São mais os temas que os unem do que aqueles que os separam
O que faltou acertar: quem é afectado pelos limites nas deduções do IRS, qual a contribuição social das empresas e onde é que é possível cortar nas despesas.
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O que faltou acertar: quem é afectado pelos limites nas deduções do IRS, qual a contribuição social das empresas e onde é que é possível cortar nas despesas.
Deduções no IRS
Um dos pontos de discórdia prendeu-se com os limites às deduções fiscais, sobretudo com despesas em educação, saúde e habitação. O Governo apresentou uma proposta de OE em que apenas os dois primeiros escalões de IRS (até 7410 euros anuais) não eram atingidos pelos limites às deduções fiscais, ou seja, dois quintos dos 4,6 milhões de contribuintes de IRS. A poupança fiscal conseguida seria de 0,26 por cento do PIB em 2011 (450 milhões de euros).
Na negociação, o PSD, depois de recusar totalmente a medida, acabou por sugeriu que os limites afectassem apenas os dois últimos escalões de IRS (a partir de 66 mil euros anuais e tocando ao redor de 5 por cento dos contribuintes). Segundo fonte oficial do PSD, a medida implicava uma perda de poupança fiscal de 390 milhões face à proposta do Governo. O Governo aproximou-se do PSD e sugeriu alargar os não atingidos pelos limites até ao terceiro escalão de IRS (até 18.375 euros anuais). Não há números actualizados, mas as estatísticas de IRS de 2008 mostram que esse terceiro escalão representou cerca de 1,2 milhões de contribuintes. Teixeira dos Santos diz que é de um milhão e que o défice, face ao que está previsto no OE, aumentaria em 0,15 por cento do PIB, ou seja, algo próximo dos 260 milhões de euros.
Redução da taxa social única
Era uma proposta do PSD para compensar a subida do IVA até aos 23 por cento e em nome da competitividade das empresas, mas foi rejeitada pelo ministro das Finanças. Em causa estava a redução da contribuição pelas empresas para a Segurança Social de 23,75 para 23,50 por cento.
Para o PSD, era uma medida de "estímulo à competitividade e emprego, na linha das recomendações da OCDE" e que permitiria "incentivar o aumento da taxa potencial de crescimento económico". O ministro Teixeira dos Santos admitiu que até aceita o princípio, mas deixou claro que este não é o momento indicado para fazer este tipo de reduções. De acordo com o PSD, a medida não custaria sequer 100 milhões de euros aos cofres da Segurança Social.
A taxa social única é a contribuição para a Segurança Social exigida a empregadores e trabalhadores. As empresas são obrigadas a descontar 23,75 por cento, enquanto os trabalhadores pagam 11 por cento do seu salário bruto. Do lado dos defensores da medida, o argumento é que isso permitiria uma redução dos custos do trabalho, com consequentes melhorias da competitividade das empresas. No pólo oposto vingam os argumentos de que a redução da taxa poria em risco a já débil sustentabilidade da Segurança Social.
IVA nos alimentos
O PSD não conseguiu demover o Governo de aumentar o IVA para os 23 por cento. Mas o executivo parece ter cedido num ponto: afinal, o IVA do leite achocolatado, dos óleos alimentares e dos iogurtes líquidos não deve aumentar. Esta alteração, a ser aplicada, evita que as famílias portuguesas tenham, em média, um gasto extra de 26 euros por ano, segundo contas da empresa de estudos de mercado TNS.
Na proposta do OE para 2011, o Governo propunha mexer nas tabelas anexas ao Código do IVA, transferindo alguns produtos que beneficiavam da taxa reduzida do imposto (seis por cento) ou intermédia (13 por cento) para a nova taxa de 23 por cento. Era o caso dos leites achocolatados, aromatizados, vitaminados e enriquecidos, as bebidas e sobremesas lácteas, as conservas de moluscos, de carne, de frutos e de produtos hortícolas e até os óleos alimentares. Contudo, o executivo admitiu ontem não proceder a alterações "no que respeita ao cabaz de bens alimentares".
