Joe Arpaio, o xerife mais duro dos EUA contra a imigração ilegal

Reportagem

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O xerife levou a cabo uma das suas "operações de supressão de crimes" Joshua Lott/Reuters

Arpaio, 78 anos, é conhecido como "o xerife mais duro da América". Ele diz que foram os jornalistas que lhe deram esse título, mas usa-o como uma marca registada. Aliás, usa-o nos títulos dos seus dois livros, o último dos quais publicado em 2008: Joe"s Law: America"s Toughest Sheriff Takes on Illegal Immigration, Drugs, and Everything Else That Threatens America (A Lei de Joe: O Xerife mais Duro da América Trata da Imigração Ilegal e de Tudo o mais Que Ameaça a América). Popular e populista, os seus métodos duvidosos - a humilhação de prisioneiros nos limites do sadismo, a incansável ofensiva que lançou contra os sem-papéis de origem mexicana - e o facto de adorar ser o centro das atenções tornaram-no numa figura nacional.

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Arpaio, 78 anos, é conhecido como "o xerife mais duro da América". Ele diz que foram os jornalistas que lhe deram esse título, mas usa-o como uma marca registada. Aliás, usa-o nos títulos dos seus dois livros, o último dos quais publicado em 2008: Joe"s Law: America"s Toughest Sheriff Takes on Illegal Immigration, Drugs, and Everything Else That Threatens America (A Lei de Joe: O Xerife mais Duro da América Trata da Imigração Ilegal e de Tudo o mais Que Ameaça a América). Popular e populista, os seus métodos duvidosos - a humilhação de prisioneiros nos limites do sadismo, a incansável ofensiva que lançou contra os sem-papéis de origem mexicana - e o facto de adorar ser o centro das atenções tornaram-no numa figura nacional.

Joe Arpaio era mais do que um apoiante da lei SB1070, que foi bloqueada parcialmente pela juíza Susan Bolton na quarta-feira, um dia antes de entrar em vigor; Joe Arpaio estava à espera dela: há uma semana, anunciara a criação de uma nova área na sua prisão mais famosa - Tent City - só para transgressores daquela lei. Mas Arpaio não parecia um homem desapontado no dia da decisão da juíza: convocou uma conferência de imprensa para anunciar que ia continuar a fazer o seu trabalho. "Nada vai deter o xerife e o meu departamento, nem mesmo a decisão da juíza federal. Portanto, é business as usual."

O quartel-general de Arpaio fica no 19º andar do edifício do banco Wells Fargo, na Baixa de Phoenix. A sala da conferência de imprensa encheu. Percebia-se pelas perguntas que muitos jornalistas estavam ali pela primeira vez. Arpaio apareceu vestido à civil, com um pin em forma de pistola no meio da gravata. Olhos pequenos, óculos, nariz largo, à Karl Malden. Pança. As perguntas sucedem-se quase sempre num tom reverente, e Arpaio faz voz grossa, mostra que não se deixa intimidar.

Os jornalistas que o seguem há anos coincidem quase sempre nas opiniões que têm dele; uma jornalista contou ao PÚBLICO que uma vez o entrevistou durante horas. "E mesmo assim não consegui apanhar a essência do homem." Talvez esperem que ele seja mais do que a caricatura que aparenta ser.

Bloqueio não foi derrota

"Eu gosto da nova lei, mas [a decisão da juíza] não é uma derrota, porque faremos o que temos feito nos últimos três anos." Susan Bolton suspendeu as secções mais controversas da lei, nomeadamente o direito de as forças policiais questionarem e deterem quem não apresentasse uma prova de cidadania ou residência americana - um dos pontos mais contestados pela comunidade hispânica do Arizona, alegando que corriam o risco de ser abordados por motivação racial.


Nos últimos três anos, o xerife do condado de Maricopa, que engloba Phoenix e outras 23 localidades, tem levado a cabo raides aparatosos em bairros latinos. Ele chama-lhes "operações de supressão de crimes", mas toda a gente sabe que o objectivo é apanhar imigrantes clandestinos.

Eles fizeram de Arpaio o inimigo número um da comunidade latina e provocaram a indignação de organizações pró-imigrantes. No folclore das manifestações, nunca faltam comparações com os nazis ou o Klu Klux Klan.

Desde o início dos anos 2000, com o crescente aumento de imigração ilegal no estado, o Arizona, principal porta de entrada, introduziu uma série de leis destinadas a exercer maior controlo sobre o fenómeno. Entre elas, a penalização de empresas que empreguem ilegais, a lei de contrabando humano (que prevê a possibilidade de acusar um imigrante trazido por um "coiote" de ser co-conspirador) e a privação de carta de condução para imigrantes sem-papéis.

