Para mudar o mundo, "não há um único país, um único líder ou um único grupo de países"
O secretário-geral das Nações Unidas, que esteve em Lisboa para fechar, com a NATO e o Presidente afegão, o roteiro para a transição de poderes no Afeganistão, diz que é a voz da esperança, mas também do pragmatismo. Unido, acredita Ban Ki-moon, o mundo vai conseguir uma transição de sucesso no Afeganistão e nos grandes desafios globais. "Juntos tenho a certeza que vamos conseguir", disse nesta entrevista exclusiva ao PÚBLICO, ontem em Lisboa, na manhã a seguir à cimeira da NATO que definiu que a partir de 2014 os afegãos começarão a ser responsáveis pela segurança no seu país. "Continuo a ocupar um lugar proeminente", diz o secretário-geral coreano. A comunidade internacional, porém, tem que o apoiar. Ban Ki-moon pode não ser o líder mais carismático do globo, como sublinham os seus críticos, mas não tem problema em dizer, energicamente, quais, na sua auto-avaliação, são os seus talentos. "Sou um homem sempre em movimento." E é um secretário-geral a posicionar-se para uma eventual campanha para o segundo mandato em 2012.
Uma volta ao mundo em 20 minutos.
Para a ONU, qual foi o resultado mais relevante desta cimeira da NATO?
A cimeira da NATO no Afeganistão definiu um caminho claro para a transição: em 2014, os afegãos e o seu governo terão mais responsabilidade e controlo para garantir a segurança e proteger a sua população, de modo a que os afegãos possam desenvolver a sua sociedade e torná-la mais próspera.
Mas quero dizer que, apesar de ter sido adoptada uma estratégia de transição, isso não significa que o importante sejam os prazos. O importante é o estado das coisas, ou seja, sabermos quando e onde os afegãos vão ser capazes de garantir a sua própria segurança.
Para a ONU, esta transição significa que a ONU se vai envolver mais em ajudar e facilitar o desenvolvimento social e económico do país. A ONU está no Afeganistão há 60 anos e continuaremos a estar envolvidos a longo prazo nas questões civis, a ajudar a integração política e o processo de reconciliação e desenvolvimento social e económico.
2014 é um timing realista?
Em Lisboa, ouvimos e vimos um compromisso político muito forte dos líderes mundiais - não apenas dos Estados-membros da NATO, mas também dos seus parceiros e países doadores - de que vão apoiar esta transição. Com um forte compromisso da comunidade internacional em apoiar a população afegã, com o bom governo da liderança afegã (o Presidente Karzai) e com apoio adequado da comunidade internacional ao desenvolvimento social e económico, ou seja, com estes três elementos combinados, tenho a certeza que vamos conseguir.
Foi isso que eu disse ontem juntamente com o secretário-geral da NATO, Rasmussen, e o Presidente Karzai. Fiquei muito comovido e encorajado por este claro roteiro de transição ter sido adoptado.
Participei em todas as conferências internacionais anteriores, duas cimeiras da NATO e outras reuniões de alto nível, mas esta cimeira de Lisboa foi a mais histórica de todas, pois deu-nos um caminho muito mais claro para o futuro.
Como vê o Afeganistao em 2020, cinco anos depois do início desta transição?
Acredito que os afegãos vão ter mais liberdade e mais segurança, espero ver as mulheres mais envolvidas e a participar nas questões económicas, sociais e políticas, e tenho a certeza que haverá mais jovens a ter um papel na definição do seu futuro. A ONU vai continuar a trabalhar como um todo, e isto é uma questão estratégica para a ONU: ajudar o Afeganistão de um modo mais amplo e polivalente.
Concorda que o processo de construção do Estado e das instituições democráticas falhou no Afeganistão?
O Afeganistao tem sofrido muito com todas estas guerras, várias décadas de guerra civil e inúmeras agressões. Por isso, uma das prioridades da comunidade internacional é ajudar os afegãos a caminharem por si próprios, a construírem o seu próprio futuro - e esta ideia é a filosofia e o enquadramento essencial da cimeira de Lisboa.
Não aprendemos com o passado que sair cedo de mais pode ser demasiado perigoso?
Se há uma coisa que não existe é o momento perfeito para sair. Esta transição não pode ser vista como uma saída. Nós não vamos sair, não vamos deixar o povo afegão sozinho. Esta operação militar poderá ser reduzida por essa altura, em 2014, mas continuará a haver um envolvimento contínuo da comunidade internacional com a ONU a liderar. A ONU está mandatada para coordenar todo o desenvolvimento social e económico e como facilitador político.
