"As mulheres jovens não têm consciência feminista"
Denise Scott Brown é uma figura da história da arquitectura contemporânea. Esteve em Portugal pela primeira vez para participar como keynote speaker no 1º encontro internacional do European Architectural History Network (EAHN), que teve lugar em Guimarães entre 17 e 20 deste mês. Com o marido, Robert Venturi, Scott Brown é responsável por uma das abordagens mais influentes da cultura arquitectónica contemporânea. Essa contribuição é fixada com a publicação, em 1972, de Learning from Las Vegas, um estudo feito "sem preconceitos" sobre a cidade do jogo então ainda em estado espectral. Significou essencialmente uma nova atitude dos arquitectos face à cidade: menos ansiosa, mais disponível.
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Denise Scott Brown é uma figura da história da arquitectura contemporânea. Esteve em Portugal pela primeira vez para participar como keynote speaker no 1º encontro internacional do European Architectural History Network (EAHN), que teve lugar em Guimarães entre 17 e 20 deste mês. Com o marido, Robert Venturi, Scott Brown é responsável por uma das abordagens mais influentes da cultura arquitectónica contemporânea. Essa contribuição é fixada com a publicação, em 1972, de Learning from Las Vegas, um estudo feito "sem preconceitos" sobre a cidade do jogo então ainda em estado espectral. Significou essencialmente uma nova atitude dos arquitectos face à cidade: menos ansiosa, mais disponível.
Nascida no Zimbabwe, Scott Brown forma-se na Architectural Association nos anos 1950, onde toma contacto com a vanguarda londrina do Independent Group e com o trabalho do influente casal Peter e Alison Smithson. Já na América, na Universidade de Pennsylvania, Scott Brown e Venturi são próximos de Louis Kahn, uma figura lendária da arquitectura contemporânea. No dia 18, no grande auditório do Centro Cultural Vila Flor, Denise Scott Brown conversou com Gülsüm Baydar, da Universidade de Izmir, na Turquia, perante uma vasta plateia de admiradores e interessados.
Com humor típico, Scott Brown diz-se "a avó da arquitectura". É também uma feminista, e falou ao P2 com a determinação de quem fez história.
Quanto estavam a trabalhar em Las Vegas, no final dos anos 60, tinham noção do impacto que Learning from Las Vegas iria ter?
Não. Para mim era uma sequência lógica: a minha vida começou em África, depois passei por Inglaterra, e levei o que aprendi para Las Vegas. Escrevemos, porque precisávamos de escrever para interpretarmos as coisas para nós próprios. Também não tínhamos trabalho como arquitectos. E, se não se pode fazer, escreve-se... O primeiro livro de Bob [Robert Venturi, Complexity and Contradiction in Architecture, 1966] tinha criado um furor, o que o surpreendeu. Tocou na nota certa, naquele tempo. Não pensámos que o segundo livro iria fazer o que fez... Noutro dia, procurei-me no Google e foi interessante. Encontrei centenas de referências não a Venturi, mas a mim directamente. A maior parte eram referências rápidas de coisas escritas nas humanidades e nas ciências sociais sobre Learning from Las Vegas. Complexity teve influência na arquitectura e Learning... nessas áreas.
É verdade que foi a Denise que convenceu o seu marido a ir a Las Vegas?
Eu ia ensinar na UCLA [University of California, Los Angeles] e tinha um bom orçamento para visitas. Por isso pedi a antigos colegas da Penn [University of Pennsylvania] para virem dar aulas aos meus alunos. E perguntei ao Bob, porque sabia que ele tinha que ver Las Vegas. Fui eu que o introduzi no ambiente da cultura popular. Estávamos ambos interessados no maneirismo, mas ele não conhecia o movimento da Pop Art em Inglaterra. Pensava que tinha começado na América. Não tinha. Fui eu que trouxe a Pop à nossa parceria e ao nosso casamento. E ele pegou-lhe muito bem! E começou a fazer comparações muito criativas com a arquitectura tradicional, que era o seu tema, aprendido em Princeton.
Mas ir aprender com Las Vegas foi o "grande salto em frente", o tour de force...
