A cada um o seu Sudoeste

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Os Portishead não foram uma festa, foram como um concerto numa sala pequena.

Sudoeste, 2002
"A primeira memória é quase morrer afogado"

A primeira memória que me vem à cabeça, e talvez a mais importante, é a de quase morrer afogado no canal que chamarei canal do Montez, visto ter sido o organizador do festival que me salvou. Isto terá sido em 2002 e não esqueci. Eu sei nadar, mas não reparei numa corrente que me estava a arrastar e, como sabemos, há uma certa vergonha em pedir ajuda nessas situações de aflição. Principalmente quando aquele a quem se tem que pedir ajuda é nosso patrão, como era o Luis Montez na altura. Portanto, foi graças ao braço amigo dele que posso estar aqui hoje a dar este depoimento.
Nesse festival gostei muito do concerto dos Chemical Brothers e dos Black Rebel Motorcycle Club. Gosto assumidamente de rock, que é o meu som, e os Black Rebel Motorcycle Club foram uma destilação de rock fora do normal. Ainda gosto deles, mas na altura ainda não eram muito conhecidos e estavam mesmo "on fire".
Quanto aos Chemical Brothers, senti que ia ser uma noite especial desde o momento em que entraram em palco. Criaram logo uma empatia muito grande com o público. Acho que, nesse concerto, 70 por cento das pessoas estavam embriagadas. Eu não, mas toda a gente à minha volta estava e, à medida que o concerto avançava, quase nos sentíamos obrigados a beber e a festejar tudo aquilo. Também me lembro do mítico concerto dos Portishead [em 1998], mas não estava lá. Estava a ouvir pela rádio e a pensar como tinha sido pateta por não ter ido.
Não sou muito de campismo e tenda, nunca tive o velho sonho de ter a bela autocaravana e viajar com uma finlandesa pela Europa, por isso não me posso queixar das minhas experiências no Sudoeste. Visto estar sempre a trabalhar, ficava bem alojado, tomava banho e era bem alimentado. Fora as vezes que estive lá em trabalho, nunca fiquei os três dias. Será como este ano. Ainda não sei se vou. Se for, irei um dia, conforme a minha disponibilidade. Até porque tenho lá um recanto secreto. Há lá uma quintinha que só algumas pessoas conhecem. O Pedro Rolo Duarte, o Miguel Esteves Cardoso... Costumo ir até lá. Mas é secreta. Não tentem descobri-la. Não convém que se saiba que existe para não estragar tudo.
Fernando Alvim, radialista e apresentador de televisão

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Sudoeste, 2002
"A primeira memória é quase morrer afogado"

A primeira memória que me vem à cabeça, e talvez a mais importante, é a de quase morrer afogado no canal que chamarei canal do Montez, visto ter sido o organizador do festival que me salvou. Isto terá sido em 2002 e não esqueci. Eu sei nadar, mas não reparei numa corrente que me estava a arrastar e, como sabemos, há uma certa vergonha em pedir ajuda nessas situações de aflição. Principalmente quando aquele a quem se tem que pedir ajuda é nosso patrão, como era o Luis Montez na altura. Portanto, foi graças ao braço amigo dele que posso estar aqui hoje a dar este depoimento.
Nesse festival gostei muito do concerto dos Chemical Brothers e dos Black Rebel Motorcycle Club. Gosto assumidamente de rock, que é o meu som, e os Black Rebel Motorcycle Club foram uma destilação de rock fora do normal. Ainda gosto deles, mas na altura ainda não eram muito conhecidos e estavam mesmo "on fire".
Quanto aos Chemical Brothers, senti que ia ser uma noite especial desde o momento em que entraram em palco. Criaram logo uma empatia muito grande com o público. Acho que, nesse concerto, 70 por cento das pessoas estavam embriagadas. Eu não, mas toda a gente à minha volta estava e, à medida que o concerto avançava, quase nos sentíamos obrigados a beber e a festejar tudo aquilo. Também me lembro do mítico concerto dos Portishead [em 1998], mas não estava lá. Estava a ouvir pela rádio e a pensar como tinha sido pateta por não ter ido.
Não sou muito de campismo e tenda, nunca tive o velho sonho de ter a bela autocaravana e viajar com uma finlandesa pela Europa, por isso não me posso queixar das minhas experiências no Sudoeste. Visto estar sempre a trabalhar, ficava bem alojado, tomava banho e era bem alimentado. Fora as vezes que estive lá em trabalho, nunca fiquei os três dias. Será como este ano. Ainda não sei se vou. Se for, irei um dia, conforme a minha disponibilidade. Até porque tenho lá um recanto secreto. Há lá uma quintinha que só algumas pessoas conhecem. O Pedro Rolo Duarte, o Miguel Esteves Cardoso... Costumo ir até lá. Mas é secreta. Não tentem descobri-la. Não convém que se saiba que existe para não estragar tudo.
Fernando Alvim, radialista e apresentador de televisão