A iniciativa política é um dos seus principais poderes. Onde é que, nestes seus três anos de mandato, tem sido mais eficaz?
O meu mandato é muito amplo e eu sou responsável por todos os grandes desafios globais: alterações climáticas, pobreza, saúde, conflitos... Como manter a paz e segurança internacional quando assistimos ao rebentar de tantos conflitos à volta do mundo, como o Afeganistão e o Iraque?
Daí a pergunta: com tantas frentes, onde é que a ONU está a ser eficaz?
O meu mandato só pode ter sucesso com a total participação e apoio dos Estados-membros. Vivemos numa era de crises múltiplas e desafios múltiplos. Não há um único país, um único líder ou um único grupo de países... Veja a União Europeia, um dos mais poderosos e ricos grupos de nações do mundo, e agora cada vez mais, com os EUA. Mas a verdade é que a União Europeia não pode fazer as coisas sozinha a não ser que se coordene com a comunidade internacional.
O que eu tenho feito como secretário-geral é, acima de tudo, chamar a atenção para assuntos como as alterações climáticas e a pobreza. Temos tido muito sucesso nos Objectivos do Milénio, adoptámos uma estratégia global para as mulheres e as crianças, e apesar de Copenhaga não ter satisfeito as expectativas de todos, fizemos progressos; o mesmo em relação a dar mais poder às mulheres.
Como secretário-geral sente-se impotente e frustrado?
Tem havido muitos altos e baixos, tenho sentido muitas dificuldades, mas como secretário-geral da ONU o meu papel é enviar uma mensagem de esperança. Não sou suposto transmitir as minhas frustrações. Se eu me sinto frustrado, o que sentirão todas as pessoas que não têm ajuda, que não têm voz, que não tem defesa? Tento ser o mensageiro da esperança, o defensor dos que não têm defesa, a voz dos que não têm voz. Mas o meu papel só pode ser eficaz se os Estados-membros me apoiarem.
Precisamente: qual é o seu papel em posicionar a ONU como órgão mais relevante e capaz de responder aos desafios de hoje?
A comunidade internacional faz cada vez mais pressão para que a ONU desempenhe em papel maior e mais importante. Vivemos numa era de crises múltiplas. Crises múltiplas exigem soluções múltiplas. E estas soluções múltiplas só podem surgir de uma organização como as Nações Unidas, que é a mais universal organização do mundo e que tem a legitimidade de toda a comunidade internacional.
Há cada vez mais analistas a dizerem que o papel e a capacidade de influência da ONU está a diminuir, ao mesmo tempo que a força de grupos como o G20 está a aumentar. O G20 faz sombra à ONU?
Essa é uma má leitura da realidade. Sabemos que o G20 é um grupo de países cujos PIB nacionais juntos representam 80 por cento do PIB mundial e cuja população é 80 por cento da população mundial. Por isso, as suas decisões afectam significativamente a economia mundial.
Mas o trabalho do G20 e da ONU tem sido sempre complementar e a reforçar mutuamente o trabalho uma da outra. Para a reunião do G20 de Novembro do próximo ano, em Cannes, a ONU vai estar totalmente envolvida nos passos preparatórios, inclusive nas reuniões dos ministros das Finanças. E assim, pela primeira vez na história do G20, e a pedido dos Estados-membros da ONU, o Governo coreano [anfitrião da última cimeira G20] adoptou, com consenso, uma agenda de desenvolvimento que funcionará em complementariedade com o plano de acção da cimeira dos Objectivos do Milénio. Não há competição, há reforço mútuo.
Nesse sentido, eu continuo a ocupar um lugar proeminente. As Nações Unidas, com mandato do G20, vai operacionalizar o chamado Global Pulse, utilizando todas as agências da ONU à volta do mundo. Não há nenhuma outra organização internacional ou país que tenha uma presença mundial desta dimensão. Estamos a recolher todos os dados, hora a hora, dia a dia, a analisá-los centralmente e vamos enviar informação e alertas de prevenção a todos os Estados. Este é um papel muito importante que a ONU está a desempenhar.
O papel do secretário-geral da ONU é visto como devendo ser o de uma espécie de Papa secular. É essa a sua visão?
Não dever haver mal entendidos. A questão não é saber se o secretário-geral das Nações Unidas é ou não um líder global - eu sou um líder global. Eu simplesmente não gosto da expressão "Papa secular". O Papa é um líder espiritual. Eu sou um líder global secular, não sou um Papa.
Sou um homem no terreno, um homem de acção, tenho uma visão, mas a minha visão deve ser implementada no terreno e por isso sou um homem sempre em movimento. Se me virem como um Papa secular, sinto-me honrado, mas gostaria de ser mais do que um líder espiritual.
