João Reis continua o seu turismo infinito pela obra de Pessoa

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Respira-se uma sobriedade e uma discrição, diríamos "olímpica", no palco da nova produção do Remix Ensemble Casa da Música. A um canto, a formação musical dirigida pelo maestro holandês Ed Spanjaard cria a atmosfera sonora para um mundo fragmentário e que parece permanentemente em suspenso. Do outro lado do palco, uma cadeira e uma mesa com cadernos e livros em cima... A pontuar o espaço, cinco largos anéis completam o cenário de um mundo em planos ora descontínuos ora sobrepostos.

Dois desses anéis são ecrãs para um filme onde uma personagem à deriva tanto disserta sobre o seu lugar no mundo - "sinto-me livre como se deixasse de existir, conservando a consciência disso" -, como projecta os seus sonhos no rosto e no corpo de uma mulher (Ana Moura) que, às vezes corre, às vezes canta.

A personagem é Bernardo Soares (João Reis), o semi-heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935) tardiamente descoberto com a revelação do texto fragmentário O Livro do Desassossego, que viria a elevar ainda mais a desafiante monumentalidade do edifício literário e ficcional do escritor.

"O Livro do Desassossego foi durante muito tempo o meu livro de cabeceira", diz João Reis, que assim viu mais facilitada a tarefa de encarnar agora a figura do reservado guarda-livros nesta nova produção do Remix.

O universo pessoano também já é familiar ao trabalho do actor: em 2007 integrou o elenco de Turismo Infinito, produção do Teatro São João e da dupla Ricardo Pais/António M. Feijó. João Reis classifica mesmo O Livro do Desassossego como uma espécie de Turismo Infinito 2, com a diferença de que, na primeira produção personificada, o heterónimo Álvaro de Campos aqui é Bernardo Soares, de quem se sente "mais próximo enquanto leitor", ao passo que, como intérprete, o "carácter mais performativo" do primeiro heterónimo lhe permitia outra liberdade em cena.

Estreia em Linz 2009

O Livro do Desassossego que hoje é estreado na Sala Suggia da Casa da Música, às 19h30, traz uma história atrás. A proposta foi apresentada à direcção da instituição pelo compositor holandês Michel van der Aa, que quis musicar o texto de Pessoa. António Jorge Pacheco viu no projecto não só a potencialidade de "uma inovadora produção cénico-musical" como a oportunidade de a Casa da Música assinalar os 75 anos da morte de Pessoa.

Para a primeira versão da peça, o compositor holandês filmou, há dois anos, em Lisboa, uma narrativa em vídeo sobre o imaginário de Bernardo Soares com a fadista Ana Moura e João Reis. A estreia mundial aconteceu em Linz - Capital Europeia da Cultura, no ano passado, e teve como actor convidado uma das grandes figuras do cinema e do teatro austríaco e mundial, Klaus Maria Brandauer.

"Não sei se foi o factor Brandauer, que é uma estrela no país, mas o espectáculo foi muito bem recebido em Linz", diz o director artístico da Casa da Música, acrescentando que O Livro do Desassossego foi depois também apresentado no Concertgebouw, em Amesterdão. Depois da apresentação de hoje no Porto, está em estudo a continuação da digressão internacional por outras cidades europeias. "Se isso acontecer, ficarei ligado a Pessoa durante mais alguns meses, o que me agrada", diz o actor de Turismo Infinito.

O actor português não "teme", por outro lado, a comparação do seu trabalho com o de Brandauer. "Não vi a interpretação dele, e não há comparação possível. Até porque há a diferença da língua, que no caso de Pessoa é fundamental", diz João Reis, referindo-se ao facto de o texto na Áustria ter sido apresentado em alemão. "É uma língua igualmente bonita, mas o português está naturalmente mais próximo da essência do texto", nota, acrescentando que a reencenação que Michel van der Aa fez agora para o Porto exige "uma intervenção também mais performativa" da sua parte.

A maior dificuldade que João Reis sentiu na preparação d"O Livro do Desassossego foi na interacção com uma formação musical em cena, "um grupo extraordinário de músicos", mas que exige do actor "uma maior concentração e elasticidade". Algo que Reis já tinha, contudo, experimentado com a produção Contos Fantásticos, de Terry "Monty Python" Jones, musicados por Luís Tinoco e interpretados pela Orquestra Metropolitana de Lisboa.

Luís Tinoco irá, aliás, cruzar a sua música também com a escrita de Pessoa, sobre os Poemas Ingleses de outro seu semi-heterónimo, Alexandre Search, numa peça que a Orquestra Nacional do Porto vai tocar em Maio, na Casa da Música. Um terceiro momento de evocação do 75.º aniversário da morte do escritor será a estreia, em Dezembro, de nova composição de outro compositor holandês, Jan van de Putte, a partir de textos de Álvaro de Campos.