Sudoeste, 2006
"Os Franz Ferdinand estavam felicíssimos, a nadar no mar de cuecas"

Fui a todos os Sudoeste, quase sempre em trabalho. Ao primeiro não. Esse foi o meu primeiro festival a dormir fora de casa e, claro foi óptimo. Ia à praia, apanhava umas bebedeiras com os amigos... Foi o festival de Marylin Manson e Suede. Gostei de chegar a um festival onde podia ouvir rock, mas que também tinha uma tenda de música de dança. Isso era uma novidade na altura. Via concertos e ouvia DJ.
Os primeiros anos em que fui ao Sudoeste em trabalho foram super divertidos. Ir a festivais era o ponto alto da minha carreira. Estava a trabalhar, mas sempre em festa. E era uma promotora que raptava os artistas, que gostava de os levar a passear. Depois aconteciam coisas como com os 2 Many DJs, numa das vezes que lá tocaram. Levei-os a jantar e, no regresso, estava uma fila fora do normal àquela hora. Eles iam entrar à 1h e eu ia tendo dezoito AVC enquanto estávamos presos no trânsito, com medo de não chegar a tempo. Noutro ano, levei os Franz Ferdinand a passar a tarde na praia do Carvalhal. Eles estavam felicíssimos, todos branquelas e a nadar no mar de cuecas. Quando fomos jantar, recomendei-lhes uma série de coisas. Arroz de marisco, amêijoas, sapateira... O Alex [Kapranos] ia morrendo mesmo antes de entrar em palco. Nem costuma comer antes dos concertos e estava com uma indigestão. Foi outro pânico. Mas acabou por ser um óptimo concerto, o primeiro deles cá [em 2004].
Adorei ver os Sonic Youth [em 1998], com aqueles solos de guitarra permanentes e aquela atitude punk, "estamos num festival, metade das pessoas não nos conhece, toma lá!''. Muita gente não gostou do concerto, eu adorei. Acho que foi mesmo de propósito. Também adorei ver os Daft Punk [2006]. Pensei que ia morrer sem os ver, mas vi-os. Foi uma coisa...
Portanto, vi muitas bandas óptimas à custa do Sudoeste, mas agora, com a roda gigante, com o McDonalds, com aqueles barracos que põem lá com as pessoas aos guinchinhos, com toda a gente pintada com as cores dos patrocinadores, parece demasiado uma Feira Popular.
Alexandra Sumares, promotora de imprensa

Sudoeste, 1998
"Vi a PJ Harvey ao lado da Beth Gibbons, e os Portishead em cima do palco"

Quando penso no Sudoeste, é inevitável recuar à actuação dos Silence 4 em 1998. Entrámos no festival para fazer a primeira parte do palco principal, durante o dia. Nessa tarde, fomos informados de que, por questões relacionadas com o voo dos Portishead, teríamos de ser os últimos a tocar. Isso modificou tudo. Estávamos muito bem a abrir o palco, mas encerrálo... A banda tinha começado há pouco tempo e, de repente, tinha de seguir PJ Harvey e Portishead. Para nós não fazia sentido, e chegámos a pensar em não tocar, mas a oportunidade de actuar num grande festival, naquela posição, acabou por ser mais forte. Estive a ver o concerto da PJ Harvey ao lado da Beth Gibbons. Vi o concerto inteiro dos Portishead em cima do palco. Foi certamente um dos momentos mais marcantes da história do Sudoeste. Os festivais estão muito ligados a música rock, porque é Verão e porque os festivais são uma festa. Os Portishead não foram uma festa, foram como um concerto numa sala pequena, mas para todos aqueles milhares de pessoas. Foi brutalíssimo, um som incrível, muito acima da média.
Para mim, acabou por ser uma noite muito divertida. Mostrou-me um bocado da surpresa que ainda teria nesse ano [com o crescendo de popularidade dos Silence 4]. Em 2005, a recepção aos Humanos não me surpreendeu da mesma forma, porque sentia na rua o empenho das pessoas. Mas foi uma confirmação extraordinária. Recordo sempre o momento em que o Camané entra em palco para cantar o "Maria Albertina". Para mim, foi também especial por outras razões. Como não cantava sempre, passei dois terços do espectáculo a tocar, a ver os outros músicos e a apreciar aquela multidão. Nunca tinha sido possível antes, porque estou sempre à frente, e adorei a sensação.
A única vez que estive no Sudoeste enquanto público foi em 1999. Estava a regressar de um concerto no Algarve e, depois, como não tinha forma de sair de lá, acabei por voltar de boleia com a "entourage" dos Gift. Se não me engano, vi os James e os Gift, que nessa noite tocaram no palco principal. Este ano gostava de ver os Massive Attack, mas não sei se vou ter tempo...
David Fonseca, músico

