Bebé-proveta: experiência teve êxito em Portugal em 1986

O feito da equipa foi do médico António Pereira Coelho, da Unidade de Fertilização In Vitro do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e do laboratório de biologia molecular do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, onde se fez a parte laboratorial. A revista de "O Jornal" chamava-lhe "Um milagre com paredes de vidro", aludindo à criação de bebés em tubos de ensaio.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O feito da equipa foi do médico António Pereira Coelho, da Unidade de Fertilização In Vitro do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e do laboratório de biologia molecular do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, onde se fez a parte laboratorial. A revista de "O Jornal" chamava-lhe "Um milagre com paredes de vidro", aludindo à criação de bebés em tubos de ensaio.

Mas o título da notícia do "Expresso" não era o milagre em si, mas as "paredes de vidro", atacando as questões éticas: "Bebé-proveta faz nascer medicina-espectáculo em Portugal".

Esgotada a notícia desde o início da semana, o "Expresso" lançava o tom de crítica sobre este acontecimento, que fez toda a semana as primeiras páginas dos jornais. Acrescentava que a medicina-espectáculo não deixava de suscitar dúvidas, já para não falar nos problemas éticos do procedimento e outros problemas, como o das gravidezes múltiplas que poderia provocar e o das mães de aluguer.

A 26 de Fevereiro, o dia acordava com o bebé Carlos Miguel em todas as primeiras páginas dos jornais. Do "Diário de Notícias" ao "Diário de Lisboa" e ao então vespertino "A Capital". O "Diário Popular" chamava-lhe "o bebé de oiro". Numa reportagem de oito páginas, assinada por três fotojornalistas e seis jornalistas, entre os quais Ferreira Fernandes e Baptista-Bastos, aquele matutino dava todos os pormenores da chegada a Portugal do admirável mundo novo, como descreviam o acontecimento.

Numa ilustração, o "Diário Popular" descrevia ainda "as mil e uma maneiras de fazer bebés", desde a fertilização "in vitro" (FIV) ate às mães de aluguer, passando até pelo adultério como uma das maneiras de vencer a infertilidade.

Falaram com a avó Gertrudes, com a melhor amiga da mãe, Maria de Lurdes, e descreviam como o pai, Carlos Manuel Valente Saleiro, de 30 anos, cortador, e a mãe Alda Maria, de 28 anos, doméstica, voltariam dentro de poucos dias a casa, no bairro da Musgueira Sul, em Lisboa, com um milagre nos braços. Esperaram dez anos por ele. O tratamento, de cem mil escudos, foi pago pelo Estado.

Já tinham nascido no mundo 220 bebés-proveta, desde o nascimento de Louise Brown, em 1978. Mas Carlos Miguel era o primeiro bebé-proveta português, o que fazia de Pereira Coelho o "Doutor-Proveta", e que lhe dava direito a fotografia com a família, de página inteira, na revista de "O Jornal". Ninguém negava a emoção deste passo para a ciência portuguesa.

Quatro dias antes de Carlos Miguel ter nascido, o padre jesuíta Luís Archer — o introdutor da genética em Portugal e que era professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e investigador do laboratório de genética molecular do Instituto Gulbenkian de Ciência — falava de bebés-proveta, num artigo n'"O Jornal": "AFTV, praticada dentro do casal sem destruição de embriões excedentários, parece poder incluir-se na comunhão interpessoal em liberdade e amor. Nesse caso, a tecnologia é um prolongamento da vida sexual do casal. E haverá nova razão para louvar a Deus, que criou a inteligência do homem, e que, através da ciência, o fez participante da sua acção criadora." O milagre vencia as paredes de vidro?