O fracasso como coisa desagradável

Começa a parecer claro, depois de "A Lula e a Baleia", "Margot at the Wedding", e agora "Greenberg", que o grande tema dos filmes de Noah Baumbach é o egocentrismo neurótico e a sua relação (de reversíveis causa e efeito, ou não) com o fracasso real e objectivo ou com a sua, mais volátil, mais mental, impressão.

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Começa a parecer claro, depois de "A Lula e a Baleia", "Margot at the Wedding", e agora "Greenberg", que o grande tema dos filmes de Noah Baumbach é o egocentrismo neurótico e a sua relação (de reversíveis causa e efeito, ou não) com o fracasso real e objectivo ou com a sua, mais volátil, mais mental, impressão.


Coisas que não o deixam assim tão longe do seu compincha Wes Anderson (com quem escreveu o argumento de "Life Aquatic With Steve Zissou"), mas mais ainda o aproximam de toda a uma tradição do humor americano, em particular a que se liga ao "jewish humor" nova-iorquino (a personagem de Larry David no último Woody Allen não deixará de ocorrer ao espectador de "Greenberg"). A presença de Ben Stiller no papel do homónimo e desagradabilíssimo protagonista do filme reforça esta sensação, porque Stiller, que tem um pé (se não os dois) nessa tradição, costuma trazer às suas personagens porções q.b. de neurose e "méchanceté" para fazer dele uma presença sempre interessante, mesmo nas comédias anódinas em que tem gasto boa parte da carreira. E em "Greenberg" (que por alguma razão leva como título o nome da personagem) ver Stiller a construir uma personagem em permanente negação de tudo o que o espectador espera de uma personagem - frustração, antipatia, acidez emocional - se não faz o filme todo faz pelo menos metade. (A talhe de foice: é extraordinário o número de comentários críticos que podemos ler - sobretudo críticos americanos "of Internet fame", é certo - a queixarem-se da falta de "pontes" entre a personagem e o espectador como "defeito" do filme; estamos tramados se agora até já os críticos de cinema clamam por "empatia").

E o que faz a outra metade do filme é uma certa qualidade de escrita - em sentido lato, não só o argumento e os diálogos (também), mas sobretudo uma "escrita cinematográfica" que se instala entre a convenção (clássica) e a "nova convenção" (herança do instituído, e já digerido, estilo "independente americano" como Sundance o promoveu) com alguma largueza, numa impressão de austeridade bem dominada e almofadada (nos tempos, na concentração das cenas, no esvaziamento das peripécias), uma "escrita", dizíamos, não espantosamente criativa, não verdadeiramente entusiasmante, mas inapelavelmente justa. Justa, porque não só não trai a frieza que rodeia a personagem de Greenberg como a faz caminhar ao lado dele, transmitindo-a aos outros (que se defendem como podem, mormente a rapariga interpretada por Greta Gerwig, interesse romântico de Greenberg, se "interesse" e "romântico" não forem palavras exageradas para a psique da personagem) e aos lugares desta Los Angeles singularmente árida, que com outras soluções (outras cores, outra luz), pelo menos nalguns planos parece ser submetida ao mesmo tratamento da Nova Iorque - também um pouco árida e indistinta - de "A Lula e a Baleia". Como esse filme - e pensamos na fabulosa personagem de Jeff Daniels, o pai-escritor falhado - também "Greenberg" é um tragicomédia sobre o fracasso, na vida e na profissão. Na "Lula" havia algum lugar para a esperança, ou pelo menos para reflexos (os filhos) que devolvessem outra imagem.

Aqui estamos noutro passo, um pouco mais irremediável: Greenberg já não vê nada. Mas é essa cegueira, a mesma que faz dele "insuportável", que o torna comovente. Nunca foi outra a arte de conceber e tratar personagens de cinema. Baumbach sabe fazê-lo bem.