O que fazer com tantos livros que ensinam os pais a educar os filhos?

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Eduard Estivill e Yolanda Sáenz de Tejada defendem que os pais devem estabelecer regras "de forma divertida" Daniel Rocha

Marta teria pouco mais de três anos quando a mãe inventou um jogo para a ensinar a tirar os cotovelos de cima da mesa enquanto come. Em vez de insistir com os filhos ou de os repreender, a escritora espanhola Yolanda Sáenz de Tejada tem criado jogos atrás de jogos sempre com a mesma função: ensinar os filhos através da diversão. Para a psicóloga María Jesús Álava Reyes, os pais devem estabelecer regras desde muito cedo, de maneira clara e directa, para não criar filhos egoístas e tiranos. Ah! E nada de elogiá-los demasiado, para que não se tornem adultos inseguros, avançam o jornalista Po Bronson e a educadora Ashley Merryman.

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Marta teria pouco mais de três anos quando a mãe inventou um jogo para a ensinar a tirar os cotovelos de cima da mesa enquanto come. Em vez de insistir com os filhos ou de os repreender, a escritora espanhola Yolanda Sáenz de Tejada tem criado jogos atrás de jogos sempre com a mesma função: ensinar os filhos através da diversão. Para a psicóloga María Jesús Álava Reyes, os pais devem estabelecer regras desde muito cedo, de maneira clara e directa, para não criar filhos egoístas e tiranos. Ah! E nada de elogiá-los demasiado, para que não se tornem adultos inseguros, avançam o jornalista Po Bronson e a educadora Ashley Merryman.

As recomendações são muitas e vêm em livros, os chamados guias para pais, à venda na secção de psicologia, pedagogia ou educação das grandes livrarias. O fenómeno não é novo, mas começa a ter cada vez maior expressão entre nós. Há para todos os gostos, mas nos últimos tempos a tendência dos editores tem sido a de publicar autores que alertam para um determinado tipo de criança: a que faz tudo o que quer; a que não tem regras; a ditadora e tirana.

E essas são fáceis de identificar. São as que fazem birras na rua porque querem “aquele” brinquedo ou “aquele” bolo; as que não sabem comportar-se num restaurante e gritam desalmadamente; as que brincam às lutas, magoam os outros e não sabem parar; as que chamam nomes aos pais e amuam. Quem não conhece uma dessas crianças ponha o braço no ar.

Eles andam aí e o estranho é que quando se olha para os pais e eles parecem impávidos, habituados às birras, a ceder, porque a criança tem muita personalidade, porque estão cansados ou porque estão pouco tempo com ela e o tempo que sobra deve ser “de qualidade”. São pelo menos essas as razões que María Jesús Álava Reyes, psicóloga, ouve com frequência no seu consultório, em Madrid.

Mas o pior é quando os bebés crescem e se tornam jovens com problemas graves de comportamento ou mesmo delinquentes, continua. Quantos estão na consulta e culpam os pais pelo rumo das suas vidas? Muitos, assegura. “Dizem: ‘Por que é que nunca me repreendeste? Por que é que não estabeleceste regras?”, conta ao P2, em Lisboa, onde veio para lançar o livro “O Não também Ajuda a Crescer”, da editora Esfera dos Livros.

Também Eduard Estivill, pediatra espanhol, faz o mesmo diagnóstico: os pais estão menos tempo com os filhos e, por isso, exigem que esse seja de qualidade, logo, não querem discutir com os mais pequenos, nem impor regras, nem ralhar porque não querem ouvi-los argumentar ou chorar e assumem uma atitude desculpabilizadora.

“Há quem acredite que os filhos podem fazer tudo. Para nós, a sociedade pede-nos normas e se os pais pretendem que os filhos se adaptem à sociedade, têm que ensinar-lhes regras, eles precisam de limites para se tornarem autónomos”, defende o autor do método Estivill, para ensinar os bebés a dormir.

O ‘não’ ajuda a crescer

Estivill também esteve em Lisboa, acompanhado por Yolanda Sáenz de Tejada, criadora de jogos para ensinar regras às crianças. O livro chama-se “Vamos Jogar!”, da editora Livros d’Hoje. A escritora e criativa defende uma educação divertida para que “os pais criem crianças mentalmente sãs, que respeitem quem têm à sua frente”.

“Respeitar significa ajudar, não levantar a voz, partilhar... E tudo isso pode ser aprendido com jogos. É uma ferramenta para educar para os valores, mas de uma forma divertida”, resume Tejada.

Mas se Estivill e Tejada defendem a definição de regras de uma forma divertida, já Álava Reyes propõe a introdução de normas de uma maneira serena e controlada. É importante ser firme, diz. “As crianças precisam do ‘não’ para crescer, precisam que lhes digam o que devem ou não fazer; elas gostam de experimentar os pais, testam-nos para ver até onde podem ir. Os pais que não dizem ‘não’ estão a criar um filho egoísta e muito inseguro.”