Além disso, entre 2007 e 2009, graças a um acordo com a agência de imigração americana (Immigration and Customs Enforcement, ou ICE), agentes de Arpaio, especialmente treinados, podiam fazer cumprir as leis de imigração federais (uma excepção, já que nos EUA são as forças de segurança federais que têm autoridade no que toca a imigração).

O xerife foi acusado de mandar parar carros por infracções de trânsito nas suas "operações de supressão de crimes" para verificar o estatuto de imigração dos condutores. A única diferença, explica Arpaio na conferência de imprensa, é que com a nova lei ele teria podido prender as pessoas que não apresentassem cidadania ou estatuto de residência, em vez de as entregar ao ICE.

Ele faz sempre questão de dizer que tem espaço nas suas cadeias. Tent City, a prisão de tendas onde, a mando do xerife, os detidos usam roupa interior cor-de-rosa e a temperatura pode atingir os 50 graus no Verão, tem um néon permanente como os hotéis americanos, que diz: "Vacancy [Temos quartos.]

Mas Arpaio não está aqui apenas para dizer que vai continuar a fazer o seu trabalho. Ele quer prová-lo e convida a comunicação social para seguir a 17ª operação de supressão de crimes, no dia seguinte.

Golpe de publicidade

Asfalto e sol ao meio-dia é a mais cruel das combinações. O rosto de Arpaio, 20 minutos sem sombra, brilha com o suor, mas o uniforme - calças castanhas e camisa de mangas curtas ocre - continua impecável.


No centro de treino dos seus homens, sudeste de Phoenix, Arpaio, pistola no coldre, conduz uma nova conferência de imprensa no parque de estacionamento. Caravanas e veículos com o seu nome formam uma espécie de perímetro. O camião atrás de si diz em letras vermelhas: AJUDE O XERIFE JOE ARPAIO A LUTAR CONTRA A IMIGRAÇÃO E TRÁFICO ILEGAIS. Abaixo, há um número de telefone para onde ligar "com informação ou pistas sobre alienígenas ilegais".

A operação é adiada porque entretanto chegam informações de que os protestos em frente a uma das suas cadeias em Phoenix estão a subir de tom, e há detenções em curso. Vai ser preciso "desviar recursos" para lá. "Talvez estejam a fazê-lo de propósito para boicotar esta operação."

Entre os recursos do xerife conta-se o maior grupo de voluntários dos Estados Unidos - uma quadrilha de mais de três mil civis, homens e mulheres de todas as idades, que acompanham os oficiais de Arpaio. Sem poderes para executar detenções, são uma espécie de acólitos dos deputies. Mas usam o mesmo uniforme.

"É uma grande oportunidade para contribuir para a comunidade. É por isso que o fazemos", diz, por trás dos óculos Ray-Ban, Glenn Bevin, um dos voluntários, dono de uma agência de viagens de pesca e caça. "Temos de pagar tudo. Não somos pagos pelo tempo que aqui estamos. E pagamos o nosso próprio equipamento. Tudo aquilo que está a ver fui eu que comprei."

Vidros demasiado escuros

O início da operação é remarcado para as quatro da tarde. As equipas do xerife vão andar pelas estradas da cidade, e cada veículo será seguido por vários carros de diferentes meios da comunicação social. Um golpe de publicidade.


A equipa que o PÚBLICO seguiu fez a primeira paragem 15 a 20 minutos depois de ter saído: um jipe Lincoln cinzento. Os jornalistas não podem aproximar-se o suficiente para perceber o que se passa.

A revista Time, a agência AP e o canal de televisão ABC filmam ou fotografam. Tudo termina, sem consequências, mas quando a caravana retoma o andamento, o jipe volta para trás e uma mulher chama os jornalistas do PÚBLICO e do Arizona Republic.

Sentada no banco do passageiro, Rommy Sain, conta num inglês com sotaque hispânico que foram mandados parar por os vidros do jipe serem demasiado escuros. "Ele pediu-me identificação. Foi aí que soube que alguma coisa estava errado. Não é suposto ele pedir a minha identificação, sendo eu passageira. Sou uma cidadã americana como o resto das pessoas, e posso prová-lo." O condutor a seu lado, médico, sugere que os agentes desistiram quando viram que ele era caucasiano.

Minutos antes, durante a abordagem, um cameraman do Copwatch, um grupo que monitoriza a actividade policial em busca de sinais de abuso de autoridade ou violência, perguntava: "Alguém viu de que cor são as pessoas dentro do carro?"

Segunda paragem, 15 minutos depois, num parque de estacionamento à beira da estrada: Stephen Correa, 24 anos, tatuagem na nuca e no braço esquerdo, algemado. É detido por conduzir com uma carta de condução anulada. Os agentes mandaram-no parar por não ter feito o pisca de mudança de faixa.

A dois metros, a tabuleta da Igreja Cristo Es la Verdad ("Abierto 24 horas") tem uma cruz onde se lê: "Jesus salva." Já no centro de treino, vem a informação: cidadão americano.