Bret Easton Ellis, o verdadeiro, só para vocês
A palavra que Bret Easton Ellis mais usou no primeiro dia que passou na Feira do Livro de Frankfurt foi "estranho". Pelo menos durante a meia hora em que esteve no auditório do ZEITmagazin, no pavilhão alemão, a ser entrevistado por Christoph Amend. "Estar aqui com esta gente toda a olhar para nós, no meio da feira, com as câmaras apontadas para nós, é muito estranho", disse.
O escritor norte-americano está a lançar o seu mais recente romance, Quartos Imperiais (ed. Teorema), que retoma as personagens do seu primeiro livro, Menos que Zero, na Alemanha. Chegou a Frankfurt vindo de Berlim, onde passou o fim-de-semana. "As digressões para promover livros são uma coisa muito estranha", continuou. "No início, de alguma maneira, sentimo-nos um homem muito forte. Temos na cabeça as respostas e sabemos quais foram os nossos objectivos. Depois, à medida que o tempo vai passando, sentimo-nos um bebé. Não sei explicar muito bem isto: vamos ficando cada vez mais fracos. A digressão força-nos a ser mais autênticos, a sermos mais reais, e a máscara que tínhamos no início das viagens para apresentarmos o livro e nos apresentarmos a nós mesmos cai e desaparece. As entrevistas mais recentes, comparadas com as que dei em Maio, são completamente diferentes."
Bret Easton Ellis tem uma voz de rapaz muito bem comportado e os óculos que está a usar também ajudam a criar essa imagem. Parece estar completamente à vontade a promover o seu livro, sorri para a plateia de fãs e no final, enquanto dá autógrafos, vai falando com os seus leitores. Está mais uma vez a interpretar um papel? Parece ser genuíno.
O que dizem dele no Google
Há uns meses, na altura em que o romance foi publicado nos Estados Unidos, disseram que o escritor norte-americano estava a fingir, a encarnar uma personagem para a promoção do seu livro. Os jornais contavam que os repórteres tocavam à campaínha da sua casa em Los Angeles, que ele abria a porta meio despido, sem sapatos, que ia ao frigorífico para lhes oferecer uma bebida e desaparecia no quarto de banho. Bret não compreende que digam que estava a fazer cenas. "Mas que cena?!", pergunta. "O entrevistador vai à minha casa e eu estou vestido com o que costumo usar - calças de ganga e T-shirt; também costumo andar descalço em casa -, ofereço-lhe uma Coca-Cola ou uma diet ou um café. Eles dizem sim ou não, depois vamos para o meu escritório, sento-me à minha secretária, eles na cadeira em frente e conversamos. É assim que se passam as coisas. Os artigos começaram a sair em Maio ou em Junho e houve uma jornalista que escreve para o Los Angeles Times que estava muito chateada por ter descoberto que eu tinha uma espécie de comportamento-padrão. Ela começou a dizer às pessoas que iam fazer entrevistas: "Não confiem no Bret, ele está a representar um papel, abre a porta sempre da mesma maneira, não usa sapatos, está de jeans, só vos oferece uma Coca-Cola ou diet, como se houvesse algum significado oculto nisto, não sei. O problema... Na verdade, o que aconteceu é que eu estava a tentar ser autêntico e ninguém acreditou nisso [risos]!"
O jornalista alemão que entrevistava Ellis aproveitou o momento para perguntar ao autor de Psicopata Americano e Glamorama se se lembrava dos anos 80 e citou o músico e pop star Falco, que disse uma vez que se nos lembramos do que se passou nos anos 80 é porque não os vivemos. "Para mim, os anos 90 foram mais loucos do que os anos 80. Os anos 80 que eu recordo, passei-os no liceu e na faculdade. A década de 90 é aquela de que me lembro melhor, mas percebo o que Falco quer dizer. Nos anos 80, toda a gente andava apaixonada pela cocaína e a desperdiçar dinheiro."
Já abandonou as drogas, falou disso há uns anos. "Sim, deixei de consumir drogas, mais ao menos..., há cerca de cinco anos. Mas nunca fui um drogado do tipo de precisar de entrar em recuperação. Para mim, foi sempre uma coisa social, era divertido, nunca perdi uma relação de amizade ou um trabalho por causa de drogas. Nunca interferiu com a minha saúde. Se tivesse sido mais tempo, talvez interferisse. Quanto mais velhos ficamos, mais aborrecido se torna. Não sei por que é que estou a contar isto. Na semana passada, em Berlim - que dia é hoje? Quarta... -, sábado à noite, em Berlim, foi mesmo... Mas foi a primeira vez desde há muito tempo."
