Uma bomba relógio
O Deus da Matança. Entidade responsável pelo impulso da caça, da defesa, da agressão, da guerra, do animalesco que há nos humanos. Características de seres primitivos de tempos idos, quando o ser humano reagia com bestialidade a ameaças de invasão de propriedade territorial ou pessoal. Muito diferente do que acontece no mundo civilizado. Será?
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O Deus da Matança. Entidade responsável pelo impulso da caça, da defesa, da agressão, da guerra, do animalesco que há nos humanos. Características de seres primitivos de tempos idos, quando o ser humano reagia com bestialidade a ameaças de invasão de propriedade territorial ou pessoal. Muito diferente do que acontece no mundo civilizado. Será?
"Dois rapazes andaram à pancada depois das aulas e um deles partiu dois dentes ao outro. Os pais encontram-se para falar sobre o incidente, mas, quando o começam a discutir a fundo, a situação torna-se cada vez mais tensa. Pequenas insinuações passam a ofensas verbais e físicas". Esta é a sinopse da peça "O Deus da Matança", de Yasmina Reza, que o Teatro Aberto leva a cena até dia 28, no Teatro Carlos Alberto, no Porto.
A reposição encenada por João Lourenço, de acordo com o mesmo, surge num contexto temporal que "não podia ser mais actual". Após as várias notícias que dão conta de situações de bullying nas escolas portuguesas, que alegadamente originaram dois suicídios, o de um professor e o de um aluno, o encenador diz sentir "uma verdade e um peso diferente nas palavras do texto". Apesar de a primeira apresentação do argumento ter sido realizada na Alemanha, considera-o transversal a qualquer sociedade urbana do globo. "Esta é uma história que pode acontecer em qualquer sítio", afirma.
João Lourenço encara a racionalidade e a bestialidade como duas noções separadas por uma linha muito ténue: "Foi esta consciência que me fez apaixonar por este texto, de uma autora que até à altura não me despertava grande interesse". A aproximação à realidade, que o enredo encerra, acaba por servir de ponte para uma maior proximidade com o público, que se revê no retrato exposto. Para isso contribui também o desempenho dos actores que "representam com grande verdade". O trabalho de encenação foi executado de forma subtil "para que o resultado final parecesse ter sido obra dos protagonistas".
Após hora e meia de discussão no sentido de se encontrar a resolução para um problema, desencadeado por um incidente rotineiro entre dois adolescentes, "caem as máscaras de quatro seres supostamente civilizados". O encenador afirma que esta peça é uma "espécie de graça maldosa" que apesar de nos fazer rir "aborda um assunto muito sério". Através das personagens, interpretadas por Joana Seixas, Paulo Pires, Sérgio Praia, Sofia de Portugal, expõe-se a hipocrisia do casamento, o cinismo civilizacional e a selvajaria humana contida. O encenador resume a peça como sendo "uma bomba relógio capaz de arrancar risos".