E, ao contrário de outras teorias, para Álava Reyes, o “não” só se explica uma vez, não vale a pena estar sempre a justificá-lo porque isso é dar argumentos à criança para ela fazer o que quer. “A maioria das vezes as crianças sabem muito bem o que têm ou não que fazer. Se o ‘não’ é explicado, elas riem-se dos pais, porque o objectivo era chamar a atenção e conseguiram. Por vezes, muitas palavras perdem o sentido, são os actos que têm mais valor. Os pais que explicam constantemente são os que perdem muito a sua autoridade.”

Quem tem filhos adolescentes também não deve argumentar, continua María Jesús Álava Reyes. O jovem sabe que não pode sair porque teve negativa num teste e não vale a pena dizer-lhe mais nada: “Num confronto, se os pais tentarem explicar ao adolescente algo que ele já sabe, quase sempre quem ganha é o adolescente e não o adulto”.

Elogiar faz mal?

Por seu lado, Po Bronson e Ashley Merryman, no livro “Choque na Educação: Como os nossos erros estão a afectar os nosso filhos e o que podemos fazer para educá-los melhor”, publicado pela Lua de Papel, defendem que é importante os pais deixarem os adolescentes argumentar e discutir porque esse é um sinal que ele os respeita.

Bronson e Merryman deitam por terra muitas teorias da educação. Partem das conclusões de inúmeros estudos científicos sobre auto-estima, sono das crianças, alimentação, bullying, racismo, mentira e testes de inteligência e explicam quais as técnicas educativas que funcionam para melhor educar um filho. Neste sentido, este é um livro revolucionário porque combate mitos com constatações científicas.

Um exemplo: desde a década de 70 que se ouve falar da importância de cultivar a auto-estima dos mais novos. Contudo, uma meta-análise a 200 estudos sobre as consequências do reforço da auto-estima, feita pela Association for Psychological Science, nos EUA, conclui que esta não melhora as notas dos alunos, nem o sucesso profissional. Pelo contrário, os autores de “Choque na Educação” citam outros cientistas que concluem que o excesso de elogios à criança pode passar a mensagem de que atingiu os limites da sua capacidade, o que deforma a motivação dos mais novos, que fazem as coisas só em função dos elogios. Mais: os alunos elogiados evitam o risco, tornam-se inseguros e, no futuro, serão competitivos só para manter a sua imagem.

Os pais devem deixar de elogiar os seus filhos? Resposta de Bronson e Merryman: “O elogio é importante, mas não o elogio gratuito. Tem de estar fundamentado em algo real.”

Aplicar caso a caso

Mas como devem, afinal, ser lidos estes e outros guias para pais? Como lidar com tantas teorias, por vezes contraditórias? As instruções e sugestões “não devem ser tomadas de forma acéfala, como verdades universais, mas sim relativizadas e aplicadas caso a caso, se fizer sentido aos pais”, responde o pediatra Mário Cordeiro.

O problema, aponta Estivill, é que “há manuais de instrução para tudo, menos para ser pai”. E os avós e “membros das gerações precedentes” não estão por perto, acrescenta Mário Cordeiro, autor de livros sobre saúde e educação das crianças e adolescentes, da Esfera dos Livros.

José Prata, editor da Lua de Papel, tem “a percepção que os pais portugueses cometem demasiados erros, mesmo os mais bem informados e de classe média, que teoricamente poderiam dar uma melhor educação”.

Talvez por isso haja “um interesse cada vez maior” por estes temas, como diz Sofia Monteiro, editora da Esfera dos Livros. “É uma geração de pais mais ansiosa com a educação dos filhos, mais ávida de informação, que procura mais ajuda.” E por isso os livros podem ser “boas ferramentas de apoio” não só para os pais, mas para avós, educadores e psicólogos.

Paulo Oom, pediatra, nota que é cada vez mais frequente que apenas dez por cento do tempo das consultas seja usado para ver a criança. O restante é, na maior parte dos casos, aproveitado pelos pais para falar de questões de disciplina.

Há mesmo casos em que os pais vão à consulta, sem a criança, porque “precisam de linhas de orientação”. Esta foi uma das razões que o levaram a criar workshops sobre disciplina onde, durante três horas, 50 a 60 pais debatem casos concretos. “O importante é perceber o que está por detrás do comportamento da criança e os pais terem confiança em si próprios.”

Álava Reyes aconselha os pais a fazer registos das situações de mau comportamento do filho e da sua resposta nessa situação, para que, mais tarde, analisem friamente como agiram e reflictam se deveriam ter feito algo de maneira diferente.

Os muitos guias que o P2 leu focam muito a necessidade de impor regras. O que não é o mesmo que adoptar um estilo autoritário para educá-las, alerta Oom. Aos pais recomenda coerência, “não podem ser um dia autoritários e outro permissivos”. Tem que haver um meio termo, entre a educação autoritária e a permissiva, diz José Prata. “Os filhos têm de ser amados ferozmente e isso vai dar-lhes toda a segurança de que precisam. Mas esse amor construtivo passa pelo fornecimento de um quadro de valores sólido, válido dentro e fora de casa, que só pode ser aplicado com a persistência do ‘não’.”