Amor imperfeito
Depois de Christian Petzold ("Yella") e de Maria Speth ("Madonas"), mais uma cineasta da "nova escola de Berlim" chega ao circuito comercial português. "Todos os Outros" é a segunda longa-metragem de Maren Ade, realizadora nascida em 1976 em Karlsruhe, e quem viu os filmes de Petzold ou de Speth (ou de Angela Schanelec ou de Valeska Griesebach, cá mostrados em retrospectivas e festivais), aperceber-se-á de um certo ar de família: a mesma implacabilidade do quotidiano, que se pode ritualizar ou desgovernar mas sem nunca se "transfigurar". Ou o que vale por dizer, no caso de "Todos os Outros", que Maren Ade trabalha sobre uma espécie de banalidade (um casal em férias), por vezes mesmo vulgaridade (a cena do jantar com o outro casal, ainda mais banal e vulgar), que mais do que uma ideia de "realismo" persegue uma impressão de autenticidade (física, psicológica, relacional), exposta com um rigor exaustivo mas discreto - é reparar na profusão de pequenos gestos muito simples (as mãos dos actores, sobretudo), que "enchem" os muitos planos em que aparentemente "não se passa nada" (mas também é isso que faz de "Todos os Outros" um filme que é para "ser visto", não para "ser contado").
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Depois de Christian Petzold ("Yella") e de Maria Speth ("Madonas"), mais uma cineasta da "nova escola de Berlim" chega ao circuito comercial português. "Todos os Outros" é a segunda longa-metragem de Maren Ade, realizadora nascida em 1976 em Karlsruhe, e quem viu os filmes de Petzold ou de Speth (ou de Angela Schanelec ou de Valeska Griesebach, cá mostrados em retrospectivas e festivais), aperceber-se-á de um certo ar de família: a mesma implacabilidade do quotidiano, que se pode ritualizar ou desgovernar mas sem nunca se "transfigurar". Ou o que vale por dizer, no caso de "Todos os Outros", que Maren Ade trabalha sobre uma espécie de banalidade (um casal em férias), por vezes mesmo vulgaridade (a cena do jantar com o outro casal, ainda mais banal e vulgar), que mais do que uma ideia de "realismo" persegue uma impressão de autenticidade (física, psicológica, relacional), exposta com um rigor exaustivo mas discreto - é reparar na profusão de pequenos gestos muito simples (as mãos dos actores, sobretudo), que "enchem" os muitos planos em que aparentemente "não se passa nada" (mas também é isso que faz de "Todos os Outros" um filme que é para "ser visto", não para "ser contado").
Empatia nenhuma, por todas estas razões e mais algumas, e até a luz do Mediterrâneo (é na Sardenha que o casal passa férias) aparece em contratipo, singularmente arrefecida e quase "cruel". O rapaz e a rapariga ainda não se conhecem bem, e por isso também ainda não se entendem bem, há hesitações, mal entendidos, gestos e frases em falso. Maren Ade filma a intimidade e o desconforto, certamente, mas acima disso filma a "imperfeição" - que, com o tempo, é o que traz algum "heroísmo" às personagens, pela tenacidade com que lhe resistem. Não há empatia (não se busca "identificação"), mas há uma proximidade na relação de Ade com as personagens que se vai resolvendo ao longo do filme, como se também ela resistisse tenazmente à imperfeição deles, não desistisse de gostar deles.
E há um "ponto de vista" que adensa um pouco as coisas: é muito mais o olhar da rapariga sobre o rapaz (na noite em que fica sozinha a câmara fica com ela, não vai com o rapaz) do que dele sobre ela, são duas mulheres (Maren Ade e a personagem) a olharem a "masculinidade" (que o rapaz, que pode ser bastante idiota, directamente evoca logo num dos primeiros diálogos). Quando, na cena final e parcialmente inexplicada (referência ao "milagre" do final da "Viagem a Itália"?), o rapaz lhe pede que "olhe para ele", o ponto de vista feminino de "Todos os Outros" emerge com extraordinária delicadeza - porque é ao contrário, é ele que está, pela primeira vez, a olhar realmente para ela. Maren Ade corta logo a seguir, o filme está ganho e, suspeitamos, um casal também.
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