Afeganistão: Uma viagem com os soldados da América
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Vista dali, Cabul não é uma cidade feita de barro e atulhada de lixo. De homens de Kalashnikov em punho protegendo palacetes duvidosos, de checkpoints militares e de vultos femininos tapados por burqas. É uma cidade de cara lavada e olhares risonhos. Sentados no pátio de terra do liceu Habibia, centenas de rapazes dividem a atenção entre o palco improvisado e os visitantes estrangeiros. Nice to meet you, how are you?, arrisca um deles num inglês hesitante. Ao lado, os colegas riem e falam alto, outros tiram fotografias aos forasteiros com o telemóvel - o brinquedo mais desejado pelos adolescentes de todo o mundo e um dos negócios em maior crescimento no país.
Mas o Afeganistão (ainda) não é um país como os outros. Foi sangrado por 32 anos de guerra quase ininterrupta, duas invasões estrangeiras mediadas por um regime fanático e sanguinário. As cicatrizes são bem visíveis no seu rosto desfigurado - nos casebres que se empinam uns sobre os outros nos bairros de Cabul, refúgio dos que fugiram de um país ainda mais pobre e perigoso; na maior taxa de mortalidade infantil do mundo, nas centenas de milhares de amputados pelas minas terrestres espalhadas por campos e estradas, na iliteracia, na falta de tudo.
E este ainda é um tempo de guerra, sobretudo no Sul e Leste do país, mas por vezes também no Norte e mesmo aqui, em Cabul. Nove anos depois de George W. Bush ter enviado as suas forças para derrubar os taliban e capturar os líderes da Al-Qaeda, os rebeldes continuam a resistir. Tanto que a NATO, agora ao comando das operações, foi obrigada a rever a sua estratégia e mandar mais 30 mil soldados para o país, forçando uma ofensiva que fez de 2010 o ano mais sangrento desde a invasão.
Mas nesta manhã de sol, no liceu Habibia, o mais antigo de Cabul, não se ouvem disparos, nem se vêem escombros. À volta, só o enorme pátio, umas poucas árvores e as paredes brancas do edifício, que o restauro financiado pelo Governo indiano salvou da ruína em que a guerra civil o deixou.
O ruído da multidão dilui-se quando entra em palco Qaseem, a personagem principal da peça Mensageiros da Paz, o último projecto da companhia de teatro móvel Fanayee. Qaseem estuda, mas não gosta da escola, nem dos poucos tostões que o pai lhe dá para o almoço. É presa fácil para Qodos, figura sinistra que, a troco de dinheiro, o convence a vender droga e lhe sugere que desfigure a irmã com ácido para a impedir de ir à escola.
Na plateia, alheios à mensagem política, os jovens divertem-se com as peripécias, até que entra em cena o pai de Qaseem e, irado com os desvarios do filho, ameaça matá-lo. Um desfecho trágico que só a intervenção do mullah e de um professor evitam, convencendo o jovem a regressar à escola e a denunciar o malfeitor.
Mzakir, franzino nos seus 19 anos, aplaude entusiasmado. "É uma mensagem muito boa para o Afeganistão. Há muita gente a fazer coisas más. É tempo de acabar com isso."
Mais uma missão cumprida para Hashmat Fanayee, um dos mais conhecidos actores e realizadores do país, onde o teatro e o cinema foram proibidos durante o regime taliban. Para que os fundamentalistas nunca mais voltem, Fanayee anda agora de província em província com a sua companhia de teatro ambulante, encenando pequenos textos sobre a democracia, os direitos humanos ou a importância da educação. "Num país onde pouca gente sabe ler, o teatro é uma boa ideia para ensinar os mais jovens", explica o director, de longas barbas brancas de ancião e um sorriso enorme.
O filho Massoud é ainda mais entusiasta. Tinha seis anos quando subiu pela primeira vez ao palco. Hoje, é um dos 20 actores a tempo inteiro da companhia Fanayee. Garante que o projecto, apoiado por uma ONG americana, é uma ajuda preciosa na mudança de mentalidades. Conta que antes das legislativas de Setembro a companhia percorreu o país com uma peça sobre a importância das eleições. "Fomos a uma escola da província de Parwan [Nordeste] e o reitor agradeceu-nos muito. Disse-nos que ensinámos mais aos alunos em 30 minutos do que eles num ano inteiro", recorda orgulhoso Massoud, enquanto bebe chá com os convidados estrangeiros.
