ICN chumbou construção de cemitério no local onde veio a aprovar o Freeport

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O Freeport abriu em 2004, depois de um licenciamento polémico Pedro Cunha (arquivo)

O Instituto de Conservação da Natureza (ICN) negou à Câmara Municipal de Alcochete (CMA) a intenção de instalar um cemitério no mesmo local onde, poucos anos depois, viria a viabilizar a construção do Freeport, justificando essa sua decisão com a "pressão humana" que tal equipamento iria gerar numa zona ambientalmente sensível. A revelação consta do depoimento de Vítor Carvalheira, responsável pelo sector de gestão urbanística da CMA, aos investigadores da Polícia Judiciária (PJ) que investigaram o caso Freeport.

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O Instituto de Conservação da Natureza (ICN) negou à Câmara Municipal de Alcochete (CMA) a intenção de instalar um cemitério no mesmo local onde, poucos anos depois, viria a viabilizar a construção do Freeport, justificando essa sua decisão com a "pressão humana" que tal equipamento iria gerar numa zona ambientalmente sensível. A revelação consta do depoimento de Vítor Carvalheira, responsável pelo sector de gestão urbanística da CMA, aos investigadores da Polícia Judiciária (PJ) que investigaram o caso Freeport.

Segundo o relatório final da PJ de Setúbal relativo ao processo de licenciamento do outlet de Alcochete, Vítor Carvalheira disse aos investigadores que, "dois ou três anos antes do projecto Freeport", a CMA tinha solicitado parecer ao ICN para a eventual construção de um novo cemitério municipal na zona da antiga fábrica de pneus da Firestone. A resposta foi negativa, alegando os responsáveis daquele instituto que tal equipamento "contrariava o espírito" da Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo e "provocaria o aumento da densidade humana".

Pouco tempo depois, a fábrica seria adquirida pela Freeport Leisure Portugal, SA. E ali surgiria um complexo comercial de cerca de 75 mil metros quadrados, cujos promotores admitiam que seria o destino de meio milhão de pessoas logo no primeiro ano de actividade.

Ofícios sem resposta

Segundo o relatório da PJ, a que o PÚBLICO teve acesso, o antigo chefe de divisão da CMA estranhou quando soube da aprovação, pelo Governo socialista à época, do empreendimento da Freeport, em 14 de Março de 2002, a apenas três dias das eleições legislativas que dariam a vitória ao PSD de Durão Barroso. Carvalheira garantiu aos investigadores que sempre tinha pensado que a declaração de impacto ambiental seria negativa, devido ao facto de o empreendimento estar previsto para uma zona incluída na ZPE do estuário do Tejo e classificada de Reserva Ecológica Nacional (REN).

O relatório final revela também que o antigo director da Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET), António Antunes Dias, se admirou quando soube da viabilização do outlet de Alcochete. E explicitou a sua estupefacção aos investigadores da PJ de Setúbal, recordando que "o Freeport estava a cem metros da zona mais sensível da ZPE, lamas e sapais", o que o deixou "preocupado em termos éticos". É que este precedente exprimia uma dualidade de critérios relativamente a outros promotores a quem fosse negada autorização para construir.

Director da RNET durante 23 anos, Antunes Dias terminou o seu mandato em Abril de 2003 e explicou aos investigadores a sua discordância quanto à alteração da ZPE para viabilizar a construção do complexo comercial. No seu entender, só se justificaria uma alteração caso existissem erros na anterior delimitação.

Antunes Dias revelou ainda que a RNET "tinha sido afastada do processo, situação que sempre tinha achado estranha e injustificável", e que nunca foi pedido à entidade que liderava "qualquer parecer sobre o Freeport" - apesar de, "em conjunto com outros funcionários da RNET", ter pedido informações ao presidente do ICN à época, Carlos Guerra. Ficaram sem resposta pelo menos dois ofícios dirigidos à direcção do ICN, em Junho e Dezembro de 2000. Em Agosto de 2001, a RNET remete nova informação ao presidente do ICN, alertando-o para o facto de o projecto abranger uma área superior à prevista na licença emitida pela CMA.

O estuário do Tejo, recorde-se, foi objecto de medidas de protecção ambiental acrescidas, na sequência da construção da Ponte Vasco da Gama, inaugurada em 1998. Esta obra mereceu reservas das autoridades comunitárias e a adopção de medidas de minimização de impactos e de compensação ambiental. O ex-director da RNET não tem dúvidas: o complexo comercial só podia ser construído dentro dos limites da zona anteriormente ocupada pela fábrica de pneus da Firestone, ao contrário do que veio a acontecer.

Segredo de justiça termina dia 27

O segredo de justiça do caso Freeport expira no próximo dia 27, o que vai permitir o pleno acesso aos autos. Advogados e jornalistas vão finalmente ter uma visão global de um processo que ganhou notoriedade pela suspeita que, durante vários anos e em diferentes períodos eleitorais, pairou sobre José Sócrates.

O actual primeiro-ministro era ministro do Ambiente quando o outlet de Alcochete foi licenciado e, nessa qualidade, teve um papel importante na sua viabilização. Sócrates acabaria, todavia, por nunca constar do rol de arguidos constituídos pelos titulares do inquérito, os procuradores Paes Faria e Vítor Magalhães, aberto por suspeitas de corrupção na viabilização do empreendimento.

Enquanto isso, será conhecida a sorte dos sete arguidos do inquérito: Charles Smith e Manuel Pedro (donos da Smith & Pedro, a consultora contratada pela Freeport para conduzir o processo de instalação do outlet), Carlos Guerra (ex-presidente do Instituto de Conservação da Natureza) e o seu vice, José Manuel Marques, e ainda José Dias Inocêncio (antigo presidente da Câmara de Alcochete), João Cabral (ex-funcionário da Smith & Pedro) e o arquitecto Eduardo Capinha Lopes.