Sudoeste, 1998
"Depois daqueles dias, quase valia a pena trazer a poeira para Lisboa"

Eu e o [António] Sérgio fomos frequentes da primeira edição até 2005. É um festival que ganhou um carisma enorme. Há ali uma mística que ultrapassa o som das bandas. Nas primeiras edições, o cuidado que se teve com a e scolha das bandas tornou-o um festival internacional. Glastonbury não tem a ruralidade do Sudoeste, mas também tem a lama. Lembro-me dos primeiros anos, do p ó e da lama que se colava aos calções. Mas, depois d aqueles dias, quase valia a pena trazer a poeira para Lisboa. No Sudoeste pudemos ir assistindo ao crescimento de várias bandas. Basta ver o luxo dos primeiros cartazes. PJ Harvey, Portishead, o Marilyn Manson a chegar com aura toda de anticristo. Agora nota-se que o cartaz é mais frágil, mas vi lá concertos fabulosos.
O Sudoeste de 1999 foi muito bonito. Foi o ano da grande chuvada e o palco ficou praticamente destruído. Foi o ano d os Massive Attack, que são sempre uma banda de referência , de Jon Spencer Blues Explosion e dos Chemical Brothers, do "20 Anos 20 Bandas" dos Xutos. A minha maior desilusão foi ir ao Sudoeste de propósito para ver os Love. O Sérgio queria muito vê-los, não podia perdê-los, e estivemos lá no "soundcheck" e tudo, mas ele [Arthur Lee] não estava [o concerto acabou por acontecer, mas assegurado p ela banda suporte do fundador].
A cena mais cómica aconteceu em 1998. Os Sonic Youth tocavam nesse ano e o Sérgio fez uma sessão DJ. Normalmente deixava-me fazer uma perninha, quando ia fumar um cigarro ou buscar uma cerveja. E, quando foi buscar um cigarro, abordaram-no porque achavam que ele estava a p artilhar o set com a Kim Gordon. Passado um bocado, já havia muita gente a pensar o mesmo. O Sérgio estava a adorar a situação: estava a passar discos com a Kim Gordon.
São muitas m emórias. Os momentos de angústia quando o Virgul [vocalista dos Da Weasel] partiu a perna ao dar um salto mortal [2000], o grande concerto dos Black Rebel Motorcycle Club [2002] ou o concerto empolgante dos Primal Scream [2003]. E claro, também o óptimo concerto de Rustyman com a Beth Gibbons, nesse mesmo ano.
Ana Cristina Ferrão, radialista

Sudoeste, 2000
"Andava-se por aquela cidade provisória de sombras antes de descobrir a tenda"

Já estive nas tendas e já comi algum daquele pó, com todas as atribulações que isso i mplica, como a eterna procura da tenda à noite. Acabava por ser uma oportunidade para conhecer outras pessoas, porque a ndava-se bastante por aquela cidade provisória de sombras e vultos antes de a descobrir. Tirando a passagem do Marylin Manson [1997], que não vi, nunca foi um festival que tivesse as minhas b andas, m as lembro-me que nesse ano [2000] em que o vivi de forma mais intensa, com acampamento e tudo, houve uma banda que me surpreendeu, os Bush. Era um pop-rock que piscava o olho ao grunge e tinha uma certa intensidade que me tocou. Nesta edição tenho muita vontade de ver os Flaming Lips. Nunca colocaram de parte a sua origem mais transgressora.
Talvez por ser um dos maiores festivais de Verão em Portugal, o Sudoeste acaba por ser um rito de passagem, de entrada na idade adulta. Na última vez que lá estive [ 2007], lembro-me de terem tocado os Buraka Som Sistema e de ter sentido que já estava um bocado velho. Nesse sentido, já m e diz menos. Se é ritual de passagem, eu já p assei. Nunca escrevi durante o tempo que lá estive, mas parece-me que se encontra sempre assunto. Já escrevi dois textos sobre o Sudoeste. Um deles foi publicado unicamente no Jornal de Letras, uma crónica com o título " Lava-me Porco", e outro que acompanhou um livro de fotografias de Rita Carmo ["Altas Luzes"; Assírio & Alvim, 2003].
Uma coisa interessante é que estes festivais são lugares onde encontramos Portugal. Hoje e m d ia Portugal oscila entre diversas imagens díspares. Pretende ser um p aís de grande modernidade, de grandes obras, grandes Expos, grandes pontes Vasco da Gama, grandes eventos de culturas de massas e da globalização. Mas depois essas bandas transnacionais vêm aos festivais e são instaladas na Herdade da Casa Branca, em Vilar de Mouros ou em Paredes de Coura. Um Portugal que guarda em si tantas características do que temos sido n os últimos 70 anos.
José Luís Peixoto, escritor