Clubes têm cada vez menos referências nos plantéis
Na última década, baixou para menos de metade a média de atletas com cinco ou mais épocas ao serviço do mesmo clube na Liga portuguesa
Em dez épocas, o número médio de jogadores da Liga que representam o mesmo emblema durante cinco ou mais temporadas seguidas baixou para menos de metade (de 2,7 para 1,3). São os efeitos da célebre Lei Bosman, aprovada em 1995, que passou a permitir aos jogadores da União Europeia mudar de clube no final do contrato sem terem de pagar uma compensação por isso. Mas também do interesse económico dos clubes, que encontram nas transferências uma das suas principais fontes de receita.
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Em dez épocas, o número médio de jogadores da Liga que representam o mesmo emblema durante cinco ou mais temporadas seguidas baixou para menos de metade (de 2,7 para 1,3). São os efeitos da célebre Lei Bosman, aprovada em 1995, que passou a permitir aos jogadores da União Europeia mudar de clube no final do contrato sem terem de pagar uma compensação por isso. Mas também do interesse económico dos clubes, que encontram nas transferências uma das suas principais fontes de receita.
"Os jogadores deixaram quase de ter tempo de se adaptarem bem aos clubes, à cidade, e esta situação dificulta a identificação dos adeptos com o clube e, no limite, diminui o rendimento da equipa", explica o especialista em psicologia desportiva Jorge Silvério, para quem muitas vezes esta volatilidade se torna negativa para a carreira do atleta, devido às constantes adaptações a que está sujeito. Os treinadores, em sua opinião, também acabam por ter a vida complicada. "Os técnicos têm uma instabilidade maior, porque está a deixar de existir quem passe a quem chega os valores do clube", frisa.
O agora treinador da Académica, Jorge Costa, que durante anos protagonizou, juntamente com Vítor Baía, a célebre transmissão da mística do FC Porto, considera que é importantíssimo que cada emblema mantenha durante várias épocas um grupo de jogadores com capacidade para realizar essa tarefa. "É fundamental que existam alguns jogadores com paixão pelo clube que sejam uma referência, que transmitam esse gosto a quem chega. Uma das minhas funções era ajudar a integrar os jogadores", conta o antigo internacional português. Jorge Costa sente na pele o facto de não ter um único atleta com esse historial na Académica. "Quando existe um jogador que serve de referência, o treinador tem a vida mais facilitada, porque tem alguém que dá a conhecer o clube ao plantel", refere.
De capitão para capitãoToni, que durante anos foi uma referência do Benfica como jogador e que, como treinador, conseguiu levar a equipa à conquista do título nacional, partilha de alguma forma o ponto de vista de Jorge Costa. "Manter referências dentro do clube é muito importante para a estabilidade. O Benfica teve isso durante épocas, em que os valores iam passando de uns capitães para outros, do Simões para o Humberto Coelho ou para mim, que depois passámos a outros. Isso garante uma boa parte do sucesso de uma equipa", refere, sem esconder que, quando um técnico perde as referências da equipa, toda a estrutura treme.
"A estabilidade é muito importante. Com isto é muito mais fácil a equipa vencer. Caso contrário, o treinador tem de repetir todo um processo de ensinamento que não seria necessário", conta o antigo médio. Mas Toni vai mais longe e considera que a actual rotação de jogadores é um martírio para os técnicos. A título de exemplo, refere o que se passa actualmente no Benfica, que deixou de ser a mesma equipa a partir do momento em que saíram duas pedras fundamentais como eram Di María e Ramires.
"Por mais que se tente nunca mais será a mesma coisa", assegura, adiantando que quem tem ganho nos últimos anos são os jogadores, que recebem mais dinheiro e têm outra liberdade. Mas também os clubes que podem fazer transferências milionárias. Só que, em termos desportivos, segundo Toni, quem lucra são os grandes emblemas com capacidade financeira. "O Barcelona realiza épocas fantásticas, mas tem cinco ou seis jogadores que ficam lá anos a fio porque ninguém tem capacidade financeira para os ir buscar. Toda aquela estrutura roda à volta de jogadores como Puyol, Xavi, Iniesta, Messi, Valdés e ainda muitos outros futebolistas formados nas escolas do clube. Eles ajudam à integração das estrelas que vão chegando. Só assim é que é possível ter aquela máquina", remata o técnico.
Mas há também quem entenda que esta é uma evolução natural do mercado de trabalho à qual o futebol não pode fugir. O director desportivo Carlos Freitas, que ajudou a construir o Sporting campeão e está na génese do actual sucesso do Sp. Braga, é um dos defensores desta teoria. "Há uma maior procura de melhores contratos de trabalho e a necessidade por parte dos jogadores de fazerem carreira mais rapidamente, daí não permanecerem como antigamente nos mesmos emblemas", explica.
"Perde-se em identidade, mas ganha-se em termos financeiros, em volume de transações e os clubes têm de estar preparados para estas contingências", explica, salientando que actualmente a informação circula a uma velocidade tal que é possível conhecer as qualidades de qualquer jogador e quando termina o seu contrato. "Tem de existir uma atenção maior para compensar com boas contratações a saída de atletas que eram um marco no clube", remata.