John Bolton, ex-embaixador dos EUA junto da ONU, fez a célebre análise ao título do seu cargo e disse que um secretário-geral da ONU deveria ser mais "secretário" e menos "general". Como se vê neste papel, agora que vai no terceiro ano de mandato?
É preciso combinar as duas capacidades. Um secretário-geral das Nações Unidas não pode só falar de política ou idealismo. Tem que ser uma pessoa com as mãos na massa, que controla a gestão da máquina, os recursos humanos e as questões administrativas, porque a ONU tem que ser muito eficaz, responsável e transparente. Nesse sentido, um secretário-geral tem que ser um gestor muito eficaz e poderoso.
Mas há muitos desafios globais que precisam de mobilização e liderança política. Para isso, o secretário-geral tem que ser general, líder político.
Nenhum dos dois deve ter mais ênfase. Eu acumulo as duas coisas: tenho experiência de gestão e sou muito executivo, quer as pessoas gostem quer não, mas ao mesmo tempo tento discutir todos os desafios globais com os líderes mundiais.
Sente-se frustrado com a situação da justiça em Timor Leste?
Estou muito optimista em relação ao futuro de Timor Leste. Desde que se tornaram independentes em 2002, ganharam uma imensa maturidade política, democrática e de desenvolvimento económico. Claro que tem havido altos e baixos. A ONU tem desempenhado um papel muito importante e estamos muito agradecidos ao Governo de Portugal pelo seu forte envolvimento e apoio no país. E tive bons encontros aqui em Lisboa com o primeiro-ministro José Sócrates e o Presidente Cavaco Silva.
Nesses encontros pediu que Portugal enviasse mais mulheres-polícias para Timor. Porquê mulheres?
As mulheres são muito mais acessíveis à população, são melhor recebidas, em particular pelas próprias mulheres. Tivemos casos de grande sucesso na Libéria, por exemplo, onde contingentes só de mulheres indianas fizeram um grande trabalho. Essas mulheres-polícias tornaram-se parte da vida das comunidades. Queremos repetir esse modelo noutros lugares, como em Timor-Leste.
Portugal devia estar muito orgulhoso pelo trabalho que tem feito em Timor e nós temos uma grande esperança em relação ao desenvolvimento do país.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O secretário-geral das Nações Unidas, que esteve em Lisboa para fechar, com a NATO e o Presidente afegão, o roteiro para a transição de poderes no Afeganistão, diz que é a voz da esperança, mas também do pragmatismo. Unido, acredita Ban Ki-moon, o mundo vai conseguir uma transição de sucesso no Afeganistão e nos grandes desafios globais. "Juntos tenho a certeza que vamos conseguir", disse nesta entrevista exclusiva ao PÚBLICO, ontem em Lisboa, na manhã a seguir à cimeira da NATO que definiu que a partir de 2014 os afegãos começarão a ser responsáveis pela segurança no seu país. "Continuo a ocupar um lugar proeminente", diz o secretário-geral coreano. A comunidade internacional, porém, tem que o apoiar. Ban Ki-moon pode não ser o líder mais carismático do globo, como sublinham os seus críticos, mas não tem problema em dizer, energicamente, quais, na sua auto-avaliação, são os seus talentos. "Sou um homem sempre em movimento." E é um secretário-geral a posicionar-se para uma eventual campanha para o segundo mandato em 2012.
Uma volta ao mundo em 20 minutos.
Para a ONU, qual foi o resultado mais relevante desta cimeira da NATO?
A cimeira da NATO no Afeganistão definiu um caminho claro para a transição: em 2014, os afegãos e o seu governo terão mais responsabilidade e controlo para garantir a segurança e proteger a sua população, de modo a que os afegãos possam desenvolver a sua sociedade e torná-la mais próspera.
Mas quero dizer que, apesar de ter sido adoptada uma estratégia de transição, isso não significa que o importante sejam os prazos. O importante é o estado das coisas, ou seja, sabermos quando e onde os afegãos vão ser capazes de garantir a sua própria segurança.
Para a ONU, esta transição significa que a ONU se vai envolver mais em ajudar e facilitar o desenvolvimento social e económico do país. A ONU está no Afeganistão há 60 anos e continuaremos a estar envolvidos a longo prazo nas questões civis, a ajudar a integração política e o processo de reconciliação e desenvolvimento social e económico.
2014 é um timing realista?