É estranho pensar que Bret Easton Ellis se importa com a opinião dos outros. Na quarta-feira confessou em Frankfurt que vai ao Google ver o que andam a dizer sobre ele. "Vou ao Google procurar-me uma vez por dia. Se as pessoas vos dizem que não vão ao Google ver o que andam a dizer sobre elas, estão a mentir. Eu tenho um alerta no Google que me envia uma mensagem sempre que escrevem sobre mim na Internet. Não culpo as pessoas por causa do que elas escrevem sobre mim, mas interessa-me. As pessoas escrevem muitas coisas." Nos últimos tempos não encontrou assim nada que valesse a pena recordar sobre esse romancista famoso, um tal Bret Easton Ellis, mas tem consciência de que muitos escritores, jovens, espalhados pelo mundo, leram os seus livros e tentam imitar o seu estilo. "Não sei por que é que não o conseguem, não percebo, não é difícil." Como chegou ao seu estilo? Foi difícil encontrar a sua voz? "Não, eu tentei roubá-lo a outras pessoas. Tentei fazê-lo roubando-o a Hemingway, roubando-o a Raymond Carver, a Joan Didion, tentei roubá-lo a Don DeLillo. Tentei roubá-lo a Stephen King, a uma data de escritores. Só precisamos de dois ou três escritores que realmente admiramos para tentar roubá-los. Depois de nos apropriarmos da maneira como escrevem, a nossa voz como que emerge entre as deles e então temos o nosso estilo. É preciso praticar muito também."
Madonna não foi convidada
Quando se põe a contar o passado, o autor de Lunar Park e de As Regras da Atracção parece que está no divã do psicanalista. Na maior feira do livro do mundo, conta que a casa onde cresceu estava cheia de livros. Os seus pais sempre leram muito e ele foi leitor desde muito novo. Também por causa do ambiente que se vivia em sua casa, a relação entre os seus pais era difícil. "O meu pai era uma pessoa problemática, não era fácil viver com ele, de modo que desaparecer dentro de um livro era para mim uma coisa que eu gostava muito de fazer. Gostava tanto que comecei a escrever. Um dia li "O Sol Nasce Sempre (Fiesta)", de Hemingway, e tudo mudou. Percebi que queria escrever um romance. Decidi que seria sobre o incrível e interessante Verão dos meus 14 anos. E quando terminei esse romance percebi que tinha sido um Verão incrivelmente desinteressante. Pensei que da próxima vez iria tentar escrever alguma coisa completamente diferente. Por isso o projecto do Menos que Zero [que o lançou para a fama] começou quando eu tinha 16 anos. Sempre gostei de ler, por isso não me parecia algo completamente disparatado querer expressar-me através da escrita. O que me fazia sentir um extraterrestre é que mais ninguém estava a fazê-lo. Sentia-me, a esse nível, muito distante dos meus amigos de 16, 17 anos." Apesar de sair, de ir a festas, de se ter divertido enquanto era adolescente, tinha essa espécie de depressão vinda do sentimento de ser alguém que estava fora do baralho.
Aos 20 anos, em 1985, o seu primeiro romance tinha acabado de ser publicado e toda a gente olhava para ele e dizia que era doido, afundado no sucesso e sempre em festas. Andy Warhol foi a uma das suas festas à qual Madonna esteve para ir mas à última hora não foi. "Ela não foi convidada. [risos] Está a descrever o primeiro ano, quando ainda era divertido. E parecia uma boa ideia. Mas depois deixou de ser. É muito bom ter sucesso numa coisa que nos dá prazer fazer, mas ser muito conhecido não é assim tão bom. Torna-se um problema", afirma.
Para o escritor, o que se passou é que esta ideia de ser Bret Easton Ellis começou a crescer na consciência colectiva dos leitores e eles criaram uma ideia de quem ele era. "O que se passa é como se fosse a morte do eu (self). Foi isso que aconteceu. O Bret Ellis morreu e o Bret Easton Ellis tomou o lugar dele. E quando o Bret Easton Ellis se apresentava a alguém, havia uma série de associações que as pessoas faziam a esse nome. Por exemplo, se formos ver as mensagens do Twitter ou do Facebook, encontramos posts de pessoas que dizem como "Oh God, foi uma festa tão louca! Foi como se fosse uma festa saída de um romance do Bret Easton Ellis". O Bret Easton Ellis tem uma data de coisas associadas a ele, mas o verdadeiro Bret Ellis não se envolve com nada disto. O verdadeiro Bret Ellis enfia-se num escritório e fantasia sobre este mundo. A minha vida não se parece nada com o que se passa nos meus livros de ficção. Se isso acontecesse, eu não poderia ser um escritor. Não conseguiria escrever."
