Eterno Retorno
Na Rua Academia de Ciências, em Lisboa, situa-se o Museu Geológico, um espaço que, na grande maioria das suas salas, ainda revela o tipo de museologia praticada no século XIX. A visita a esta instituição, que, em 1859, foi instalada no antigo Convento de Jesus, é uma espécie de viagem no tempo; um percurso pautado por descobertas espantosas, enquadradas por um ambiente oitocentista - o espólio reunido é sobretudo proveniente das "comissões geológicas" criadas em 1857 e pelas quais passaram Carlos Ribeiro, Pereira da Costa, Nery Delgado, J. Berkeley Cotter, Alfredo Bensaúde e Wenscelau de Lima, entre outros.
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Na Rua Academia de Ciências, em Lisboa, situa-se o Museu Geológico, um espaço que, na grande maioria das suas salas, ainda revela o tipo de museologia praticada no século XIX. A visita a esta instituição, que, em 1859, foi instalada no antigo Convento de Jesus, é uma espécie de viagem no tempo; um percurso pautado por descobertas espantosas, enquadradas por um ambiente oitocentista - o espólio reunido é sobretudo proveniente das "comissões geológicas" criadas em 1857 e pelas quais passaram Carlos Ribeiro, Pereira da Costa, Nery Delgado, J. Berkeley Cotter, Alfredo Bensaúde e Wenscelau de Lima, entre outros.
É esta possibilidade de recuar até uma outra época que faz deste lugar "um museu dos museus", uma característica a preservar contra qualquer tentação de modernização - a sala ocupada pela Mineralogia, preenchida por vitrinas com um design contemporâneo, destoa do percurso expositivo, afectando, de facto, a experiência vivida nas divisões dedicadas à Paleontologia e à Arqueologia. Uma exposição-percurso intitulada "As primeiras 27 maravilhas do Museu Geológico de Portugal", patente até 30 de Abril do próximo ano, constitui um motivo suplementar para uma visita a este espaço.
Entre as peças destacadas encontram-se uma bacia de um dinossáurio herbívoro, um meteorito, folhas fossilizadas em cinzas vulcânicas, crânios com trepanações e marcas de pancadas, objectos da jazida da praia da Samarra, em Sintra, cristais das minas da Panasqueira e um crânio de um crocodilo que vivia em Chelas (Lisboa), no Miocénico, ou seja, há 12 milhões de anos.
As salas de Mineralogia e Multiusos da instituição acolhem actualmente trabalhos de uma série de autores que decidiram realizar uma mostra "sem hierarquia nem autoridade", como se pode ler no convite. Esta iniciativa, acrescentam, permite estabelecer "uma ponte entre meios e gerações, que passam a conhecer-se mais de perto, porque esta exposição é totalmente feita pelos artistas numa lógica de reflexão e intervenção neste espaço específico do Museu Geológico". Assim, na sala de Mineralogia, Joana Escoval (Lisboa, 1982), a única a intervir directamente no espaço museológico, decidiu colocar em diálogo dois desenhos com outras tantas pedras: uma azurite e uma malaquite. A esta discreta introdução sucede uma outra divisão onde se reúnem as obras de Diogo Pimentão (Lisboa, 1973), Francisco Pinheiro (Lisboa, 1981), Raquel Feliciano (Caldas da Rainha, 1983) e Sérgio Dias (Lisboa, 1979).
Neste espaço evidenciam-se as duas obras de Raquel Feliciano, que propõe "Rotação da Terra", uma escultura em cartão-madeira colocada no chão, e "Ordem", uma sucessão de 19 imagens em brometo de prata - neste caso, a progressão proposta pela artista conduz o olhar através de uma viagem sob a forma de quarto minguante, que vai de uma pedra até um naos egípcio, passando por situações onde se observa um caracol, o mar, fogo, o céu, uma ave, um planeta, a Ursa Maior, etc. Os dois trabalhos, plenos de simbolismo, remetem ainda para as caixas usadas no Museu Geológico, sobretudo no núcleo de Paleontologia, para mostrar os achados. Refira-se ainda o conjunto de desenhos "Boscus", de Francisco Pinheiro, embora, neste caso, as mesas sobre as quais se observam os papéis não ajudem à sua autonomia, chegando mesmo a interferir visualmente com a minúcia do traço deste criador.
Na última sala da exposição é visível "Cilindro", um trabalho assinado por Francisco Tropa (Lisboa, 1968) e Pedro Tropa (Santarém, 1973). A peça é formada quer por um objecto em bronze colocado no interior de uma caixa em faia, quer por seis fotografias a preto e branco (brometo de prata sobre papel). As imagens foram realizadas durante o processo de realização da escultura, que surge tal como quando sai do molde, ainda sem nenhuma espécie de pátina. Percorrendo as salas do museu, por acaso, o espectador acaba por deparar-se, nas salas de Arqueologia, com uma série de ídolos cilíndricos, lisos ou decorados, em calcário ou em mármore, datados entre 3500 a 2600 anos a.C. Uma vez mais, ambas as mostras se cruzam. Os tempos também: os das peças expostas em vitrinas oitocentistas ou contemporâneas, os das diferentes fases do museu e os das obras actuais. Há uma espécie de eterno retorno nietzschiano que atravessa este lugar: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes" ("A Gaia Ciência", 1882).