A máquina falhou e os Hipnótica renasceram
Já nos tinham falado dos Zombies e dos Crosby, Stills & Nash, dos Animal Collective e dos Fleet Foxes. A entrevista versava sobre "Twelve-Wired Bird Of Paradise", o novo álbum dos Hipnótica, o quinto de uma carreira iniciada em 1994, e já passáramos pela necessidade contemporânea de regresso à essência das coisas, já atropeláramos a tecnologia (anteriormente tão decisiva, agora tratada como "bitch") e chegáramos ao momento que originou a transformação dos Hipnótica em banda de bucolismo e psicadelismo retro-futurista. "A máquina falhou", ri-se o teclista e guitarrista Bernard Sushi. A máquina falhou e, quando falhou, eles depararam-se com um novo mundo de possibilidades. Abria-se o caminho para "Twelve-Wired Bird Of Paradise", o primeiro álbum do resto da vida deles.
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Já nos tinham falado dos Zombies e dos Crosby, Stills & Nash, dos Animal Collective e dos Fleet Foxes. A entrevista versava sobre "Twelve-Wired Bird Of Paradise", o novo álbum dos Hipnótica, o quinto de uma carreira iniciada em 1994, e já passáramos pela necessidade contemporânea de regresso à essência das coisas, já atropeláramos a tecnologia (anteriormente tão decisiva, agora tratada como "bitch") e chegáramos ao momento que originou a transformação dos Hipnótica em banda de bucolismo e psicadelismo retro-futurista. "A máquina falhou", ri-se o teclista e guitarrista Bernard Sushi. A máquina falhou e, quando falhou, eles depararam-se com um novo mundo de possibilidades. Abria-se o caminho para "Twelve-Wired Bird Of Paradise", o primeiro álbum do resto da vida deles.
Mas o que aconteceu exactamente? Os Hipnótica preparavam-se para dar um concerto da digressão de "New Communities For Better Days", o penúltimo álbum, editado em 2007. No Musicbox, em Lisboa, afinavam os pormenores para levar a palco a música densa do disco, repleta de programações. De repente, "as máquinas pifaram e tivemos de dar um concerto à antiga", recorda Sushi. O contratempo rapidamente se transformou em libertação: "Acabou por ser um dos concertos que nos deu mais gozo. Redescobrimos o prazer desse lado orgânico. A máquina falhou e, no final, sentimos que foi o melhor que nos podia ter acontecido".
Depois de uma temporada numa casa no Alentejo rural, os Hipnótica surgem perante nós transfigurados. Eles que, ao longo da sua carreira, problematizaram a forma como a evolução tecnológica poderia transformar estéticas e comportamentos; eles cuja música parecia viver, alternadamente, entre os néons futuristas de "Blade Runner", numa imaginária sessão de poesia "beat" declamada entre o cimento urbano e exótico de Tóquio, ou em "jam session" de jazz transportada para a Alemanha que, na década de 70, viu nascer o chamado "kraut-rock", fartaram-se.
À catanada
Nem o mundo nem a "melomania inveterada" da banda, pegando na expressão do vocalista João Kyron, pediam que continuassem na mesma direcção. "Back to basics", resume Kyron. "Sentimos que anda no ar música que funciona como um antídoto para os tempos que vivemos. No contexto português, isso ainda se sente mais. Temos a população completamente divorciada do sistema político, fala-se na palavra começada por 'C' e cai logo uma nuvem cinzenta. Não vale a pena insistir nela, temos de seguir em frente e encontrar contrapontos". Alienação contra a crise? Nada disso. "Não existe um grande movimento contracultural, como nos anos 60 nos Estados Unidos e em Inglaterra, nem estamos próximos desse escapismo 'hippie' em que as drogas tiveram um papel preponderante".
O que eles ouviram em Fleet Foxes, Grizzly Bear, nos Vampire Weekend ou em Micachu & The Shapes, o que os levou a viajar até às fontes, "aos Zombies, Kinks, Beach Boys, aos Heron [banda folk inglesa da década de 70] que gravavam discos ao ar livre ou à música do Congo e do Mali ", diz João Kyron (mais os Simon & Garfunkel ou Crosby, Stills & Nash que Sushi achava "pindéricos há uns anos" e que agora adora) não foi escapismo, foi outra coisa. "Um desejo de celebração", uma procura de formas mais simples, essenciais. O passado, visto agora, foi isto que nos diz João Kyron: "A malta andou à procura de respostas na tecnologia, como tábua de salvação. Procurou-se comodidade e facilitismo no acesso à informação, mas a informação não traz nem sabedoria nem conforto. Quando descobriram isso, as pessoas viraram-se para a essência das coisas". De repente, os Hipnótica "não tinham vontade de vasculhar lixo tecnológico". Estavam "fartos": "Neste momento, a tecnologia é a nossa 'bitch'. Usamo-la nesse sentido: 'diz que o nosso disco saiu, promove o nosso trabalho, aproxima-nos das pessoas".
Pegando no imaginário do álbum, Kyron ilustra a metamorfose. "Foi como se atravessássemos mato cerrado e a abrir caminho com uma catana. De repente, chegámos a uma clareira com relva, com o sol brilhar sobre nós. Estamos nessa clareira, a desfrutar o momento". À catanada, João Kyron, Bernard Sushi, Sergue (baixo e sintetizadores), JP Daniel (guitarras e ukelele) e António Watts (bateria e percussões) depuraram as canções, procuraram refrões, harmonizaram vozes e pegaram em guitarras acústicas, preponderantes em todo o álbum. Depois, Wolfgang Schloegl, dos Sofa Surfers, que assumiu novamente as funções de produtor da banda, aplicou nova catanada - "e a catana austríaca corta bem", ri-se Kyron - até que o acústico, orgânico, ganhasse novas formas com os "delays, reverbs e loops" pesquisados em Viena.
O resultado é "Twelve-Wired Bird Of Paradise", uns Hipnótica que desconhecíamos. A culpa é da máquina. Ao falhar, originou a mais surpreendente refundação do ano discográfico português.