Titaniczinho
Francisco Manso, realizador, entre outras coisas, de "O Testamento do Senhor Napomuceno" (1997), co-produção de contornos televisivos, e da série comemorativa "Almeida Garrett" (2000), tinha há longos anos o projecto de dramatizar o episódio do assalto ao paquete Santa Maria pelo capitão Henrique Galvão, em 1961, poucos meses antes da eclosão da Guerra Colonial em Angola. A atenção à História recente torna-se sempre bem vinda, até porque não abundam os contributos ficcionais para a sua correcta compreensão e problematização. Logo saudemos, por princípio, as boas intenções.Os problemas começam com a concepção e execução do filme, pela grandeza dos meios exigidos e pela necessidade de criar, sobre os dados factuais, um manto diáfano de fantasia: uma inventada história de amor entre uma passageira da alta sociedade, Ilda (Leonor Seixas, bonitinha, fotogénica, mas sem ponta de expressividade), filha de um coronel ligado ao regime salazarista, e um dos jovens invasores do barco, Zé Ramos, recrutado na Venezuela.
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Francisco Manso, realizador, entre outras coisas, de "O Testamento do Senhor Napomuceno" (1997), co-produção de contornos televisivos, e da série comemorativa "Almeida Garrett" (2000), tinha há longos anos o projecto de dramatizar o episódio do assalto ao paquete Santa Maria pelo capitão Henrique Galvão, em 1961, poucos meses antes da eclosão da Guerra Colonial em Angola. A atenção à História recente torna-se sempre bem vinda, até porque não abundam os contributos ficcionais para a sua correcta compreensão e problematização. Logo saudemos, por princípio, as boas intenções.Os problemas começam com a concepção e execução do filme, pela grandeza dos meios exigidos e pela necessidade de criar, sobre os dados factuais, um manto diáfano de fantasia: uma inventada história de amor entre uma passageira da alta sociedade, Ilda (Leonor Seixas, bonitinha, fotogénica, mas sem ponta de expressividade), filha de um coronel ligado ao regime salazarista, e um dos jovens invasores do barco, Zé Ramos, recrutado na Venezuela.
Esta tentativa de fazer um "Titaniczinho" possível e de inscrever interesses românticos na trama política, também cheia das melhores intenções, esbarra na fragilidade das personagens e no primarismo com o que o romance se desenvolve: tudo se inicia com o roubo da máquina fotográfica da família de Ilda por Zé e pela revelação de uma foto (uma espécie de contraponto ao retrato a carvão da jovem protagonista de "Titanic") que parece perpetuar os amores impossíveis, acabando com a morte sacrificial do amante em planos filmados à queima-roupa, com, pelo meio, um piquenique um pouco tosco e pudico na sala de jantar do navio. Ou seja, nada de mais esquemático e pouco excitante do que este jogo de coincidências forçadas e demagógicas.Por outro lado, com medo que nos escapem as implicações do golpe, a sua apresentação faz-se sempre de modo demonstrativo: desde os primeiros planos tirados de filmes de arquivo, com comentário explicativo a condizer, até à legenda final que, como está bem de ver, fala da "Revoluções dos Cravos". No entanto, a estrutura principal passa por um estranhíssimo "flash-back", indiciado por entrevista do protagonista, Henrique Galvão (um Carlos Paulo de forte presença, mas demasiado rígido), a um jornalista americano que, saberemos mais tarde, na viagem ao passado, saltara de paraquedas para dar uma visão imparcial do golpe, enquanto um arremedo de armada americana ameaçava o seu bom desfecho. Tudo simples, simpático, mas tão pobrezinho quer a nível fílmico, quer de reconstituição, que chega a confranger.
Quer isto dizer que se trata de um filme ofensivamente mau? Não, sobretudo porque o realizador não revela pretensões de maior: tão só contar a sua historinha e veicular a sua moralidade bem delineada - explicando tudo, mesmo tudo, e criando um telefilme que bem poderia passar em qualquer canal sem grandes engulhos.Mas a questão é essa: filme e telefilme passam por perspectivas diferentes. Faltam tensão, densidade, personagens credíveis; não basta o pequeno suspense das conversas com o almirante americano ou os encontros fortuitos dos jovens amantes para impedir a monotonia narrativa. Como já conhecemos todos o epílogo, tornava-se necessário algo mais, um pico dramático mais elaborado e exigente. Manso contenta-se com o anedótico, quando deveria aspirar, pelo menos, a algum fôlego épico. Dito isto, pelo meio do "déjà vu", há pormenores curiosos que, no entanto, não resgatam "O Assalto ao Santa Maria" da sua irremediável pequenez: a inscrição modesta, mas eficaz, da personagem de Humberto Delgado (André Gomes, em razoável rábula), a oposição, simplista embora, entre o anti-comunismo de Galvão e a cartilha ortodoxa dos comunistas espanhóis, a quererem rumar para Cuba e, sobretudo (ideia do realizador ou do argumentista?), a caução cinéfila, tão rápida que pede a máxima atenção, do grande melodrama transatlântico, "O Grande Amor da Minha Vida" (Leo McCarey, 1957), por via da inscrição no plano de um "lobby card" do filme, como se fizesse parte da programação do entretenimento durante a viagem. Só que falta precisamente melodrama e excesso ao romance de amor (é tudo morno e eminentemente previsível) e não chega a "citação" para lho conferir.
"O Assalto ao Santa Maria" não ofende ninguém, não é tão mau como as recentes ficções sobre Amália Rodrigues ou Salazar, mas apresenta-se como um telefilme desnecessário e paupérrimo, sem pretensões de maior, mas também sem história (em todos os sentidos do termo), nem grandeza.