Agnès Jaoui: a passageira da chuva

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"Sabia que mais tarde ou mais cedo íamos conhecer o insucesso ou o desamor, ou passar de moda... Mas, por muito que o saibamos, quando isso acontece apanha-nos de surpresa e começa por transtornar-nos. Tínhamos tido um sucesso tal que parecia que nada nos podia tocar. Subitamente o vento muda e tudo começa a acontecer em sentido contrário. Não compreendi exactamente o que se tinha passado, depois digeri as coisas e agora compreendo um pouco melhor..."

Ao longo da última década e até antes, Agnès Jaoui, 45 anos, tornou-se com o seu companheiro (de trabalho e de vida) Jean-Pierre Bacri num fenómeno raro: conquistaram ao mesmo tempo a crítica e o público, tornaram-se num das mais bem sucedidas exportações do cinema francês. Fizeram-no nos seus próprios termos e sem ceder uma vez que fosse, graças primeiro aos argumentos que escreveram para Alain Resnais, o díptico "Fumar"/"Não Fumar", 1993, adaptado de Alan Ayckbourn, e "É Sempre a Mesma Cantiga", 1997, depois aos filmes que escreveram e interpretaram juntos e que Jaoui dirigiu, "O Gosto dos Outros" (2000) e "Olhem para Mim" (2004).

Porque é que Agnès Jaoui está, então, a falar de insucesso sentada num "pouf" do cinema São Jorge, numa tarde de Outubro? Porque esse percurso de êxito encontrou o seu primeiro tropeção com "Deixa Chover", terceira realização da actriz, que chega às salas portuguesas. Tal como os anteriores, é uma comédia coral doce-amarga sobre gente em crise, um mosaico onde as personagens se cruzam constantemente.
A principal diferença? Primeiro, um lado mais político - o centro de gravidade do filme é uma escritora feminista que se candidata a um cargo municipal na sua região natal, pretexto para falar de "algumas atitudes da classe política francesa [que] me punham louca de fúria. Das raras vezes que intervim na política, encontrei muito machismo por ser mulher, mas nunca tive o mínimo problema no meio do cinema por ser uma mulher que realiza".

Depois, a presença no elenco de Jamel Debbouze, super-estrela que em Portugal vimos mais em papéis dramáticos ("Angel-A", Luc Besson, 2005, ou "Dias de Glória", Rachid Bouchareb, 2006) mas que em França ainda está muito cantonado como comediante "stand-up", e que causou muita surpresa ver num papel fora do seu habitat natural.
Mas, no resto, "Deixa Chover" segue a "fórmula" habitual do cinema de Jaoui - e dos argumentos que escreveu com Bacri ("não creio que fosse capaz de escrever com outra pessoa, seria certamente diferente mas não creio que fosse melhor"). É uma comédia séria sobre gente que não se sente à vontade na sua pele - "porque somos todos assim. Há quem me diga que só fazemos filmes sobre problemas mas é na fragilidade que aquilo que há de mais profundo no ser humano se expressa". E é um filme coral com muitas personagens - "porque gosto muito de filmes onde há muitas personagens, por exemplo acho o Tarantino espantoso, e porque gosto muito de estar com as pessoas, de partilhar".

É, no fundo, um filme sobre "o gosto dos outros", como o título do primeiro filme que realizou definia (como ela diz, "podia ser o título de qualquer um dos nossos filmes...").
Ora, pela primeira vez, as críticas francesas resumiram-se a: "Não é tão bom como "O Gosto dos Outros"".

Jaoui confessa que se lembrou "muito do que se vem dizendo dos filmes do Woody Allen - não que me esteja a comparar com ele... Será que nos estamos a repetir? Será que já não temos nada a dizer? Será que é preciso mudarmos tudo, fazer outra coisa? São perguntas que fazem sentido e que nos perguntamos a nós próprios: no fundo, somos sempre só nós dois [Jaoui e Bacri], somos sempre os mesmos, trabalhamos juntos há vinte anos... E ainda bem que falamos do assunto. Mas, honestamente, neste momento não tenho o distanciamento necessário para ter uma resposta..."

