Conservação: quatro casos de sucesso
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
No coração da floresta sempre verde da ilha de São Miguel, no arquipélago dos Açores, há pelo menos uma ave feliz. O priôlo (Pyrrhula murina), uma das aves mais ameaçadas da Europa, está prestes a sair da categoria de “criticamente em perigo” de extinção. A União Mundial de Conservação (UICN) prepara-se para a promover em Maio, fazendo entrar a pequena ave na lista das espécies “em perigo”, revelou Luís Costa, director executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).
No início deste século, a população mundial do priôlo estava reduzida a um grupo de entre 120 e 140 indivíduos, concentrada num cantinho montanhoso da ilha, nos concelhos do Nordeste e da Povoação. A ave, com 30 gramas e cerca de 16 centímetros de comprimento, estava a desaparecer devido à falta de alimento. A justificação estava no “recuo da floresta laurissilva e da proliferação das espécies exóticas”, explicou.
Hoje estima-se que a população de priôlo esteja algures entre os 500 e os 800 casais.
Mas as boas notícias não são fruto do acaso. De 2003 a 2008, a SPEA conseguiu recuperar 230 hectares de floresta nativa, através do corte e do controlo da vegetação exótica e da plantação de espécies autóctones. Tudo aconteceu no âmbito do projecto europeu LIFE "Recuperação do habitat do priôlo na zona de protecção especial Pico da Vara/Ribeira do Guilherme".
“As condições de trabalho não foram as melhores por causa dos declives daquela região montanhosa”, contou Luís Costa. Apesar disso, o esforço de recuperação daquela fl oresta ainda não terminou. Em 2009 arrancou um outro projecto, "Laurissilva Sustentável", através do qual a SPEA pretende recuperar mais 120 hectares. Para isso, está já a funcionar uma estufa e um viveiro para produzir plantas nativas da ilha. “Hoje temos 19 mil plantas”, disse Luís Costa. “O nosso objectivo é chegar a 2019 com mil casais de priôlo”, num total de 350 hectares de fl oresta recuperados.
O esforço – que também envolveu a Secretaria Regional do Ambiente, a Direcção Regional dos Recursos Florestais, as câmaras do Nordeste e de Povoação e a Universidade dos Açores – já foi distinguido como uma referência na Europa. Este mês, a plataforma Birdlife International citou-o como um dos cinco melhores projectos da União Europeia.
O regresso do falcão ao AlentejoA pouco e pouco, o território do peneireiro-das-torres (Falco naumanni), o falcão mais pequeno de Portugal, espalha-se pelas planícies do Alentejo. Mais do que uma conquista, é o regresso da espécie a locais que foi obrigada a abandonar.
No final do século XX, a espécie estava a regredir, à medida que desapareciam as suas áreas de alimento nos campos de cereais. A agricultura de sequeiro era substituída pela de regadio e as searas por olival e vinha. ~
“Esta espécie depende de um habitat agrícola específi co, com cereal de sequeiro com pastagens, onde está o seu alimento”, explica Rita Alcazar, da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) em Castro Verde.
Há cerca de 20 anos que a LPN está presente nas planícies de Castro Verde com projectos agro-ambientais para recuperar o habitat de várias espécies de aves, uma das quais o peneireiro-das-torres. Rita Alcazar recorda o desaparecimento da colónia de 80 casais que existia no Castelo de Castro Marim.
“Temos recuperado várias colónias, estabelecendo protocolos de colaboração com proprietários para recuperar paredes de montes onde as aves pudessem nidifi car”, explicou. Foram instaladas caixas-ninho e erguidas torres de nidifi cação ou muros altos cheios de cavidades para as aves fazerem ninhos. Ao todo, a LPN já disponibilizou mais de 800 novos locais de nidifi cação.
“Resultou muito bem e a espécie conseguiu aumentar rapidamente nas colónias antigas e colonizar os novos locais.” Em menos de dez anos a população triplicou. Na década de 90 existiam 150 casais e em 2006, data do último censo, eram já 450. Para dar nova ajuda, a liga tem a funcionar em Évora um centro de reprodução que ajuda as aves feridas ou as crias que caem dos ninhos.
Como prova do sucesso conservacionista, o programa LIFE 2002 a 2006 Peneireiro das Torres foi premiado pela Comissão Europeia em 2009 como um dos melhores 26 projectos para conservação das espécies.
Não significa que os bons resultados na conservação desta espécie, classificada como Vulnerável no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, se traduza num baixar de braços. Na calha estão já outros projectos, nomeadamente a construção de uma nova estrutura para nidificação no Vale do Guadiana e um esforço de reintrodução da espécie em Évora.