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Respira-se uma sobriedade e uma discrição, diríamos "olímpica", no palco da nova produção do Remix Ensemble Casa da Música. A um canto, a formação musical dirigida pelo maestro holandês Ed Spanjaard cria a atmosfera sonora para um mundo fragmentário e que parece permanentemente em suspenso. Do outro lado do palco, uma cadeira e uma mesa com cadernos e livros em cima... A pontuar o espaço, cinco largos anéis completam o cenário de um mundo em planos ora descontínuos ora sobrepostos.

Dois desses anéis são ecrãs para um filme onde uma personagem à deriva tanto disserta sobre o seu lugar no mundo - "sinto-me livre como se deixasse de existir, conservando a consciência disso" -, como projecta os seus sonhos no rosto e no corpo de uma mulher (Ana Moura) que, às vezes corre, às vezes canta.

A personagem é Bernardo Soares (João Reis), o semi-heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935) tardiamente descoberto com a revelação do texto fragmentário O Livro do Desassossego, que viria a elevar ainda mais a desafiante monumentalidade do edifício literário e ficcional do escritor.

"O Livro do Desassossego foi durante muito tempo o meu livro de cabeceira", diz João Reis, que assim viu mais facilitada a tarefa de encarnar agora a figura do reservado guarda-livros nesta nova produção do Remix.

O universo pessoano também já é familiar ao trabalho do actor: em 2007 integrou o elenco de Turismo Infinito, produção do Teatro São João e da dupla Ricardo Pais/António M. Feijó. João Reis classifica mesmo O Livro do Desassossego como uma espécie de Turismo Infinito 2, com a diferença de que, na primeira produção personificada, o heterónimo Álvaro de Campos aqui é Bernardo Soares, de quem se sente "mais próximo enquanto leitor", ao passo que, como intérprete, o "carácter mais performativo" do primeiro heterónimo lhe permitia outra liberdade em cena.

Estreia em Linz 2009

O Livro do Desassossego que hoje é estreado na Sala Suggia da Casa da Música, às 19h30, traz uma história atrás. A proposta foi apresentada à direcção da instituição pelo compositor holandês Michel van der Aa, que quis musicar o texto de Pessoa. António Jorge Pacheco viu no projecto não só a potencialidade de "uma inovadora produção cénico-musical" como a oportunidade de a Casa da Música assinalar os 75 anos da morte de Pessoa.

Para a primeira versão da peça, o compositor holandês filmou, há dois anos, em Lisboa, uma narrativa em vídeo sobre o imaginário de Bernardo Soares com a fadista Ana Moura e João Reis. A estreia mundial aconteceu em Linz - Capital Europeia da Cultura, no ano passado, e teve como actor convidado uma das grandes figuras do cinema e do teatro austríaco e mundial, Klaus Maria Brandauer.

"Não sei se foi o factor Brandauer, que é uma estrela no país, mas o espectáculo foi muito bem recebido em Linz", diz o director artístico da Casa da Música, acrescentando que O Livro do Desassossego foi depois também apresentado no Concertgebouw, em Amesterdão. Depois da apresentação de hoje no Porto, está em estudo a continuação da digressão internacional por outras cidades europeias. "Se isso acontecer, ficarei ligado a Pessoa durante mais alguns meses, o que me agrada", diz o actor de Turismo Infinito.

O actor português não "teme", por outro lado, a comparação do seu trabalho com o de Brandauer. "Não vi a interpretação dele, e não há comparação possível. Até porque há a diferença da língua, que no caso de Pessoa é fundamental", diz João Reis, referindo-se ao facto de o texto na Áustria ter sido apresentado em alemão. "É uma língua igualmente bonita, mas o português está naturalmente mais próximo da essência do texto", nota, acrescentando que a reencenação que Michel van der Aa fez agora para o Porto exige "uma intervenção também mais performativa" da sua parte.

A maior dificuldade que João Reis sentiu na preparação d"O Livro do Desassossego foi na interacção com uma formação musical em cena, "um grupo extraordinário de músicos", mas que exige do actor "uma maior concentração e elasticidade". Algo que Reis já tinha, contudo, experimentado com a produção Contos Fantásticos, de Terry "Monty Python" Jones, musicados por Luís Tinoco e interpretados pela Orquestra Metropolitana de Lisboa.

Luís Tinoco irá, aliás, cruzar a sua música também com a escrita de Pessoa, sobre os Poemas Ingleses de outro seu semi-heterónimo, Alexandre Search, numa peça que a Orquestra Nacional do Porto vai tocar em Maio, na Casa da Música. Um terceiro momento de evocação do 75.º aniversário da morte do escritor será a estreia, em Dezembro, de nova composição de outro compositor holandês, Jan van de Putte, a partir de textos de Álvaro de Campos.