Garantir que o Governo de Cabul tem o apoio da população, em especial da enorme massa de jovens e desempregados, é uma das prioridades da estratégia desenhada em 2009 pelo general Stanley McChrystal, que comandou até Junho as forças internacionais. Para isso, Estados Unidos e aliados estão a desembolsar milhões de dólares por ano na reconstrução do país. A guerra contra os taliban, diz a nova doutrina da NATO, não tem uma solução militar, mas sobretudo política.
Mas enquanto no liceu Habibia se trabalha o futuro, mais a norte, no enorme recinto do hospital militar de Cabul, são as feridas do passado que se tentam curar. À entrada do centro de atendimento da Organização Ortopédica de Cabul (KOO), uma pequena vitrina mostra o inimigo - minas terrestres, de diferentes tamanhos e modelos, iguais a milhares de outras deixadas por sucessivos beligerantes. O Afeganistão é ainda hoje, 20 anos depois de começados os primeiros trabalhos de desminagem, um dos países com mais engenhos explosivos espalhados pelo seu território. A Cruz Vermelha calcula que todos os meses morram 40 afegãos vítimas destas explosões, quase metade dos quais são crianças.
Dentro do KOO, há homens e rapazes a quem as minas roubaram uma mão, uma perna, ou mesmo as duas. É o caso de Ayatollah, 22 anos e os projectos de vida estilhaçados por uma mina, no início deste ano. Perito em desminagem, estava a trabalhar para o Exército num campo nos arredores de Kandahar quando viu o chão explodir debaixo de si. "Agora já não posso fazer nada no Exército. Terei de ficar em casa", lamenta-se, enquanto vai treinando os primeiros passos com as novas pernas - próteses temporárias a que terá de habituar-se antes de receber as definitivas.
Os materiais de apoio são fabricados ali mesmo, em pequenos espaços contíguos à sala da fisioterapia: num deles um técnico monta a estrutura inicial do que será uma cadeira de rodas, noutra são moldadas as próteses - mãos, braços e pernas que substituirão as estilhaçadas pelas bombas. "Os técnicos, muitos deles também deficientes, são treinados aqui e as próteses dadas de graça aos doentes", explica a fisioterapeuta Fahima Khostani, vice-directora da KOO, hoje gerida exclusivamente por mulheres.
Criado em 1996 por Sandy Gall, o jornalista britânico que criou um fundo de apoio aos estropiados pela guerra, o centro recebe hoje centenas de soldados enviados pelo hospital militar, mas também cada vez mais civis, mutilados por explosões ou portadores de deficiências físicas. Homens e mulheres, em dias alternados, na segregação imposta pelo conservadorismo afegão. E, em Dezembro, abrirá portas ali ao lado uma nova unidade dedicada exclusivamente à reabilitação de civis.
Entre os primeiros utentes, estará Assibullah, que aos três meses é já visita habitual do KOO. Nascido com pé boto - deficiência comum num país onde os cuidados pré-natais são quase inexistentes -, foi operado aos primeiros dias de vida para corrigir a deformação e, depois do gesso, experimenta pela primeira vez as botas ortopédicas que terá de usar nos próximos anos. Deitado no chão, usa todo o ar que tem nos pulmões para mostrar o desconforto, que nem o carinho da mãe, muito jovem, sentada ao seu lado consegue calar. "Ele vai ficar bem", garante a doutora Khostani. Lá fora, Cabul, um polvo de barro em rápido crescimento, espera que a promessa se cumpra. Não só para Nassibullah, mas para todos os filhos do Afeganistão.