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A palavra que Bret Easton Ellis mais usou no primeiro dia que passou na Feira do Livro de Frankfurt foi "estranho". Pelo menos durante a meia hora em que esteve no auditório do ZEITmagazin, no pavilhão alemão, a ser entrevistado por Christoph Amend. "Estar aqui com esta gente toda a olhar para nós, no meio da feira, com as câmaras apontadas para nós, é muito estranho", disse.
O escritor norte-americano está a lançar o seu mais recente romance, Quartos Imperiais (ed. Teorema), que retoma as personagens do seu primeiro livro, Menos que Zero, na Alemanha. Chegou a Frankfurt vindo de Berlim, onde passou o fim-de-semana. "As digressões para promover livros são uma coisa muito estranha", continuou. "No início, de alguma maneira, sentimo-nos um homem muito forte. Temos na cabeça as respostas e sabemos quais foram os nossos objectivos. Depois, à medida que o tempo vai passando, sentimo-nos um bebé. Não sei explicar muito bem isto: vamos ficando cada vez mais fracos. A digressão força-nos a ser mais autênticos, a sermos mais reais, e a máscara que tínhamos no início das viagens para apresentarmos o livro e nos apresentarmos a nós mesmos cai e desaparece. As entrevistas mais recentes, comparadas com as que dei em Maio, são completamente diferentes."
Bret Easton Ellis tem uma voz de rapaz muito bem comportado e os óculos que está a usar também ajudam a criar essa imagem. Parece estar completamente à vontade a promover o seu livro, sorri para a plateia de fãs e no final, enquanto dá autógrafos, vai falando com os seus leitores. Está mais uma vez a interpretar um papel? Parece ser genuíno.
O que dizem dele no Google
Há uns meses, na altura em que o romance foi publicado nos Estados Unidos, disseram que o escritor norte-americano estava a fingir, a encarnar uma personagem para a promoção do seu livro. Os jornais contavam que os repórteres tocavam à campaínha da sua casa em Los Angeles, que ele abria a porta meio despido, sem sapatos, que ia ao frigorífico para lhes oferecer uma bebida e desaparecia no quarto de banho. Bret não compreende que digam que estava a fazer cenas. "Mas que cena?!", pergunta. "O entrevistador vai à minha casa e eu estou vestido com o que costumo usar - calças de ganga e T-shirt; também costumo andar descalço em casa -, ofereço-lhe uma Coca-Cola ou uma diet ou um café. Eles dizem sim ou não, depois vamos para o meu escritório, sento-me à minha secretária, eles na cadeira em frente e conversamos. É assim que se passam as coisas. Os artigos começaram a sair em Maio ou em Junho e houve uma jornalista que escreve para o Los Angeles Times que estava muito chateada por ter descoberto que eu tinha uma espécie de comportamento-padrão. Ela começou a dizer às pessoas que iam fazer entrevistas: "Não confiem no Bret, ele está a representar um papel, abre a porta sempre da mesma maneira, não usa sapatos, está de jeans, só vos oferece uma Coca-Cola ou diet, como se houvesse algum significado oculto nisto, não sei. O problema... Na verdade, o que aconteceu é que eu estava a tentar ser autêntico e ninguém acreditou nisso [risos]!"
O jornalista alemão que entrevistava Ellis aproveitou o momento para perguntar ao autor de Psicopata Americano e Glamorama se se lembrava dos anos 80 e citou o músico e pop star Falco, que disse uma vez que se nos lembramos do que se passou nos anos 80 é porque não os vivemos. "Para mim, os anos 90 foram mais loucos do que os anos 80. Os anos 80 que eu recordo, passei-os no liceu e na faculdade. A década de 90 é aquela de que me lembro melhor, mas percebo o que Falco quer dizer. Nos anos 80, toda a gente andava apaixonada pela cocaína e a desperdiçar dinheiro."
Já abandonou as drogas, falou disso há uns anos. "Sim, deixei de consumir drogas, mais ao menos..., há cerca de cinco anos. Mas nunca fui um drogado do tipo de precisar de entrar em recuperação. Para mim, foi sempre uma coisa social, era divertido, nunca perdi uma relação de amizade ou um trabalho por causa de drogas. Nunca interferiu com a minha saúde. Se tivesse sido mais tempo, talvez interferisse. Quanto mais velhos ficamos, mais aborrecido se torna. Não sei por que é que estou a contar isto. Na semana passada, em Berlim - que dia é hoje? Quarta... -, sábado à noite, em Berlim, foi mesmo... Mas foi a primeira vez desde há muito tempo."
