King Khan: O ritual mágico

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King Khan esteve no Festival Med (em Loulé) em Junho DR

Estamos na piscina de um hotel de Loulé, no terraço do último andar, ajudando o homem que será nosso entrevistado a carregar uma espreguiçadeira até à sombra. "Não podemos falar ao sol. O sol deixa-me tonto", justifica o homem de calções de banho e cordões de amuletos índios pendendo do pescoço. Chama-se King Khan e instala-se à sombra.

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Estamos na piscina de um hotel de Loulé, no terraço do último andar, ajudando o homem que será nosso entrevistado a carregar uma espreguiçadeira até à sombra. "Não podemos falar ao sol. O sol deixa-me tonto", justifica o homem de calções de banho e cordões de amuletos índios pendendo do pescoço. Chama-se King Khan e instala-se à sombra.

Canadiano de ascendência indiana, nascido em Montreal mas residente em Berlim há vários anos, é um herói underground que a comunidade garage idolatra pela música e pela loucura escatológica e iconoclasta, é figura subterrânea aos meandros mediáticos que vai surgindo, inesperadamente, ao lado de GZA, dos Wu Tang Clan, que o quer como colaborador, ou de Lou Reed e Laurie Anderson, que o convidaram recentemente para um festival australiano de que foram curadores. É portanto com este King Khan que falamos. Esse que nos explicará que, nas cartas de tarot, "o Louco é a carta mais alta, mais importante que o rei, a rainha ou o Papa". Ele que nos definirá a sua música e os seus concertos como "um ritual mágico". A loucura é parte da equação: "O louco é aquele que pode rir-se da verdade e seguir o seu caminho, é o mais espiritual de todos."

Horas depois da entrevista à beira da piscina, King Khan estava em palco com os Shrines, a banda que fundou em Berlim e que reúne americanos, alemães ou franceses num super combo soul-funk-punk'n'roll. Vestia camisa de lantejoulas douradas e tinha a cabeça adornada com um moicano louro. Na mão, um espanador que abanaria nos momentos certos para lançar magia vudu sobre a pequena multidão à sua frente.

King Khan & The Shrines no Festival Med, em Loulé, dia 24 de Junho. Uma força poderosa. Foram o funk de James Brown em colorido Sun Ra, Sam & Dave revistos pelos Dirtbombs e a soul cavernosa de Screamin' Jay Hawkins sem caixão à vista. No final, uma descarga de ruído lançada sobre o público como violento mantra zen e King Khan sentado em posição de Lótus, qual brâmane em meditação. Foi, naturalmente, um dos grandes concertos do festival. Mas não alterou em nada o fascínio e perplexidade que sentimos perante a sua figura.

Semanas antes daquele concerto, víramo-lo no encerramento do festival Primavera Sound, em Barcelona. Dera ali dois concertos, com o duo King Khan & BBQ e integrado nos supracitados Almighty Defenders. Na Sala Apolo, os Black Lips tinham terminado a sua actuação, o público abandonava o clube e, à saída, vimos um táxi rodeado de gente, o taxista respectivo fora do automóvel, de mãos na cabeça, e King Khan saltando sobre a carroçaria como adolescente travesso. "Estavas lá?", perguntar-nos-á em Loulé, antes de contar o que se seguiu.

O caminho do budista

Foi levado para a esquadra e ficou preso duas horas. Explicou à polícia que tinha um avião para apanhar, que tinha um concerto marcado na Austrália, que tinha sido Lou Reed a convidá-lo. Num ápice, passou a estrela da esquadra, foi fotografado pelos agentes, distribuiu autógrafos, chegou a Sydney. O punk estava livre. "Fui preso pela primeira vez aos 18 anos, por roubar um CD dos Velvet Underground. Passados todos estes anos, o Lou Reed tira-me da prisão. A verdade é que tudo na vida acontece em círculos." Revela-se o metafísico que é punk e soulman: "Vivo uma experiência mais religiosa a ouvir a Alice Coltrane ou música gospel do que a ler a Bíblia, o Corão, a Tora ou o Bhagavad Gita." Revela-se o mago do rock'n'roll: "Na música gospel, o pastor, pela forma como atira as palavras, leva as pessoas a pegar em pandeiretas e dançar, leva bebés a aprender a dar os primeiros passos. É isso que quero fazer com a minha música, pegar numa sala cheia de gente e canalizar a sua energia para uma força única. Quer as faça dançar, tirar as roupas, foder ou cagar, é tudo o mesmo ritual."

Pai de dois filhos, acabou com os King Khan & BBQ porque "demasiadas drogas, bebidas e raparigas" estavam a torná-lo "um mau exemplo para os miúdos". Os Shrines, a banda que lidera há cerca de dez anos, autora de uma muito respeitável discografia para a qual "The Supreme Genius of King Khan & The Shrines", compilação de 2008, servirá como óptima porta de entrada, são tudo o que lhe interessa neste momento. "Tenho 33 anos, a minha idade Jesus, e tenho que decidir onde concentrar as minhas energias. O Lou Reed e a Laurie Anderson disseram-me que todos os artistas passam por momentos em que têm de se reinventar e arranjar um novo disfarce. É isso a magia. E eu escolhi o meu caminho. O caminho do budista."

Depois fala-nos de índios Mohawk que o ensinaram a não ter medo - "vive sem medo e viverás muito tempo" -, e conta-nos de um pugilista aborígene australiano que "vai ser o próximo Muhammad Ali" - "e eu vou largar o rock'n'roll e o álcool e tornar-me um promotor de boxe". Regressa aos seus Shrines: "O meu objectivo final é curar o mundo com a minha música, como um xamã." Que mais podemos dizer? Abençoado seja.