2. Vale de Panshir - um modelo para o AfeganistãoO guerreiro repousa lá em cima, com vista desafogada para o rio e as enormes montanhas áridas em redor. É como se fosse de novo o guardião do vale de Panshir, o reduto a norte de Cabul que o Exército soviético nunca conseguiu capturar. Nove vezes tentou tomá-lo, nove vezes foi repelido por Ahmed Shah Massoud e os seus homens.
As enormes carcaças espalhadas pelo vale, perdidas entre muros e hortas, agora recreio de crianças, testemunham a férrea resistência dos mujahedin. Dezenas (centenas?) de blindados e canhões enferrujam ao ritmo das estações, sem ninguém que os vá tirar dali, condenados a transformarem-se em atracções turísticas.
Oito deles foram levados para junto do túmulo de Massoud, um mausoléu todo em mármore e vidro erguido sobre uma colina rochosa com vista para Bazarak, a capital da província e berço do Leão de Panshir. O vale em frente, com o rio ladeado de pomares e hortas, assemelha-se ao mapa do Afeganistão e diz-se que Massoud subia até ali com os seus comandantes para planear as operações contra o Exército invasor.
"Massoud era um herói e esta é a nossa forma de lhe manifestar respeito", diz Karzad, engenheiro afegão que esteve do outro lado da barricada na guerra civil e hoje trabalha para a USAID, a agência para o desenvolvimento dos EUA que tem dezenas de projectos em curso na região. Tal como Massoud, Karzad é tajique, nascido da província de Ghor (Centro), mas na década de 1980 trabalhou para o Governo de Mohammad Najibullah: "Era um regime bom, não era comunista, queria trabalhar a bem do país, mas as pessoas não percebiam."
As tropas soviéticas partiram em 1989 e Massoud tomou a capital três anos depois, mas as lutas internas entre os mujahedin minaram o novo Governo, abrindo a porta aos taliban. Massoud regressou a Panshir e liderou dali a resistência aos fundamentalistas. Quando morreu - às mãos de um comando suicida da Al-Qaeda, dois dias antes dos atentados do 11 de Setembro de 2001 -, estava em dificuldades, mas continuava a resistir. Os "estudantes de Teologia" nunca conquistaram o vale e as forças de Massoud estiveram ao lado das tropas norte-americanas na rápida marcha sobre Cabul, no Outono desse ano.
"Aqui a coligação nunca teve de "conquistar" e "manter", passámos imediatamente para a construção", explica William Martin, director da Equipa de Reconstrução Provincial (PRT, as unidades que integram civis e militares, responsáveis pelos programas de desenvolvimento nas províncias afegãs).
O atalho na estratégia de contra-insurreição que a NATO testa no Afeganistão é visível a cada passo em Panshir. A base avançada Lion, sede da PRT e única presença militar estrangeira em todo o vale, tem um aparato de segurança muito inferior ao de outros aquartelamentos. Ali não há MRAP, os gigantes blindados resistentes a minas terrestres, nem os muros triplos que rodeiam os quartéis de Cabul. Na estrada, crianças e adultos acenam aos estrangeiros que passam. "A população aqui é amigável", garante um dos soldados do destacamento, prestes a terminar a missão e "a contar os dias para regressar a casa".
Mas, se há segurança, escasseia quase tudo o resto - estradas, electricidade, emprego... A sobrevivência depende da magra agricultura, que tira o que pode da estreita faixa de terra arável junto ao rio Panshir. A floresta que abundava quando os Exércitos de Alexandre, o Grande atravessaram a região foi dizimada pela seca e décadas de guerra. Dez escolas foram construídas desde 2005, mas faltam hospitais.
"Precisamos de tudo um pouco", diz Keramuddin Keram, instalado no seu impecável gabinete de governador, com vista para o vale. O responsável, ex-presidente da Federação Afegã de Futebol, foi nomeado pelo Presidente Hamid Karzai em Abril e a sua ambição é tornar Panshir "num modelo para as outras províncias do Afeganistão". Para que isso aconteça, conta com o cumprimento das promessas de ajuda americanas e com as esmeraldas escondidas nas montanhas. "Temos as melhores esmeraldas do mundo, mas extraímos poucas e todo o trabalho técnico é feito fora daqui. Se criarmos aqui instalações, as pessoas terão emprego e, ao verem as melhorias, vão apoiar mais o Governo."
