As ilhas do arquipélago do Porto estão um pouco mais tropicais

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Na ilha do Gomes há várias casas abandonadas a acumular lixo Manuel Roberto

As ilhas e pequenos bairros populares de pequeníssimas casas pobres, com entrada comum a partir da rua, são uma das mais características manifestações urbanas portuenses e parecem longe de estar condenadas ao desaparecimento.

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As ilhas e pequenos bairros populares de pequeníssimas casas pobres, com entrada comum a partir da rua, são uma das mais características manifestações urbanas portuenses e parecem longe de estar condenadas ao desaparecimento.

Os residentes são maioritariamente idosos pobres, mas também "há imigrantes brasileiros e africanos e pessoas que deixaram de ter lugar em bairros sociais", descreveu ontem o vereador da CDU na Câmara do Porto, Rui Sá, após uma "vereação aberta" que o levou a visitar dez das mais de mil ilhas do grande arquipélago portuense. A ilha dos GNR está, pois, um pouco mais tropical e, segundo o antropólogo Fernando Matos Rodrigues, que tem estudado o fenómeno, há também imigrantes de Leste, que parecem dar-se particularmente bem no ambiente comunitário das ilhas.

"Também estamos a assistir a um fenómeno de compra e requalificação das ilhas por parte dos filhos dos antigos moradores", disse ao PÚBLICO o também professor da Escola Superior Artística do Porto (ESAP) que, este fim-de-semana, inaugurou uma exposição, no bar Plano B, dedicada a esta realidade. "Queremos sobretudo contestar a destruição dos bairros populares, que, em outros países, têm sido requalificados e integrados na cidade, em vez de serem tratados como guetos", explicou.

O último estudo sobre esta realidade, encomendado pela Câmara do Porto, data de 2000 e indicava a existência de 1182 ilhas na cidade, com 8678 fogos e cerca de vinte mil moradores. Então, como agora, muitas das minúsculas casas estavam desocupadas, mas, entretanto, as ilhas parecem ter sido capazes de continuar a atrair moradores, apesar das condições muito precárias que oferecem. Só na Rua de São Victor há trinta ilhas.

"Acredito que estamos a falar de trinta mil pessoas a morar nestas casas", diz Matos Rodrigues, para quem, mais do que pensar em erradicar esta realidade, fará sentido reabilitar as casas e manter vivo o espírito comunitário, o sentido de vizinhança e de pertença, as relações sociais, simbólicas e afectivas. "Desalojar estas pessoas e realojá-las em bairros sociais implica a perda destas relações e da identidade social que lhes está subjacente", diz.

"Esta realidade existe, resultou de um determinado contexto social e o que há a fazer é ver quais são as vantagens que tem, como a localização central e o espírito de vizinhança, e tentar eliminar os inconvenientes", considera o arquitecto Michelle Cannatá, também professor da ESAP. "A nível técnico, é hoje possível criar uma casa perfeitamente funcional num espaço exíguo, para, por exemplo, alojar estudantes e jovens casais, com a vantagem de, aqui, terem uma relação social que não têm nos T0 construídos na periferia". "O problema é sobretudo político", conclui o arquitecto.

Michelle Cannatá sugere, por exemplo, que as casas devolutas das ilhas sejam utilizadas para tornar as outras um pouco maiores. Ou que sejam permitidos pequenos acrescentos em altura para melhorar o conforto. Ou, ainda, que sejam criados outros equipamentos no interior das ilhas, como pequenos cafés ou estúdios para artistas. Tudo aquilo que, enfim, permita manter viva uma realidade social rica e característica. "Milão fá-lo há trinta anos. Barcelona recuperou os currals. E Sevilha e Roma fizeram algo semelhante", adianta Cannatá.

Para ilustrá-lo, Maria Alcina mostra a pequena casa da ilha do Gomes, em Campanhã, na qual tem feito obras. "Gosto muito de viver aqui, mas isto não tem condições", diz enquanto mostra as várias casas abandonadas à volta da sua, transformadas em autênticas lixeiras. "Há bicharada, há cobras... Assim não se pode viver".

"Estamos a falar de uma realidade em que há situações completamente vergonhosas, com esgotos ainda a correr a céu aberto por um rego", diz Rui Sá, que, embora defenda um plano de erradicação das ilhas do Porto, salvaguarda a necessidade de requalificar alguns destes aglomerados (ver caixa). "Mais do que estigmatizar estes bairros e estas pessoas, importa sobretudo perceber que estamos a falar de casas muito bem situadas, muitas vezes em pleno centro da cidade, com localizações invejáveis e apetecíveis. Não podemos criar uma situação em que só os ricos têm o direito de morar nestas zonas", reflecte Matos Rodrigues.

Há, sim, nas ilhas do Porto, paredes seguras por barrotes de madeira e casas transformadas em lixeiras, sanitários colectivos e tanques de cimento. Mas também há ramadas, vizinhos conversando e canários cantando em gaiolas. Uma cidade.