É estranho pensar que Bret Easton Ellis se importa com a opinião dos outros. Na quarta-feira confessou em Frankfurt que vai ao Google ver o que andam a dizer sobre ele. "Vou ao Google procurar-me uma vez por dia. Se as pessoas vos dizem que não vão ao Google ver o que andam a dizer sobre elas, estão a mentir. Eu tenho um alerta no Google que me envia uma mensagem sempre que escrevem sobre mim na Internet. Não culpo as pessoas por causa do que elas escrevem sobre mim, mas interessa-me. As pessoas escrevem muitas coisas." Nos últimos tempos não encontrou assim nada que valesse a pena recordar sobre esse romancista famoso, um tal Bret Easton Ellis, mas tem consciência de que muitos escritores, jovens, espalhados pelo mundo, leram os seus livros e tentam imitar o seu estilo. "Não sei por que é que não o conseguem, não percebo, não é difícil." Como chegou ao seu estilo? Foi difícil encontrar a sua voz? "Não, eu tentei roubá-lo a outras pessoas. Tentei fazê-lo roubando-o a Hemingway, roubando-o a Raymond Carver, a Joan Didion, tentei roubá-lo a Don DeLillo. Tentei roubá-lo a Stephen King, a uma data de escritores. Só precisamos de dois ou três escritores que realmente admiramos para tentar roubá-los. Depois de nos apropriarmos da maneira como escrevem, a nossa voz como que emerge entre as deles e então temos o nosso estilo. É preciso praticar muito também."
Madonna não foi convidada
Quando se põe a contar o passado, o autor de Lunar Park e de As Regras da Atracção parece que está no divã do psicanalista. Na maior feira do livro do mundo, conta que a casa onde cresceu estava cheia de livros. Os seus pais sempre leram muito e ele foi leitor desde muito novo. Também por causa do ambiente que se vivia em sua casa, a relação entre os seus pais era difícil. "O meu pai era uma pessoa problemática, não era fácil viver com ele, de modo que desaparecer dentro de um livro era para mim uma coisa que eu gostava muito de fazer. Gostava tanto que comecei a escrever. Um dia li "O Sol Nasce Sempre (Fiesta)", de Hemingway, e tudo mudou. Percebi que queria escrever um romance. Decidi que seria sobre o incrível e interessante Verão dos meus 14 anos. E quando terminei esse romance percebi que tinha sido um Verão incrivelmente desinteressante. Pensei que da próxima vez iria tentar escrever alguma coisa completamente diferente. Por isso o projecto do Menos que Zero [que o lançou para a fama] começou quando eu tinha 16 anos. Sempre gostei de ler, por isso não me parecia algo completamente disparatado querer expressar-me através da escrita. O que me fazia sentir um extraterrestre é que mais ninguém estava a fazê-lo. Sentia-me, a esse nível, muito distante dos meus amigos de 16, 17 anos." Apesar de sair, de ir a festas, de se ter divertido enquanto era adolescente, tinha essa espécie de depressão vinda do sentimento de ser alguém que estava fora do baralho.
Aos 20 anos, em 1985, o seu primeiro romance tinha acabado de ser publicado e toda a gente olhava para ele e dizia que era doido, afundado no sucesso e sempre em festas. Andy Warhol foi a uma das suas festas à qual Madonna esteve para ir mas à última hora não foi. "Ela não foi convidada. [risos] Está a descrever o primeiro ano, quando ainda era divertido. E parecia uma boa ideia. Mas depois deixou de ser. É muito bom ter sucesso numa coisa que nos dá prazer fazer, mas ser muito conhecido não é assim tão bom. Torna-se um problema", afirma.
Para o escritor, o que se passou é que esta ideia de ser Bret Easton Ellis começou a crescer na consciência colectiva dos leitores e eles criaram uma ideia de quem ele era. "O que se passa é como se fosse a morte do eu (self). Foi isso que aconteceu. O Bret Ellis morreu e o Bret Easton Ellis tomou o lugar dele. E quando o Bret Easton Ellis se apresentava a alguém, havia uma série de associações que as pessoas faziam a esse nome. Por exemplo, se formos ver as mensagens do Twitter ou do Facebook, encontramos posts de pessoas que dizem como "Oh God, foi uma festa tão louca! Foi como se fosse uma festa saída de um romance do Bret Easton Ellis". O Bret Easton Ellis tem uma data de coisas associadas a ele, mas o verdadeiro Bret Ellis não se envolve com nada disto. O verdadeiro Bret Ellis enfia-se num escritório e fantasia sobre este mundo. A minha vida não se parece nada com o que se passa nos meus livros de ficção. Se isso acontecesse, eu não poderia ser um escritor. Não conseguiria escrever."