Freeport: Um dos grandes enigmas por resolver é a troca dos arquitectos
Uma semana depois do chumbo da segunda avaliação do impacto ambiental do Freeport, a 6 de Dezembro de 2001, tudo estava decidido: o gabinete de arquitectos Promontório, que trabalhava há ano e meio no projecto, era dispensado e o trabalho era entregue ao atelier do arquitecto Capinha Lopes, que nessa altura participava, graciosamente, na montagem das campanhas eleitorais socialistas em Alcochete e noutros concelhos da margem sul.
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Uma semana depois do chumbo da segunda avaliação do impacto ambiental do Freeport, a 6 de Dezembro de 2001, tudo estava decidido: o gabinete de arquitectos Promontório, que trabalhava há ano e meio no projecto, era dispensado e o trabalho era entregue ao atelier do arquitecto Capinha Lopes, que nessa altura participava, graciosamente, na montagem das campanhas eleitorais socialistas em Alcochete e noutros concelhos da margem sul.
Como foi tomada essa decisão, que deixou estupefactos os altos quadros da Freeport e o gabinete de arquitectos inglês Benoy - principal parceiro da empresa nessa área -, é qualquer coisa que os investigadores não conseguiram apurar, tanto mais que a investigação foi encerrada por decisão hierárquica antes de ser concluída.
Mas o que ressalta das declarações prestadas, tanto aos investigadores ingleses como portugueses, por testemunhas como Rik Dattani, gestor do projecto de Alcochete, Nickolas Lamb, director da Benoy, Peter George, consultor da Freeport, ou Jonhatan Rawnsley, director executivo do Freeport, mas também de documentos juntos aos autos, é que a troca do Promontório por Capinha Lopes foi motivada pela alegada proximidade deste com o Ministério do Ambiente e com o então ministro José Sócrates.
Há quem fale também na sua relação pessoal com José Inocêncio, o socialista que apoiou e que ganhou a Câmara de Alcochete em 16 de Dezembro de 2001, mas o próprio Inocêncio afirmou que não teve qualquer papel nessa escolha. Além disso, há um e-mail em que Charles Smith, a 13 de Dezembro, antes das eleições, já falava a Rawnsley em Capinha Lopes, dizendo que ele "está muito próximo do ministro do Ambiente".
A surpresa das testemunhas inglesas assenta, fundamentalmente, em três ordens de razões: o Promontório era um reputado gabinete de arquitectura, enquanto Capinha Lopes não tinha qualquer currículo naquele tipo de trabalho; o projecto estava feito e só havia necessidade de fazer pequenas alterações para o adaptar às exigências da declaração do impacto ambiental; e Capinha Lopes ia receber, para fazer esses acertos, entre o dobro e três vezes mais do que estava contratado com o Promontório.
Nas palavras de Peter George, "as pessoas não estavam tão convencidas de que ele [Capinha Lopes] conseguiria realmente desenhar uma escada que fosse do rés-do-chão ao primeiro andar satisfatoriamente". Já Nickolas Lamb afirmou que o Promontório "é uma empresa com reputação e historial de sucesso ao nível do retalho e Capinha Lopes não tem nada disso". Rik Datanni foi mais longe. "Aconselhei à Freeport, que eles estão habituados a construir infra-estruturas de antenas de telemóvel. Não têm qualquer experiência em projectos desta natureza, completamente zero de experiência. E o Promontório é uma empresa de muito bom nome. Fizeram um trabalho fantástico."
Nickolas Lamb afirma que perguntou mesmo por que é que contrataram o gabinete de Capinha. A resposta obtida foi a de que eles conseguiam fazer passar o projecto em quatro a seis semanas, enquanto à Benoy havia sido dito que eram precisos mais quatro a seis meses. "E o estudo de impacto ambiental (EIA) foi novamente apresentado em Janeiro e tanto quanto me recordo foi aprovado em Março."
Os testemunhos coincidem na ideia de que as boas relações de Capinha com os responsáveis pela viabilização ambiental do projecto foram o elemento determinante da sua escolha. Onde as versões divergem é na forma como surgiu o seu nome. Uns falam em recomendações dos responsáveis ambientais, através de Charles Smith, outros nas de Inocêncio (que este nega), outros ainda na indicação dos responsáveis do Ministério do Ambiente, incluindo o ministro.
Nicholas Lamb declarou, em Agosto de 2009, que Rawnsley lhe disse que, numa reunião entre ele e Sean Collidge (o presidente da Freeport que nunca foi ouvido nos autos) com Sócrates, lhes foi passado "um pedaço de papel com um nome escrito e um número de telefone e lhes disseram: "Contactem este tipo." Era uma empresa chamada Capinha Lopes." Interrogado sobre se sabia quem tinha dado o nome, respondeu: "O ministro. Como me foi dito pelo Jonhatan Rawnsley eles passaram ou o cartão de visita, ou um pedaço de papel, ou algo com o nome de Capinha Lopes e o número de telefone." Ouvido em Abril deste ano em Londres, Rawnsley afirmou que só tinha tido uma reunião com Sócrates, mas com oito ou nove pessoas, além de outras com o seu chefe de gabinete, Filipe Baptista. E que "eles disseram: "Ok, o que precisávamos era descobrir alguns consultores novos e também novos arquitectos."" Quando lhe perguntaram se Sócrates afirmara que gostava que eles trabalhassem com estas e aquelas pessoas, adiantou: "Pode tê-lo feito através..." E ficou por aí. Mais adiante, com a insistência da polícia, acabou por recuar: "Não mencionou arquitecto. Na verdade não disse nada desse estilo."
Quanto a Rik Datanni, afirmou que se recordava do nome da Capinha lhe ter sido "ditado" e de ter vindo de "uma reunião com alguém ou do ministério, ou com alguém a um nível muito superior", realizada logo que a administração da Freeport soube que tinha havido um pedido de suborno de dois milhões de libras antes do chumbo do EIA. Na opinião de Dattani, depois dessa reunião "tudo se virou de pernas para o ar. O Promontório saiu, Capinha Lopes entrou, toda a equipa que estivera envolvida estava de saída (...) Para mim o projecto acabou aí."
Interrogado na qualidade de arguido, Eduardo Armando Capinha Lopes declarou que o seu gabinete foi escolhido após consulta a várias empresas (versão refutada por Rawnsley) e que "não tinha qualquer relação com José Sócrates". Capinha negou também que se dedicasse a actividades relacionadas com as antenas de telemóveis, dizendo que quem o fazia era um irmão. Sobre uma nota de Rawnsley manuscrita numa folha timbrada do seu atelier, relativa a uma reunião aí efectuada, em que se lê, em inglês, "Sucesso mais depende de quanto pagarmos ao partido", Capinha comentou: "Não assisti a qualquer conversa sobre financiamentos partidários." Rawnsley, por seu lado, não soube explicar o que escreveu.