Se há área em que Panshir leva vantagem, é no ensino. Ali, as meninas nunca foram proibidas de ir à escola e as professoras puderam continuar a dar aulas - Massoud, ao contrário dos taliban, reconhecia igual direito à instrução entre homens e mulheres.
A escola secundária de Anaba, um dos sete distritos da província, está entre as que nunca fecharam as portas. Situada ao cimo da pequena localidade, chega-se lá por um caminho de terra batida, onde cães tentam resgatar algo entre o lixo que se acumula nas bermas. Dentro dos muros, há um outro mundo: um pátio impecavelmente limpo, rodeado de árvores, as salas de aula com as suas grandes janelas viradas ao sol.
Dezenas de meninas, radiantes nos seus uniformes negros e lenços brancos, juntam-se para espreitar quem chega, no corrupio acelerado da infância. "Hello", exclamam ao perceberem que as mulheres que têm pela frente são estrangeiras. Num inglês enferrujado, Abdul, o reitor, convida as visitas a entrar nas salas de aulas onde três, e às vezes quatro, alunas ocupam bancos feitos para duas.
"Não temos muitas alunas desistentes", garante Nadera, directora da escola, a única secundária feminina do distrito, com mais de mil alunas entre os sete e os 18 anos. "Os pais querem que as meninas estudem e mesmo que fiquem noivas podem continuar a vir", acrescenta a responsável, rodeada por uma dúzia de outras professoras, todas muito jovens. A maioria estudou ali e foi a Cabul licenciar-se depois da queda dos taliban. De regresso ao vale, garantem que a sua profissão "é muito bem vista" na comunidade.
Mas muitas continuam a esconder-se debaixo das burqas azuis quando saem da escola. Panshir pode ter sido uma excepção durante o regime fundamentalista, mas continua a ser uma zona rural, muito conservadora, explica Elizabeth Smithwick, responsável local da USAID, que todas as semanas reserva umas horas para dar aulas de Inglês na escola. "As mulheres aqui são mantidas perto de casa. Há as que estudam e trabalham fora de casa, mas fazem-no com muito cuidado." Para elas, a longa túnica azul, que limita a visão a um pequeno rendilhado, é um escudo de protecção.
A USAID tem em marcha vários programas para melhorar as condições de vida das mulheres na província, incluindo um programa de rádio inteiramente produzido por uma equipa feminina. Será estreado em breve na rádio Khorasan, a emitir para cinco dos sete distritos. Mas Smithwick avisa que os progressos serão "demorados" - "temos de mostrar que tudo é feito com respeito pela cultura e a religião". E o esforço nem sempre é bem-sucedido, admite a norte-americana, lembrando o dia em que um mullah lhe garantiu que, "se tivesse de escolher entre a mulher e o cão, preferia o cão".
3. Kandahar - o pó de MalajatO aeroporto de Kandahar é um formigueiro imenso, com aviões, helicópteros, blindados e camiões em movimento permanente. Três helicópteros descolam de uma pista em direcção a leste, dois aviões A-10 de apoio a combate aterram na pista ao lado com o estrondo dos aviões a jacto. Na plataforma, há militares alinhados à espera de partir, civis que chegam em voos privados, aviões de carga que abrem as enormes bocarras para descarregar as pesadas entregas.
A meio da tarde, o ar escalda, sufocado pelo pó castanho do deserto e o fumo negro das fábricas de tijolo que salpicam a paisagem daqui até à cidade - a capital dos pashtun, o berço dos líderes afegãos, a mais importante frente na batalha contra os taliban. Aqui não há o bulício de Cabul, nem a calma de Panshir. O tempo é de guerra e o KAF (Kandahar Airfield, no acrónimo militar) é a sua antecâmara.
Nos últimos meses, a base foi inchando para acolher o reforço - de homens e equipamento - decidido por Barack Obama, no final do ano passado. O pequeno aeroporto que as forças internacionais conquistaram aos taliban em 2001 é agora a maior base aérea do Afeganistão e uma das mais movimentadas do mundo. Lá dentro cabe uma cidade e no emaranhado de armazéns e hangares há gruas num frenesim de novas construções.
