Braga discute o que fazer com a herança romana

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Foto: Luís Efigénio/nFactos

Cinco século de presença romana valem a Braga o epíteto de Roma portuguesa. A herança do Império está um pouco por toda a cidade, que tem tentado aprender o que fazer com ela. No final deste mês é inaugurado um novo centro comercial que vai integrar dois núcleos de achados arqueológicos, uma solução que tem vindo a ser adoptada por cada vez mais investidores. Mas os romanos ainda não são uma arma turística, e podiam ser, alertam os especialistas, que defendem uma maior articulação entre as instituições.

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Cinco século de presença romana valem a Braga o epíteto de Roma portuguesa. A herança do Império está um pouco por toda a cidade, que tem tentado aprender o que fazer com ela. No final deste mês é inaugurado um novo centro comercial que vai integrar dois núcleos de achados arqueológicos, uma solução que tem vindo a ser adoptada por cada vez mais investidores. Mas os romanos ainda não são uma arma turística, e podiam ser, alertam os especialistas, que defendem uma maior articulação entre as instituições.

Para captar visitantes, há sete anos, a autarquia criou a Braga Romana, uma feira de época que se realiza na Primavera e, no ano passado, lançou os guias móveis, um dispositivo informático que orienta os turistas pelas ruas da cidade, onde incluiu um roteiro romano por espaços emblemáticos como as Termas da Cividade ou a Fonte do Ídolo. O Barroco continua, porém, a ser o seu principal cartão-de-visita.

"Objectivamente, Braga não tem sabido aproveitar a presença romana", critica Luís Fontes, um dos responsáveis da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho (UAUM), uma espécie de guardiã da herança do Império na cidade. "Não é admissível que as visitas em alguns locais aconteçam apenas por marcação prévia. Um turista quer chegar, entrar e ver", sustenta. "Falta uma maior articulação entre as instituições", reitera o investigador.

Em Julho do ano passado, Luís Fontes foi um dos promotores da proposta de criação de um Parque Arqueológico no concelho que integrasse os principais sítios bracarenses associados à era romana, criando para isso uma estrutura de gestão partilhada que envolvesse a autarquia, a Universidade do Minho, a Igreja Católica e os dois principais museus da cidade, o Pio XII e o D. Diogo de Sousa.

À espera de verbas

A ideia mereceu o apoio do presidente da câmara, Mesquita Machado, que a incluiu no seu programa eleitoral, mas, quase um ano e meio volvidos, ainda não avançou. "Não vamos deixar cair o projecto", assegura fonte do gabinete do autarca. No entanto, o cenário de crise, que implicou um corte de 30 por cento dos investimentos municipais para o próximo ano, obrigou a um congelamento dos investimentos na arqueologia, incluindo a verba destinada à preservação da ínsula das Carvalheiras.

Mesmo em época de vacas magras, a câmara investe no património, garante o vice-presidente, Vítor Sousa. "Temos valorizado o passado de Bracara Augusta nos vários suportes de promoção turística, especialmente na Galiza, que é o nosso principal mercado", assegura o vereador. A cidade aderiu no ano passado à rede das cidades romanas do Arco Atlântico - que integra, entre outras, Saragoça, Sevilha e Lisboa - e deverá acolher, em 2011, o primeiro congresso dessa associação. Sinal "do relevo e importância" dada à herança romana, comenta Vítor Sousa.

O papel da Câmara de Braga na preservação da presença do Império de Roma na cidade estende-se também à reabilitação urbana. O gabinete municipal de arqueologia avalia todos os pedidos de licenciamento de obras no centro da cidade antes da equipa técnica do Urbanismo. Essa primeira apreciação permite antecipar problemas suscitados por eventuais achados. Mas esta não é uma ciência exacta e as sondagens prévias - que nesta zona são obrigatórias para todas as intervenções - às vezes trazem surpresas, como no caso da recuperação da antiga escola primária da Sé, transformada em sede de junta de freguesia há um ano. As obras permitiram identificar um edifício privado do século I, que manteve ocupação até ao século V, bem como restos dos alicerces da muralha medieval da cidade. Os vestígios foram preservados e podem agora ser visitados, criando um novo local de interesse em Braga.

João Carvalho também teve uma surpresa. O director do grupo Regojo, que no final do mês inaugura o centro comercial Liberdade Street Fashion, na principal avenida da cidade, pensava que as escavações no quarteirão do antigo edifício dos CTT, agora transformado em espaço comercial, "iam ser apenas um trabalho de levantamento". "Afinal tivemos que atrasar o projecto durante um ano", conta.

A responsabilidade foi dos arqueólogos da UAUM, que descobriram vestígios de um antiga necrópole (ver caixa) de tal forma raros que não havia outra solução que não a sua preservação in situ. "São dois sítios absolutamente únicos e fomos incapazes de desmontar aquele tipo de ruínas", explica o arqueólogo Luís Fontes.

Os dois núcleos detectados estão agora preservados, à espera de serem musealizados. O público vai, a partir de então, poder visitar um conjunto de sepulturas, onde se incluiu um caixão de chumbo, único em Portugal, com entrada pela fachada da Rua Gonçalo Sampaio, junto ao Theatro Circo. Na fachada oposta, na Rua do Raio, bem em frente ao santuário romano da Fonte do Ídolo, um outra entrada dá acesso ao outro núcleo, onde será mantido um edifício romano construído na época da fundação de Bracara Augusta.

Prejuízos inesperados

Apesar de perder dinheiro, a empresa responsável decidiu aceder à sugestão de musealização feita pela UAUM. "É um contributo que damos à cidade", afirma João Carvalho. "Depois daquilo que os arqueólogos nos explicaram que estava em causa, decidimos jogar o jogo", sublinha. No total, o "jogo" representou um prejuízo de três milhões de euros para o empreendimento, entre alterações ao projecto, trabalhos a mais e rendas perdidas, garante.

José Alberto Pereira não precisou de gastar tanto dinheiro para integrar parte de um muro romano e de um criptopórtico no espaço que será o bar do hotel de design Passeio do Burgo, na Rua D. Afonso Henriques. "Investimos cerca de 100 mil euros, mas pode ser um bom investimento", garante o gerente da Atrito, a empresa de engenharia que promove a construção daquela unidade hoteleira, com abertura prevista para o segundo semestre do próximo ano. "Estamos a desenvolver um hotel temático, que mistura o design e a cultura e presta homenagem às grandes figuras da história de Braga. Preservar os achados fazia todo o sentido", sublinha.

O investimento na integração de elementos históricos em espaços comerciais pode revelar-se uma mais-valia. Foi assim com as Frigideiras do Cantinho, o café que vende os famosos pastéis de carne e massa folhada "made in Braga", fundado no século XVIII. Quase tão famoso como o pastel é o seu piso transparente, em vidro reforçado, através do qual se pode observar parte de uma casa romana e do balneário privado que lhe pertencia. É assim desde 1997 e há clientes "que vêm de propósito para ver o sítio", garante o gerente Fernando Areia. "Não era esse o primeiro objectivo, mas foi bom para o negócio", sublinha.