Segundo dia de tumultos em Maputo com menos violência e sem pão

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Grant Lee Neuenburg/Reuters

“Hoje só foi noticiada a morte de um jovem que terá sido perseguido pela polícia na zona do Malola Rio. Foi para dentro de água a fugir, as pessoas ouviram seis tiros e ele foi alvejado. Depois deixaram lá o corpo”, disse ao PÚBLICO por telefone Ciro Pereira, moçambicano, animador cultural que trabalha no Instituto Camões em Maputo.

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“Hoje só foi noticiada a morte de um jovem que terá sido perseguido pela polícia na zona do Malola Rio. Foi para dentro de água a fugir, as pessoas ouviram seis tiros e ele foi alvejado. Depois deixaram lá o corpo”, disse ao PÚBLICO por telefone Ciro Pereira, moçambicano, animador cultural que trabalha no Instituto Camões em Maputo.

Os tumultos “causaram duras perdas humanas e materiais, incluindo seis mortos [quarta-feira] e um hojehoje e 288 feridos”, disse à imprensa o porta-voz do Governo, Alberto Nkutumula. Várias fontes garantem, no entanto, que a violência da véspera fez dez mortos, incluindo duas crianças.

Aumentos vão manter-se

Reunido de emergência durante três horas, o Conselho de Ministros limitou-se a apelar a “todos os cidadãos para se absterem de participar em motins, actos de vandalismo, pilhagem e violência, a fim de permitir um regresso rápido à normalidade e à calma”. Na véspera, 23 lojas foram pilhadas, dois vagões de comboio e 12 autocarros foram vandalizados, incluindo um totalmente destruído.

O Presidente, Armando Guebuza, disse pouco mais, apelando “à calma” e pedindo aos moçambicanos para manterem “a vigilância” e avisarem as autoridades para qualquer manifestação de violência. Lamentou também a “perda de vidas”. “Os actos de vandalismo são um retrocesso para a sociedade moçambicana, bem como para a estrutura do país.”

Esta intervenção, ainda na quarta-feira à noite, não convenceu as dezenas de milhares de moçambicanos que saíram à rua nos bairros e municípios da periferia de Maputo, levando o seu protesto até bem dentro da capital. Mas o Governo insiste que a subida dos preços “é irreversível”, mesmo quando isso significa que o pão ficará 25 por cento mais caro.

Lojas fechadas

A violência terá sido hoje menor do que na véspera, mas os habitantes de Maputo continuaram sem ir trabalhar, ao mesmo tempo que da periferia ninguém conseguia chegar ao centro.

Emanuel Gomes da Silva, moçambicano gerente de um supermercado, foi uma das poucas excepções. Mora no centro e foi trabalhar, abrindo o supermercado Woolworths na zona da Coop, perto de uma das saídas da cidade. A aposta do patrão não podia ter sido mais recompensada: “Está tudo fechado, mas nós tivemos ordens do dono da empresa para abrir. Vieram trabalhar 40 por cento dos funcionários. Os que vivem mais perto vieram a pé, os que vivem fora não conseguiram sair de casa. Nunca tivemos um dia tão cheio. Tem sido uma procura louca... Está tudo esgotado. Principalmente pão, leite, arroz, farinha, vendemos tudo. Somos os únicos abertos e as pessoas estão com medo de que isto continue”.

À hora a que o PÚBLICO telefonou a Emanuel Gomes da Silva, pelas 16h00 em Maputo, o supermercado estava mesmo a fechar. “Vamos fechar agora porque o pessoal tem de ir para casa. Há gente que mora longe e temos de ir todos a pé”, explicou. Hoje, houve gente a percorrer a pé quilómetros em Maputo. Os transportes públicos não funcionaram – nem um só “chapa”, os miniautocarros de nove lugares que levam 20 pessoas – e poucas pessoas se atreveram a conduzir as suas viaturas pessoais.

Ciro Pereira não caminhou quilómetros mas andou pela cidade a pé. Podia tê-lo feito de carro, mas optou por caminhar. “Não havia transportes e eram muito poucos os carros na rua”, disse. O que não havia na sua zona, a Costa do Sol, era pão.

“Quando uma situação destas está a decorrer o que acontece é que as instituições fecham porque não têm funcionários. As lojas, mesmo algumas que estiveram fechadas logo na quarta-feira, foram saqueadas. Os comerciantes têm esta dúvida: por um lado, deviam abrir porque faziam imenso negócio, mas, por outro, têm medo dos saques. Aqui na zona nem pão havia. A maior parte das padarias está fechada. As que estão abertas têm filas imensas e só há padarias abertas mesmo no centro. O pão não chegou aos subúrbios. Aqui abriu o Café Estoril e mais um cafezinho pequeno. De resto, todos os restaurantes e mercearias estão encerrados”, descreveu Ciro Pereira.

Este português acredita que os protestos vão diminuir aos poucos até se calarem. Para já, ainda circulam SMS encorajando as pessoas a continuarem uma greve geral que se pretende que dure três dias. Segundo o porta-voz do Governo, Alberto Nkutumula, até hoje as manifestações e a violência policial com que foram enfrentadas já custaram à economia do país 122 milhões de meticais (2,6 milhões de euros).

“Realmente o que vai acontecer é que isto vai abrandar. As próprias pessoas também se cansam. Isto começa a virar-se contra elas. Não há pão, as lojas não abrem. E começa a haver discussões mesmo dentro de cada família. Isto ligado ao facto de a FACIM [maior feira internacional de negócios de Moçambique] ter estado encerrada estes dois dias, é um prejuízo enorme para o país, para a imagem do país mesmo, para além das perdas reais”, disse Ciro Pereira.

Os protestos desta semana são vistos como uma sequela dos motins de Fevereiro de 2008 – quando seis pessoas foram mortas pela polícia na sequência de manifestações contra o aumento de vários bens, como os bilhetes dos “chapas” e o combustível.

Metical perde valor

Segundo explicou um empresário local ao PÚBLICO, um dos problemas que têm afectado a economia e a população é a desvalorização da moeda, o metical. Desde o início do ano que o metical tem vindo a perder força face ao dólar e ao rand, a moeda da África do Sul (país de onde vem a maior parte das importações moçambicanas, que pouco produz localmente).

Agora, o dólar vale 36,3 meticais e o rand 5,04 meticais, o que representa uma quebra da moeda moçambicana de 32,7 e de 34,4 por cento, respectivamente, face ao final de 2009. Assim, os produtos tornam-se mais caros, sem que tenha havido uma alteração dos salários, provocando uma perda do poder de compra, que se torna muito mais sensível quando a alta de preços atinge produtos essenciais. Actualmente, o salário mínimo é de cerca de 2500 meticais (perto de 53 euros).

“Isto foi uma grande imprudência do Governo”, confirmou Ciro Pereira. “Aumentar o arroz, a água, a energia eléctrica e o pão ao mesmo tempo… É uma grande imprudência”. Com Luís Villalobos