O excêntrico que precisa da fama para viver

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Maradona na apresentação do filme de Kusturica em Cannes Reuters

A primeira aparição de Maradona na televisão foi em 1971. Na altura, era um menino humilde nascido na periferia de Buenos Aires e que foi apresentado num popular programa de entretenimento como um "miúdo malabarista". A partir daí nunca mais parou. Num arco temporal de 40 anos, a vida deste argentino foi sempre pautada por excessos: descidas ao inferno com a droga (esteve às portas da morte); subidas ao céu com a conquista do Mundial 1986 e os jogos no Nápoles.

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A primeira aparição de Maradona na televisão foi em 1971. Na altura, era um menino humilde nascido na periferia de Buenos Aires e que foi apresentado num popular programa de entretenimento como um "miúdo malabarista". A partir daí nunca mais parou. Num arco temporal de 40 anos, a vida deste argentino foi sempre pautada por excessos: descidas ao inferno com a droga (esteve às portas da morte); subidas ao céu com a conquista do Mundial 1986 e os jogos no Nápoles.

Excessivo como o foi em Alvalade, naquela chuvosa noite de Setembro há 20 anos. Chegou com o título de campeão da UEFA mas já incompatibilizado com o Nápoles, que ainda assim levaria à conquista do campeonato italiano dessa época - este e o de 1987 foram os dois únicos ganhos na história do clube (a juntar ainda mais uma Taça de Itália em 1987 e uma Supertaça italiana em 1991): tudo no reinado de "Pelusa". No Sporting, houve quem se tivesse feito sócio para assistir ao jogo.

Um ídolo feito pela TV?

Carlos Xavier lembra-se bem do jogo, uma eliminatória que o Sporting acabaria por perder nas grandes penalidades após dois empates (0-0). O guarda-redes Ivkovic defenderia o primeiro de dois penáltis no duelo com Maradona e ganharia a primeira de duas apostas de 100 dólares, como o haveria de fazer no Mundial de 1990, em Itália, entre a Jugoslávia e a Argentina. No final o argentino foi à cabina com uma camisola e com o dinheiro para dar ao guarda-redes.

"Pedi-lhe a camisola quando veio a Alvalade, mas na altura ele era suplente (estava gordo e tinha barba) e jogava com a camisola 16. Eu fiquei com essa e foi o Carlos Manuel a ter a 10 [do jogador Massimo Mauro], mas hoje ninguém acredita que a minha é que é a de Maradona", conta Xavier, lembrando que na altura não havia nomes nas camisolas. Mais tarde, quando jogou em Espanha, na Real Sociedad, Xavier "vingou-se" e conseguiu a camisola 10 - o número que Maradona sempre usou, também no Sevilha.

Pelé fez 70 anos na semana passada, Maradona faz 50. Diz quem viu o brasileiro jogar que a comparação entre os dois só é possível porque na altura do jogador do Santos não havia televisão. E há de facto poucos registos dos grandes momentos da sua carreira (e poucos dos seus 1281 golos e dos 1363 jogos). Na eleição pela Internet para apurar o melhor jogador do século XX, os adeptos mais jovens não hesitaram e o argentino bateu em larga escala o "Rei", fazendo valer o estatuto de "deus". Nada abaixo disso, até tem uma Igreja (maradoniana) e o seus fiéis. Na Argentina, claro. E até o próprio se considera superior a Pelé.

Careca é brasileiro e jogou com Maradona em Itália. Colocado entre a amizade e história, opta pelo xis. "Pelé era mais completo, praticamente perfeito. Sabia rematar com o pé direito, esquerdo e cabecear. Maradona era fantástico, um artista de circo. O que ele fazia com uma perna era uma brincadeira. Ele não tinha perna direita e não sabia cabecear. Imaginem se ele tivesse tudo isso. São épocas diferentes, os dois são maravilhosos", contou ao Globo Esporte.

Ao contrário de Pelé, a fama do argentino rapidamente se espalhou graças à difusão das suas imagens (e dos 328 golos em 678 jogos da sua carreira) por todo o mundo - Maradona teve já direito inclusive à sua própria biografia sobre meios de comunicação, que abrange desde a estreia na TV, do menino que aos 11 anos sonhava com a conquista do Mundial até à bem sucedida carreira como apresentador.

Kusturica in love

Em Vivir en los Medios, o jornalista argentino Leandro Zanoni mostra o resultado de uma década de pesquisa sobre o que Maradona disse ou disseram sobre ele nos jornais, revistas, rádios, televisão, livros e filmes. Na obra, mais de 50 jornalistas analisam "El Pibe". É tido como "fenómeno mediático" e muitos lembram as "experiências próprias e brincadeiras" com o ex-jogador do Boca Juniors, do Barcelona e do Nápoles.

Esta cumplicidade chegou ao cinema pelas mãos e os olhos de um apaixonado: Emir Kusturica. Um documentário do realizador sérvio que foge ao convencional e é assumidamente passional e pessoal. Aqui está também retratado o Maradona dos excessos. Em 1997 abandonou a carreira no seu Boca Juniors. Depois, foi para Cuba para tratar a sua dependência da cocaína e, após ter estado à beira da morte, iniciou mais uma vez uma surpreendente recuperação. Baixou dos 120 para os 75 quilos, estreou-se como apresentador no programa La Noche del Diez. O programa bateu recordes de público na televisão argentina. Um dia disse que, se passeasse na rua e alguém não o reconhecesse, se mataria. Precisa de estar no activo. Tentou ser treinador e logo na selecção do seu país - foi ao Mundial da África do Sul, entrou em grande como sempre e saiu goleado pela Alemanha nos oitavos-de-final. Bateu com a porta e está agora no desemprego.

"Para mim, é impossível que Diego se vá apagando em vida e que passe despercebido nos meios de comunicação. Até a sua morte será mediática, e o paradoxo de sua vida talvez seja esse", filosofou Zanoni.