Em Lisboa, ouvimos e vimos um compromisso político muito forte dos líderes mundiais - não apenas dos Estados-membros da NATO, mas também dos seus parceiros e países doadores - de que vão apoiar esta transição. Com um forte compromisso da comunidade internacional em apoiar a população afegã, com o bom governo da liderança afegã (o Presidente Karzai) e com apoio adequado da comunidade internacional ao desenvolvimento social e económico, ou seja, com estes três elementos combinados, tenho a certeza que vamos conseguir.
Foi isso que eu disse ontem juntamente com o secretário-geral da NATO, Rasmussen, e o Presidente Karzai. Fiquei muito comovido e encorajado por este claro roteiro de transição ter sido adoptado.
Participei em todas as conferências internacionais anteriores, duas cimeiras da NATO e outras reuniões de alto nível, mas esta cimeira de Lisboa foi a mais histórica de todas, pois deu-nos um caminho muito mais claro para o futuro.
Como vê o Afeganistao em 2020, cinco anos depois do início desta transição?
Acredito que os afegãos vão ter mais liberdade e mais segurança, espero ver as mulheres mais envolvidas e a participar nas questões económicas, sociais e políticas, e tenho a certeza que haverá mais jovens a ter um papel na definição do seu futuro. A ONU vai continuar a trabalhar como um todo, e isto é uma questão estratégica para a ONU: ajudar o Afeganistão de um modo mais amplo e polivalente.
Concorda que o processo de construção do Estado e das instituições democráticas falhou no Afeganistão?
O Afeganistao tem sofrido muito com todas estas guerras, várias décadas de guerra civil e inúmeras agressões. Por isso, uma das prioridades da comunidade internacional é ajudar os afegãos a caminharem por si próprios, a construírem o seu próprio futuro - e esta ideia é a filosofia e o enquadramento essencial da cimeira de Lisboa.
Não aprendemos com o passado que sair cedo de mais pode ser demasiado perigoso?
Se há uma coisa que não existe é o momento perfeito para sair. Esta transição não pode ser vista como uma saída. Nós não vamos sair, não vamos deixar o povo afegão sozinho. Esta operação militar poderá ser reduzida por essa altura, em 2014, mas continuará a haver um envolvimento contínuo da comunidade internacional com a ONU a liderar. A ONU está mandatada para coordenar todo o desenvolvimento social e económico e como facilitador político.
A iniciativa política é um dos seus principais poderes. Onde é que, nestes seus três anos de mandato, tem sido mais eficaz?
O meu mandato é muito amplo e eu sou responsável por todos os grandes desafios globais: alterações climáticas, pobreza, saúde, conflitos... Como manter a paz e segurança internacional quando assistimos ao rebentar de tantos conflitos à volta do mundo, como o Afeganistão e o Iraque?
Daí a pergunta: com tantas frentes, onde é que a ONU está a ser eficaz?
O meu mandato só pode ter sucesso com a total participação e apoio dos Estados-membros. Vivemos numa era de crises múltiplas e desafios múltiplos. Não há um único país, um único líder ou um único grupo de países... Veja a União Europeia, um dos mais poderosos e ricos grupos de nações do mundo, e agora cada vez mais, com os EUA. Mas a verdade é que a União Europeia não pode fazer as coisas sozinha a não ser que se coordene com a comunidade internacional.
O que eu tenho feito como secretário-geral é, acima de tudo, chamar a atenção para assuntos como as alterações climáticas e a pobreza. Temos tido muito sucesso nos Objectivos do Milénio, adoptámos uma estratégia global para as mulheres e as crianças, e apesar de Copenhaga não ter satisfeito as expectativas de todos, fizemos progressos; o mesmo em relação a dar mais poder às mulheres.
Como secretário-geral sente-se impotente e frustrado?
Tem havido muitos altos e baixos, tenho sentido muitas dificuldades, mas como secretário-geral da ONU o meu papel é enviar uma mensagem de esperança. Não sou suposto transmitir as minhas frustrações. Se eu me sinto frustrado, o que sentirão todas as pessoas que não têm ajuda, que não têm voz, que não tem defesa? Tento ser o mensageiro da esperança, o defensor dos que não têm defesa, a voz dos que não têm voz. Mas o meu papel só pode ser eficaz se os Estados-membros me apoiarem.
Precisamente: qual é o seu papel em posicionar a ONU como órgão mais relevante e capaz de responder aos desafios de hoje?
A comunidade internacional faz cada vez mais pressão para que a ONU desempenhe em papel maior e mais importante. Vivemos numa era de crises múltiplas. Crises múltiplas exigem soluções múltiplas. E estas soluções múltiplas só podem surgir de uma organização como as Nações Unidas, que é a mais universal organização do mundo e que tem a legitimidade de toda a comunidade internacional.