A TNS estima que, com este recuo, em vez de os gastos com produtos de grande consumo aumentarem 60 euros anualmente, subiriam 34 euros, reflectindo apenas o impacto do aumento do IVA de 21 para 23 por cento nos restantes bens.
Cortes na despesa
O PSD deu, no decorrer das negociações, várias sugestões de rubricas da despesa que sobem e onde poderia ser possível encontrar poupanças. Estão nestes casos as despesas com publicidade, combustíveis, locação de edifícios ou artigos honoríficos. A despesa mais global com "consumos intermédios", diz o PSD, poderia diminuir mais, com ganhos substanciais para o défice.
O Governo queixa-se que estas sugestões não chegam, que não basta dizer que se pode gastar menos, mas é preciso explicar como. Na sua proposta final, apresentou algumas medidas adicionais para compensar a quebra na receita que tinha aceite: poupança de 70 milhões com a aquisição de bens e serviços, redução de 100 milhões nas tranferências para outros subsectores, corte de 50 milhões no investimento, mais limites aos benefícios fiscais na ordem dos 85 milhões e mais 35 milhões de receita com a tributação automóvel. No total são 0,2 por cento do PIB.
TGV, aeroporto e PPP
Se o PSD pediu a suspensão de todas as grandes obras públicas e parcerias píblico-privadas, o Governo contrapôs com uma insistência na alta velocidade e no aeroporto, mas com diferenças. O projecto de alta velocidade irá ser revisto, para se reduzir à componente ferroviária - isto é, o concurso para a terceira travessia do Tejo que foi anulado recentemente será relançado apenas com um tabuleiro, o que, nos estudos iniciais da Rave permitiria uma poupança de 500 milhões de euros ao longo do tempo do investimento.
O novo aeroporto de Lisboa será lançado sem recurso a PPP, mas o Governo mantém a ideia de desenvolver o processo em modalidade de concessão, "a concretizar no âmbito de privatização da ANA, quando as condições de financiamento o permitirem". O Governo mantém também os projectos dos hospitais de Todos os Santos e do Algarve, que já estão em fase de concurso.
Contas de 2010
O Governo pediu números precisos sobre a execução orçamental de 2010, o Governo deu-os, revelando uma derrapagem das contas, para além dos submarinos, que ultrapassa tudo o que estava previsto e ascende aos 1800 milhões de euros. São 580 milhões relativos às contas da Estradas de Portugal, 500 milhões de aumento das despesas do Serviço Nacional de Saúde, 400 milhões de receitas fiscais previstas mas não arrecadadas e 260 milhões de euros de défice adicional nas autarquias e regiões autónomas. Juntando a estes números os 900 milhões de euros com a compra dos submarinos, é por isso que, mesmo com a entrada extraordinária de 2600 milhões de euros do fundo de pensões da PT, Portugal vai continuar a registar um défice de 7,3 por cento este ano.
Agência independente
O PSD conseguiu obter do Governo uma outra concessão: a criação de uma agência independente que monitorize não só as contas da administração pública, mas também do sector público empresarial. O Governo compromete-se a "submeter no curto prazo à Assembleia da República um projecto de revisão da Lei de Enquadramento Orçamental, o qual incluirá a criação do Conselho para a Sustentabilidade das Finanças Públicas". Esta nova entidade tinha já sido sugerida pelo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.
Dívidas do Estado
O PSD queria que o Governo reduzisse o prazo limite de pagamento às empresas pela administração pública a 60 dias e o Governo aceitou. Mas a verdade é que Portugal já vai ser obrigado a apertar fortemente o prazo de pagamento das facturas por entidades públicas ou empresas, que não pode ultrapassar 30 dias segundo uma directiva aprovada recentemente pelo Parlamentos Europeu. A directiva terá de ser transposta para a legislação nacional nos próximos dois anos.
J.R.A, R.M, A.R.F, L.P, P.M.M., I.S., S.A.