Shellac, orgulhosamente sós

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Albini tornou-se lendário por trás dos Nirvana e dos Pixies mas chega a Portugal com a sua própria banda

Não digam a Steve Albini que ele é um purista. "Yeah, whatever", responde-nos quando lhe acenamos com a palavra maldita. Ele, guitarrista e vocalista dos Shellac, ex-Big Black e Rapeman, nome fundamental do som do dito "rock alternativo" (gravou "In Utero" dos Nirvana, discos de PJ Harvey, Pixies e muitos outros), não quer saber do que dizem dele.

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Não digam a Steve Albini que ele é um purista. "Yeah, whatever", responde-nos quando lhe acenamos com a palavra maldita. Ele, guitarrista e vocalista dos Shellac, ex-Big Black e Rapeman, nome fundamental do som do dito "rock alternativo" (gravou "In Utero" dos Nirvana, discos de PJ Harvey, Pixies e muitos outros), não quer saber do que dizem dele.

Os Shellac, auto-descritos como um "trio de rock minimalista", actuam na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, na segunda-feira, e no Auditório de Serralves, no Porto, no dia seguinte. São oportunidades raras para os ver ao vivo. Não dão concertos com regularidade, não seguem a actual agenda das bandas rock (disco, apresentações ao vivo, novo álbum), não fazem discos de dois em dois anos - "Excellent Italian Greyhound", o registo mais recente, é de 2007, e não há novidades discográficas no horizonte. "Não temos um método para decidir quando é que damos concertos. Aproveitamos oportunidades para ir a sítios. Fazemos tudo o que é interessante. Nunca estivemos em Portugal, estamos excitados", diz Albini, ao telefone a partir do seu estúdio, o Electrical Audio, em Chicago.

Formados em 1992, na ressaca da explosão do rock alternativo, um ano depois do "Nevermind" dos Nirvana, os Shellac são uma banda como poucas no cenário independente. Mantêm a ética filha do punk que enformou a música que soava em concertos em caves e bares dos EUA dos anos 80, altura em que as bandas de Albini, os Black Flag, os Mission of Burma (com quem o trio actua nos concertos em Portugal) e outros, ajudavam a inventar um circuito de música alternativo, à margem de multinacionais e outras grandes estruturas. Se hoje se fala tanto em indie, com maior ou menor respeito pelo significado original do termo, muito se deve a Albini.

Desde "Lungs" (1982), o primeiro EP dos Big Black, que trazia brindes como preservativos, dinheiro e pedaços de papel ensanguentados, Steve joga segundo as suas regras. Até na carreira enquanto engenheiro de som, que divide entre nomes grandes e um número infindável de bandas "underground": rejeita receber "royalties", por exemplo, e não se vê como um produtor, figura que se tornou quase uma norma na indústria. "Ao produzir algo é-se co-responsável pelo disco. Nos discos que eu faço, a banda é 100 por cento responsável por essas decisões", explica.

Os Big Black pagavam pelas gravações, marcavam os seus concertos, tratavam dos concertos e da promoção. Eram, em teoria, um suicídio comercial: chamaram a um dos seus discos "Songs About Fucking" (1987) e Albini cantava sobre assassínios, abuso sexual e misoginia, adoptando, muitas vezes, o ponto de vista do autor dos actos atrozes. Já os Rapeman desencantaram o nome numa popular banda desenhada japonesa com o mesmo nome, na qual protagonista passava o tempo a violar mulheres - Albini e companheiros ganharam a antipatia de mulheres furiosas que se amotinavam antes dos concertos.

"Há um elemento de autoconsciência" na vontade de operar à margem, reconhece. "Se és um músico e estás a fazer um disco para outras pessoas, não podes evitar participar, de uma forma ou de outra, no negócio da música, mesmo a uma escala pequena. Deves apreciar a linguagem desse mundo, mas não precisas de aceitar as coisas num sentido convencional. Deves criar o teu próprio vocabulário dentro dessa linguagem", refere.

Hoje, Albini escreve canções "menos directas" do que as que fazia enquanto jovem. "Somos todos velhos o suficiente para reflectir sobre coisas que nos aconteceram no passado; quando és jovem não pensas tanto no passado porque a maior parte das tuas preocupações estão a acontecer naquele momento".

Gloriosamente rudimentar

Albini cresceu em Missoula, uma pequena cidade do estado de Montana, mas tornou-se conhecido em Chicago. Em 1981, chegado a Evanston, no Illinois, há pouco tempo, o então estudante universitário - magricelas, óculos de marrão - apaixonou-se pela cena punk local. Meteu-se no mundo das fanzines e dos programas das rádios universitárias - foi "despedido" várias vezes devido às doses insuportáveis de ruído que insistia em passar logo pela manhã. Congeminou os Big Black (com a ajuda de uma caixa de ritmos, que se tornou membro da banda), nome fundamental do pós-punk americano e antepassados estéticos de bandas como os Nine Inch Nails.

"Tive uma banda em Montana [os punks Just Ducky], mas vivia numa espécie de isolamento cultural", conta. Sem cena musical local, comprava a maior parte dos discos em segunda mão a estudantes que deixavam o liceu e vendiam a colecção de vinis - foi assim que conheceu os Ramones e os Suicide. "Grande parte da minha exposição à música era feita sem contexto. Recebia os discos por si só, quase como artefactos. Tinha quase que fantasiar que mundo seria o que gerava discos daqueles. Ao mudar-me para Chicago, completei a minha aprendizagem como músico".

Apetece dizer que o isolamento ajudou Albini, um autodidacta, a formar um som de guitarra único, presente também nos Shellac - música bruta, centrada no osso (guitarra, baixo e bateria), feita de repetição matemática e tensão, sempre prestes a explodir, raras vezes o fazendo.

"As minhas inspirações foram bandas como Wire, Gang of Four, Public Image Limited, Chrome, Pere Ubu... Criaram uma forma de tocar guitarra que fazia sentido para si mesmas, única. Não queria emular estas pessoas - apesar de haver um pouco de emulação", diz. "O meu tocar guitarra é rudimentar. Não sou um guitarrista dotado, segundo uma perspectiva convencional, mas desenvolvi um vocabulário meu na guitarra, e isso satisfaz-me".