A fortaleza vai conquistando espaço ao deserto, mas no deserto a ameaça mantém-se e são frequentes os ataques contra o perímetro da base. Dali em diante, o capacete e o colete à prova de bala são obrigatórios.
O Verão de 2010 foi difícil para os militares em Kandahar e na província vizinha de Helmand. Para cumprir a estratégia de McChrystal, brigadas de combate avançaram para sul, forçando a sua entrada em distritos controlados pelos taliban. Houve semanas com mais de 20 baixas, a maioria provocadas pelas IED, as bombas improvisadas que os rebeldes plantam nos pomares e caminhos das aldeias que deixam para trás. Bombas que matam por igual os civis afegãos, vítimas também de execuções e do fogo cruzado.
No final da "época de combates" e quando as montanhas começam a cobrir-se de neve, a coligação garante que o esforço trouxe resultados. "A situação melhorou drasticamente nos últimos 60 dias", diz Bill Harris, que foi durante o último ano o mais alto diplomata americano na região.
Desde o final de Agosto, com a força no seu máximo, militares e americanos tomaram dois dos mais importantes bastiões dos rebeldes: o vale de Arghandab, com o seu rio e terras férteis a oeste de Kandahar, e Malajat, subúrbio que "os taliban consideravam seu". "Nas cartas nocturnas, que enfiavam debaixo das portas para intimidar a população, uma das referências que faziam muitas vezes era "se não fizeres isto, levamos-te para Malajat"."
O diplomata não tem dúvidas de que os rebeldes, apesar de obrigados a recuar, continuam empenhados em atacar, mas conta satisfeito como no início do mês levou dois senadores norte-americanos àquele subúrbio. No regresso, a poeira que traziam na roupa e no calçado não passou despercebida ao mayor de Kandahar: "Disse-nos que os soviéticos estiveram dez anos aqui e nunca tiveram o pó de Malajat nas botas."
Pó é o que não falta em Kandahar. O chão de terra fina levanta-se a cada passo e explode debaixo das enormes rodas dos MRAP, os cavalos de Tróia do século XXI. Há-os às dezenas no campo Nathan Smith, paredes meias com a cidade que já foi de mullah Omar e é hoje controlada pela Brigada de Combate Raider (4.ª divisão de Infantaria do Exército americano). Gerida por canadianos (que lideram os programas de reconstrução) e americanos (responsáveis pela segurança), a base com os seus milhares de soldados é um corpo estranho na malha urbana da cidade.
Mas lá dentro, sob a protecção dos muros e vigias, é quase possível esquecer que há uma guerra ali ao lado. Há mesmo quem não acredite. "Se isto fosse uma guerra a sério, não estaríamos aqui a conversar, haveria rockets a cair aqui", diz um militar americano, noite avançada na zona de convívio. "Não estamos aqui para ganhar a guerra, já a ganhámos há muito tempo", acrescenta, "é só uma questão de saber quanto tempo queremos continuar aqui a ajudar os afegãos".
Opinião que o ancião de barbas vermelhas, encostado ao muro do edifício do governador distrital de Zhari não partilharia. Tal como o distrito vizinho de Panjwai, Zhari, a sudoeste de Kandahar, é ainda zona de combates. Num deles, os militares americanos destruíram muros e as vinhas deste habitante de Sangsar, "uma aldeia muito longe", que não quer dar o nome mas não esconde a revolta. "Já passaram 20 dias e não fizeram nada. Venho aqui e dizem-me para voltar noutro dia. Não sei o que fazer com eles", indigna-se, com o relatório do incidente na mão.
A porta do governador tarda em abrir-se e há quem desista de esperar. As forças americanas, estacionadas numa pequena base nas traseiras do edifício, vão continuar ali e prometem não diminuir a pressão durante o Inverno. E também ninguém acredita que os taliban recuem. Na noite anterior, voltaram a ouvir-se disparos. a
O PÚBLICO viajou a convite da embaixada americana e da missão dos EUA na NATO