Há hospitais públicos que ainda pagam 100 euros à hora a médicos "tarefeiros"

Vários hospitais públicos continuam a contratar médicos à tarefa por valores superiores a 60, 70 e até 80 euros por hora e, aos fins-de-semana e feriados, há casos em que chegam a pagar mais de 100 euros/hora às empresas de prestação de serviços que fornecem os clínicos.

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Vários hospitais públicos continuam a contratar médicos à tarefa por valores superiores a 60, 70 e até 80 euros por hora e, aos fins-de-semana e feriados, há casos em que chegam a pagar mais de 100 euros/hora às empresas de prestação de serviços que fornecem os clínicos.

É o que acontece, por exemplo, no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (Portimão e Lagos), onde os "bancos" (urgências) de pediatria e ginecologia/obstetrícia fornecidos pela empresa Sucesso 24 Horas custam entre 79 e 84,50 euros/hora, valores que, em "dias festivos", sobem para 105 euros.

"São os valores pedidos pelas empresas. O ideal era funcionarmos com recursos próprios, mas não temos alternativa. É a única forma de podermos manter as portas abertas", justifica João Pedro Quaresma, director clínico da unidade algarvia.

Os esforços da tutela para conter e disciplinar este mercado que, nos últimos anos, cresceu à rédea solta não surtiram efeito, como concluiu a auditoria do Tribunal de Contas (TC) ontem divulgada. O valor à hora médio pago entre 2007 e o primeiro semestre de 2009 foi sempre aumentando e a despesa ultrapassou os 100 milhões de euros só em 2008.

A ronda que o PÚBLICO fez pelos sites das unidades hospitalares permite perceber que o fenómeno da contratação externa continua de vento em popa. A tutela estabeleceu no final de 2008 valores máximos de referência a pagar aos especialistas (35 euros) e aos não-especialistas (27,5 euros). Mas, no conjunto de hospitais que divulgam dados na Internet, a disparidade de preços praticados é grande e com frequência ultrapassa estes limites. E não se trata apenas de um problema das unidades do interior ou da periferia das grandes cidades.

Na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, por exemplo, a tabela para os anestesiologistas é de 75,90 à hora, mas no fim de ano e no Natal chega aos 99,90 euros. No Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, os preços que o site exibe (de 2009) chegam aos 82 euros para anestesiologistas da empresa Morpheus, apesar de outra fornecedora, a Asa, cobrar 51,25 euros em dias de semana. A cerca de 50 quilómetros da capital, o Centro Hospitalar de Setúbal paga 64,68 euros aos anestesiologistas e 70 euros aos clínicos gerais na urgência de pediatria. A distância de Lisboa "torna mais difícil a contratação de recursos humanos", explica a unidade.

Alternativa: "fechar serviços"

Também as unidades alentejanas enfrentam grandes carências. O Hospital de Beja paga 75 euros a anestesiologistas. E uma empresa denominada Alegoria Fascinante cobra dois mil euros por mês para gerir a urgência (25 horas por semana). Problemas para recrutar pessoal tem igualmente o Centro Hospitalar Oeste Norte, que contrata ginecologistas/obstetras a 75 e a 85 euros. "Tentamos contratar aos melhores preços possíveis, mas temos que nos sujeitar", explica Carlos Sá, presidente do conselho de administração, sublinhando que a alternativa seria "fechar serviços".

Ontem, o presidente da Associação dos Administradores Hospitalares reagiu com veemência à auditoria do TC, considerando que a avaliação parte de uma "perspectiva economicista". Também o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) pôs em causa a conclusão dos auditores, que destacam que os contratos à tarefa até ficam mais baratos do que pagar horas extraordinárias a médicos do quadro, nalguns casos. "Isso são contas de mercearia", comenta Jorge Silva, do SIM. O TC não contabilizou as 12 horas de urgência que os médicos do quadro já são obrigados a fazer no seu horário normal, diz. Se o Governo abrisse vagas no quadro, isso "ficaria seguramente mais barato" do que contratar "tarefeiros", que, garante, "nem descontos fazem".