Imagens para Al Berto
Em 1985, Al Berto publicou um livro, "A Secreta Vida das Imagens", onde reunia um conjunto de artistas cuja obra o tocara e sobre os quais escrevia. Duas décadas depois, um desses artistas, Pedro Cabrita Reis, juntou-se ao crítico e curador João Pinharanda para imaginar uma exposição que continuasse a selecção feita pelo poeta. O resultado está em Sines, terra natal de Al Berto, nos dois espaços que a cidade destina às artes plásticas: o Centro Cultural Emmerico Nunes (CCEN) e o Centro de Artes de Sines (CAS).
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Em 1985, Al Berto publicou um livro, "A Secreta Vida das Imagens", onde reunia um conjunto de artistas cuja obra o tocara e sobre os quais escrevia. Duas décadas depois, um desses artistas, Pedro Cabrita Reis, juntou-se ao crítico e curador João Pinharanda para imaginar uma exposição que continuasse a selecção feita pelo poeta. O resultado está em Sines, terra natal de Al Berto, nos dois espaços que a cidade destina às artes plásticas: o Centro Cultural Emmerico Nunes (CCEN) e o Centro de Artes de Sines (CAS).
A possibilidade de utilizar ambas as instituições, que têm vivido isoladamente desde há alguns anos, revelou-se feliz. De facto, se o CCEN possui a experiência e o gosto apurado que lhe advém de uma longuíssima prática de organização de eventos desta natureza (em alguns dos quais o próprio Al Berto colaborou enquanto viveu), o CAS dispõe de áreas maiores, embora os espaços que estão aí reservados às pontuais exposições se caracterizem pela interferência de diversos elementos, decorativos ou estruturais, que dificultam qualquer montagem e a consequente valorização das obras a expor. João Pinharanda soube contornar estes problemas, realizando uma boa exposição que se visita com gosto e surpresa.
A selecção juntou primeiro um grupo de artistas relativamente jovens, definido por critérios de amizade, pertença geracional ou afinidade de trabalho, que não estão incluídos no livro de Al Berto: Edgar Massul, Nuno Cera, Pedro Dinis Reis, Fernando Mesquita, João Ferro Martins, Rodrigo Tavarela Peixoto, Sara Santos, Vasco Costa, Rodrigo Oliveira. A estes juntou-se o grupo dos mais velhos, que podem ou não ter tido contacto com a obra ou a pessoa de Al Berto: o próprio Cabrita Reis, mas também Ana Vieira, Ana Jotta, Julião Sarmento, Rui Sanches, Pedro Calapez, Carlos Nogueira, Rui Chafes, António Correira, Rosa Carvalho, Manuel Rosa, Ilda David, José Pedro Croft e Pedro Casqueiro. Destes, pretendeu-se que enviassem obras relativamente recentes, que pudessem estabelecer um nexo entre o afecto do poeta na década de 80 e a presença de trabalhos feitos por jovens. O conceito da exposição pode articular-se assim em torno deste tipo de redes afectivas, em vez da relação estabelecida entre palavra escrita e imagem.
É que esta relação é difícil de definir, sobretudo se tivermos em atenção que as artes plásticas, em vez da compreensão intelectual, destacam o sentido da visão, destaque que - com algumas interrupções no século passado, é certo - se manteve nos últimos 500 anos. Contudo, a poesia de Al Berto é também, numa certa melancolia muito portuguesa, uma poesia que fala dos sentidos e mesmo, com frequência, do desregramento desses sentidos. A visão está omnipresente na sua obra, por exemplo nas evocações de Sines que reencontramos nas lindíssimas fotografias com imagens sobrepostas de Nuno Cera, também natural desta cidade. Ou na sobreimpressão de Pedro Reis, feita exactamente sobre um exemplar de "O Medo".
Contudo, a maior parte dos artistas preferiu manter as suas propostas de trabalho próprias, o que enriquece ainda mais a exposição. Ferro Martins realizou mesmo uma performance no dia da inauguração, de que apenas resta a parafernália de elementos de gravação, de instrumentos e de microfones que ocupa um dos cantos de uma das salas do CAS.
Citando apenas algumas obras, de Cabrita Reis há três excelentes esculturas, todas do ano corrente, das quais uma, instalada no átrio da mesma instituição, evoca os elementos constitutivos da arquitectura dos seus autores: o vidro, o metal, a tinta esmalte e a luz fluorescente, omitindo a pedra, sempre omnipresente neste edifício. Rui Chafes também é autor de uma outra excelente peça, um conjunto de bancos em ferro pintado, de tampa rasgada, intitulado "A história da minha alma"; Rodrigo Oliveira, de uma série sobre o surto urbanístico de Vila Nova de Santo André durante a década de 70; de Carlos Nogueira, há uma escultura com jogos de vidros, reflexos e opacidades; Ana Vieira, agora no CCEN, participa com uma pequena instalação, uma mesa de jantar sobre a qual corre um comboio eléctrico em cenário de palmeiras: um salto poético entre a imaginação e a realidade. E finalmente deve-se mencionar a pequena sala do piso superior do CAS. Aqui, encontramos uma outra escultura de Cabrita Reis, uma série de gravuras de José Pedro Croft que desenvolvem o tema da cor e do seu limite físico, e finalmente uma inscrição feita directamente na parede, de Edgar Massul, rasurada depois com terra de Sines. A peça chama-se "A clandestine meeting between two losers, Sines version", mas o poema inscrito, de Al Berto, permanece para sempre em segredo.