Há cada vez mais analistas a dizerem que o papel e a capacidade de influência da ONU está a diminuir, ao mesmo tempo que a força de grupos como o G20 está a aumentar. O G20 faz sombra à ONU?
Essa é uma má leitura da realidade. Sabemos que o G20 é um grupo de países cujos PIB nacionais juntos representam 80 por cento do PIB mundial e cuja população é 80 por cento da população mundial. Por isso, as suas decisões afectam significativamente a economia mundial.
Mas o trabalho do G20 e da ONU tem sido sempre complementar e a reforçar mutuamente o trabalho uma da outra. Para a reunião do G20 de Novembro do próximo ano, em Cannes, a ONU vai estar totalmente envolvida nos passos preparatórios, inclusive nas reuniões dos ministros das Finanças. E assim, pela primeira vez na história do G20, e a pedido dos Estados-membros da ONU, o Governo coreano [anfitrião da última cimeira G20] adoptou, com consenso, uma agenda de desenvolvimento que funcionará em complementariedade com o plano de acção da cimeira dos Objectivos do Milénio. Não há competição, há reforço mútuo.
Nesse sentido, eu continuo a ocupar um lugar proeminente. As Nações Unidas, com mandato do G20, vai operacionalizar o chamado Global Pulse, utilizando todas as agências da ONU à volta do mundo. Não há nenhuma outra organização internacional ou país que tenha uma presença mundial desta dimensão. Estamos a recolher todos os dados, hora a hora, dia a dia, a analisá-los centralmente e vamos enviar informação e alertas de prevenção a todos os Estados. Este é um papel muito importante que a ONU está a desempenhar.
O papel do secretário-geral da ONU é visto como devendo ser o de uma espécie de Papa secular. É essa a sua visão?
Não dever haver mal entendidos. A questão não é saber se o secretário-geral das Nações Unidas é ou não um líder global - eu sou um líder global. Eu simplesmente não gosto da expressão "Papa secular". O Papa é um líder espiritual. Eu sou um líder global secular, não sou um Papa.
Sou um homem no terreno, um homem de acção, tenho uma visão, mas a minha visão deve ser implementada no terreno e por isso sou um homem sempre em movimento. Se me virem como um Papa secular, sinto-me honrado, mas gostaria de ser mais do que um líder espiritual.
John Bolton, ex-embaixador dos EUA junto da ONU, fez a célebre análise ao título do seu cargo e disse que um secretário-geral da ONU deveria ser mais "secretário" e menos "general". Como se vê neste papel, agora que vai no terceiro ano de mandato?
É preciso combinar as duas capacidades. Um secretário-geral das Nações Unidas não pode só falar de política ou idealismo. Tem que ser uma pessoa com as mãos na massa, que controla a gestão da máquina, os recursos humanos e as questões administrativas, porque a ONU tem que ser muito eficaz, responsável e transparente. Nesse sentido, um secretário-geral tem que ser um gestor muito eficaz e poderoso.
Mas há muitos desafios globais que precisam de mobilização e liderança política. Para isso, o secretário-geral tem que ser general, líder político.
Nenhum dos dois deve ter mais ênfase. Eu acumulo as duas coisas: tenho experiência de gestão e sou muito executivo, quer as pessoas gostem quer não, mas ao mesmo tempo tento discutir todos os desafios globais com os líderes mundiais.
Sente-se frustrado com a situação da justiça em Timor Leste?
Estou muito optimista em relação ao futuro de Timor Leste. Desde que se tornaram independentes em 2002, ganharam uma imensa maturidade política, democrática e de desenvolvimento económico. Claro que tem havido altos e baixos. A ONU tem desempenhado um papel muito importante e estamos muito agradecidos ao Governo de Portugal pelo seu forte envolvimento e apoio no país. E tive bons encontros aqui em Lisboa com o primeiro-ministro José Sócrates e o Presidente Cavaco Silva.
Nesses encontros pediu que Portugal enviasse mais mulheres-polícias para Timor. Porquê mulheres?
As mulheres são muito mais acessíveis à população, são melhor recebidas, em particular pelas próprias mulheres. Tivemos casos de grande sucesso na Libéria, por exemplo, onde contingentes só de mulheres indianas fizeram um grande trabalho. Essas mulheres-polícias tornaram-se parte da vida das comunidades. Queremos repetir esse modelo noutros lugares, como em Timor-Leste.
Portugal devia estar muito orgulhoso pelo trabalho que tem feito em Timor e nós temos uma grande esperança em relação ao desenvolvimento do país.