Sim. Mas eu já tinha feito muita fotografia de cultura popular na Europa e em África. E também na América. Antes de ir para a costa oeste já tinha uma grande colecção de slides. Foi "o grande salto em frente", mas partiu de algo que já estava lá.
Louis Kahn não os tentou impedir de irem lá?
Kahn e Bob zangaram-se, mas foi mais sobre o facto de quando.
De que modo?
As pessoas conhecem a África do Sul pelos seus problemas raciais. Uma longa e triste história. Mas há também um problema que qualquer pessoa que vive no Brasil sabe: há a cultura cosmopolita e há a cultura local. Em África, os ingleses diziam que o modo de viver dos britânicos era o modo como se devia viver. A minha bela paisagem só era bela, se se pudesse dizer: isto parece Surrey! E eu dizia: por que é que se tem que parecer com Surrey para ser bela? Havia uma série de normas aplicadas de fora. E se ler debates sobre arte em África são todos sobre como é que podemos fazer uma coisa nossa sem sermos influenciados. Eu tive uma professora de Arte em Joanesburgo, uma judia holandesa refugiada, que dizia: não vais ser criativa em arte, se não aprenderes com o que está à volta.
Investigaram uma Las Vegas espectral, uma "cidade como miragem", como escreveram. O que pensa da Las Vegas actual?
Tem havido inúmeras Las Vegas. No início era só um armazém de comboios. Depois, apareceram os primeiros anúncios no deserto, orgulhosos, que foram os que nós vimos. Era o melhor sítio para estudarmos estes letreiros [signs], porque não havia paisagem colonial. Depois surgiu a ideia de que Las Vegas devia crescer, para lá de ser uma cidade do jogo. E isso era provavelmente correcto, mas quando se removeram os néons criou-se algo maçador e deprimente. O grupo que veio a seguir, a que Rem Koolhaas estava associado, criou Nova Iorque, Paris e Veneza em Las Vegas e fizeram algumas coisas interessantes. A Torre Eiffel tem um restaurante...
E gosta disso?
Eu digo: Paris que se cuide! Podemos não gostar, mas podemos espantar-nos...
Vê-se como uma pioneira enquanto mulher na arquitectura?
A minha mãe estudou Arquitectura e, quando cheguei à primeira aula de Arquitectura, pensei: o que estão todos estes homens aqui a fazer? Cinco mulheres numa classe de 65. A minha expectativa não era a de ser uma pioneira. Mas durante anos eu era a única mulher nas reuniões. Centenas de homens, uma mulher afro-americana e eu! E olhávamos uma para a outra... Passados 20 anos, as mulheres começaram a entrar na arquitectura. Mas ainda acho que não é um bom lugar para as mulheres, em muitos aspectos. É um bom campo para mulheres, mas não as recebe bem.
É uma feminista?
Sim, muitíssimo.
O que pensa dos estudos feministas na arquitectura que têm vindo a ser publicados?
Escrevi um artigo chamado Sexism and the Star System in Architecture e fico contente que seja usado. As jovens feministas parafraseiam Freud, que disse: "O que as mulheres querem?" E escrevem: "O que as mulheres velhas querem"? Sugerem que, se se tem problemas, é culpa nossa, das mulheres. E eu reajo a isso. As mulheres novas não se apercebem que vão embater numa barreira [glass ceiling]. E, quando isso acontecer, vão pensar que é culpa delas. Porque não têm consciência feminista.
Na parceria com Robert Venturi, a sua abordagem feminina traduz o quê, uma sensibilidade sociológica?
Essa é uma pergunta difícil. A rotina é que tudo é atribuído ao Bob. Não é que ele o diga, mas é o modo como as pessoas querem ver. Querem que eu seja tudo aquilo em que não estão interessadas. É a urbanista; a dactilógrafa; faz a fotografia. Quando estive em Berkeley, havia mulheres fortes e havia muito em comum no modo como ensinávamos. Não sei se o que há em comum é algo que tem a ver com a formação [nurture] ou é algo natural [nature]. Talvez só daqui a alguns anos se perceba, daqui a 30 ou 60 anos. Eu encorajo as mulheres jovens a arriscarem e os homens a disciplinarem-se.