Foca-monge à conquista da MadeiraOs esforços para recuperar a população de lobo-marinho (Monachus monachus) da Madeira têm 22 anos. “Quando começámos a trabalhar, em 1988, existiam apenas entre seis e oito animais nas ilhas Desertas”, recordou Rosa Pires, do Parque Natural da Madeira.
A espécie, actualmente classificada como Criticamente em Perigo no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, ficou reduzida a uma população extremamente pequena: primeiro, por causa da caça para fi ns comerciais e, depois, devido à actividade pesqueira. Os lobos-marinhos, também conhecidos por focas-monge, acabavam presos nas artes de pesca, principalmente nas redes de emalhar, ou eram capturados ilegalmente. Em meados do século passado, agudizou-se o conflito entre o lobo-marinho e os pescadores, dado que ambos se batiam pelo peixe nos mares da Madeira.
As ameaças fizeram dela a foca mais rara do mundo e uma das espécies mais ameaçadas de extinção. Hoje a população do arquipélago da Madeira está estimada entre 30 e 40 animais e a sua área de distribuição deixou de ser exclusiva das Desertas e foi alargada à ilha da Madeira, com registos da sua presença desde 1997. Em 2000, este passou a ser um local de residência. “Antes só havia lobos-marinhos nas ilhas Desertas e agora estão em qualquer sítio da Madeira.”
É um facto que esta população ainda é demasiado pequena para deixar de causar preocupação, mas pode dizer-se que está em crescimento. Apesar disso, no ano passado só foi detectada uma cria, “o que não quer dizer que não tenham nascido mais”, disse Rosa Pires, explicando que 2009 foi um mau ano a nível de agitação marítima. “Não conseguimos muitos postos de observação.”
Um dos marcos nesta história de conservação é a criação da Reserva Natural das Ilhas Desertas, em 1990, cujo principal objectivo foi a protecção do lobo-marinho.
Além da monitorização contínua dos animais e da protecção do seu habitat, grande parte do esforço concentrou-se na sensibilização dos pescadores e da população em geral. “O nosso trabalho leva sempre em consideração a população madeirense, especialmente os pescadores”, explicou Rosa Pires, salientando a importância de não ignorar as suas condições socioeconómicas. “Estamos numa fase em que não podemos só criar reservas e legislação. Porque os animais não ficam confi nados a espaços.”
Laboratório de excelência no Porto
Os cientistas estão no centro da equação quando se fala de conservação da natureza. Em Portugal, há um laboratório que dá cartas dentro e fora de fronteiras.
O Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) recebeu, a 16 de Dezembro de 2008, a classifi cação de Excelente na última avaliação conduzida pelo painel internacional da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Foi o único centro na área da biodiversidade a receber essa distinção.
Criado em 2002, o Cibio começou a trabalhar com dez pessoas com o objectivo de aplicar a investigação à conservação. “Hoje são 70 doutorados e mais de 200 investigadores”, contou Nuno Ferrand Almeida, biólogo e coordenador científi co daquele centro, a funcionar na Universidade do Porto. O laboratório reúne investigadores das áreas da genética molecular e populacional, biologia populacional, taxonomia, ecologia, conservação e gestão dos ecossistemas e da paisagem. Do total dos investigadores, 20 por cento “não são portugueses, são de toda a Europa, Estados Unidos, China, Rússia, entre outros países”.
Actualmente, este centro de investigação tem pólos na Universidade dos Açores, na Universidade de Évora e no Instituto de Investigação Científica e Tropical, em Lisboa.
Segundo Nuno Ferrand Almeida, o centro funciona com base em três componentes da biodiversidade: diversidade genética das populações, distribuição das espécies e ecossistemas e, por fim, os recursos genéticos e a domesticação. Estas três vertentes são trabalhadas por 12 grupos de investigação. “Já há propostas para criação de mais dois grupos de trabalho que poderão avançar este ano”, adiantou.
Actualmente, o Cibio tem investigadores espalhados pelos quatro cantos do planeta, especialmente no Norte de África, em países como Tunísia, Mauritânia, Líbia e Marrocos. Ferrand Almeida explicou que colabora com as instituições responsáveis pelos parques naturais desses países para aconselhar na gestão das espécies.
O coordenador salienta o trabalho no âmbito da biologia do coelho, procurando saber, por exemplo, como se transformou a espécie selvagem em doméstica e tentando descobrir formas para fazer frente às doenças virais que ameaçam as populações.