, os chamados mestrados integrados.

Mas, segundo Belmiro Cabrito, especialista em Economia da Educação e professor no Instituto da Educação da Universidade de Lisboa, não foi apenas uma pequena parte dos mestrados que passou a ser de frequência quase que obrigatória para a conclusão da formação de quem se licencia e para um efectivo acesso à profissão. Os 2.º ciclos actuais "funcionam, muitas vezes, como os 4.º e 5.º anos das licenciaturas antes de Bolonha". E o problema, diz o professor, está na tendência das instituições para cobrarem propinas cada vez maiores por estes mestrados. "Cinco mil ou mais euros tornou-se um número bastante vulgar", denuncia. "Estamos em presença de um ensino público ou privado", interroga-se.

No ISCTE, 28 cursos de mestrado têm propinas superiores a nove mil euros, sete cursos têm propinas superiores a 12 mil e dois cursos têm propinas superiores a 20 mil euros. Uma pós-graduação em Gestão Empresarial, da Escola de Gestão, chega a ter de propina o valor de 37 mil euros. Luís Antero Reto, reitor do ISCTE, explica que estes mestrados "são cursos em inglês, que possibilitam aos estudantes a permanência de seis meses ou um ano em reputadas universidades americanas", não estando em causa segundos ciclos essenciais à formação dos estudantes.

Cursos de "grande qualidade"

Uma consulta à página de Internet do ISCTE gera dúvidas sobre o que acontece com outros cursos. A licenciatura em Gestão tem uma propina anual de 980 euros. E o mestrado de continuidade em Gestão tem, no primeiro ano, uma propina de 3950 euros e, no segundo, de 1600 euros. Questionado sobre esta situação, Luís Reto centra-se na designação dos mestrados. Segundo o reitor, os mestrados de continuidade são diferentes dos integrados, que os estudantes têm de frequentar para aceder à profissão. Os de continuidade permitem aos alunos prosseguir com a formação na área da licenciatura que frequentaram, mas não são obrigatórios.

Assim, segundo Luís Reto, não têm de ter, por lei, propinas iguais à das licenciaturas. O reitor justifica o valor das propinas com a existência de um "mercado alargado", em que a concorrência é grande: "Estamos a competir com a Nova e com a Católica, com propinas mais elevadas."

Filipa Teixeira, presidente da Associação de Estudantes do ISCTE, considera que as propinas elevadas se justificam. "São mestrados de grande qualidade e, tendo em conta os professores, faz sentido que estes valores sejam cobrados", explica, acrescentando que a "absorção para o mercado" de quem frequenta estes mestrados compensa o valor pago. Filipa Teixeira sublinha ainda que estes mestrados são dirigidos "a alunos que já trabalharam na área".

Questionada sobre os mestrados de continuidade, a dirigente estudantil diz não ter conhecimento da situação. "Os mestrados de continuidade têm de ter um valor de propina igual ao praticado no caso das licenciaturas", afirma.

Instituições contornam a lei

Para Belmiro Cabrito, algumas instituições souberam encontrar falhas na lei que regula as propinas para cobrarem mais por mestrados essenciais à formação dos estudantes. "Se um aluno terminou a licenciatura numa instituição e vai tirar o mestrado noutra, este novo aluno não está a tirar um mestrado de continuidade da licenciatura", o que, segundo o especialista, permite que lhe seja cobrado mais do que aos que fizeram a licenciatura naquela instituição.

Noutros casos, a estratégia consiste na alteração da designação dos mestrados, para que não sejam considerados de continuidade. Belmiro Cabrito afirma que isto "permite levar propinas diferentes para o mesmo diploma".

Regra geral, as instituições fixam propinas para mestrados integrados e de fileira iguais às das licenciaturas. Já no que diz respeito aos restantes mestrados, os valores cobrados são superiores.

Segundo Luís Coelho, presidente da Federação Académica da Universidade Nova de Lisboa (UNL), os aumentos das propinas estão em concordância com a qualidade dos mestrados. "Os novos mestrados que têm aparecido com o processo de Bolonha ajustam-se cada vez mais à realidade que existe a nível internacional", defende, sublinhando que alguns professores que leccionam na UNL vêm do estrangeiro. Logo, esse é um preço a pagar.

Para Belmiro Cabrito, nalguns casos, as razões que se escondem por detrás de valores elevados são outras. O especialista considera que a explicação para algumas propinas reside no "subfinanciamento a que o MCTES [Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior] tem vindo a submeter as instituições de ensino superior, desde há vários anos". A consequência será um "ensino de elites", com a "diminuição do número de alunos em todos os ciclos, permanecendo no ensino, tendencialmente, aqueles que têm mais disponibilidades financeiras", analisa.

O PÚBLICO pediu uma reacção ao MCTES, sem resultado. António Rendas, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, e João Sobrinho Teixeira, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, também não estiveram disponíveis.