Não olhem para mim

Nada de confusões; Agnés não está aborrecida, agastada ou recalcitrante. Bem pelo contrário: a actriz, que esteve em Portugal para apresentar "Deixa Chover" em ante-estreia na Festa do Cinema Francês, presta-se ao jogo da entrevista com elegância, começa até por nos lançar um "bom dia! Como está?" em português com leve sotaque. É a terceira vez que está em Portugal para apresentar um filme seu, e a conversa já depois de entrevista entra pela música: Jaoui estudou canto lírico, tem uma carreira paralela de cantora e acaba de editar o segundo álbum, "Dans Mon Pays", para o qual gravou um dueto com Camané (adora fado, já cantou com Mísia, elogia Cristina Branco).

Jaoui, aliás, diz que a sua experiência musical influencia em parte o lado coral dos guiões que escreve, porque "gosto de cantar com outros, seria menos agradável se tivesse de o fazer sozinha. Não gosto nada de me sentir contente sozinha, não me interessa nada." Pára, faz uma pausa, e ri-se. "Bom, não é que não me interesse, gosto de me sentir contente! Mas, por exemplo, as pessoas tinham-me dito para eu parar com os duetos no segundo disco, e continuei a fazê-los, e faço questão de ter o meu próprio grupo nos cartazes dos espectáculos."
No entanto, "esse gosto do 'ensemble' vem primeiro do teatro, porque começámos por escrever para teatro e queríamos escrever para pessoas que esperam dois anos para trabalhar duas semanas. Enquanto argumentista e realizadora custa-me muito ter pessoas que filmam só um ou dois dias. Gosto muito desse lado de troupe".

Cantora, actriz, argumentista, realizadora, produtora - é muita coisa, mas não enjeita nenhuma das cadeiras e admite que ser actriz, argumentista e realizadora ao mesmo tempo nos filmes não é tão complicado como parece. "Começo por ser uma actriz que escreve e primeiro tenho de estar satisfeita com o guião. Claro que penso um pouco na encenação, na representação, mas não tanto como isso. Depois passo à preparação enquanto realizadora, e se for a ver a maior parte dos actores que realizam entram nos seus próprios filmes... Para mim, ser actriz é ser criança: tomam conta de nós, maquilham-nos, limpam-nos, levam-nos aos sítios... Ser argumentista é sermos adultos, tomar conta de nós mesmos, e realizar é ser um pai ou uma mãe, tomar conta dos outros, dizer para tomarem atenção ou fazer isto ou aquilo... E gosto de fazer os três. Tenho uma afeição muito especial por ser actriz, era o meu sonho de criança, mas gosto muito das três."

Então e realizar sem escrever nem representar, ou escrever sem realizar nem representar, ou só representar? Pontualmente, Jaoui já foi apenas actriz, mas nunca dirigiu um filme que não tivesse escrito nem escrito um filme em que não tivesse entrado (à excepção de "Fumar"/"Não Fumar", mas aí tratava-se de uma adaptação de uma peça pré-existente). "Já pensei nisso, e confesso que até já senti um certo cansaço por fazer tudo. Mas ao mesmo tempo sinto-me mais à vontade assim. Tenho a impressão que há sempre mais qualquer coisa a dizer de maneira diferente. Depois, também envelhecemos, e é preciso aprender a envelhecer sem perder esse à-vontade..."

Um à-vontade que passa, até, por admitir que a sua personagem em "Deixa Chover" - Agathe, a tal escritora feminista que descobre a política - tem muito de si. "Na mesma medida em que havia muito de mim na Mamie de 'O Gosto dos Outros' ou na Camille de 'É Sempre a Mesma Cantiga' e em todas as personagens que me escrevo. Não consigo nunca evitar exprimir parte de mim, mesmo que evidentemente caricaturemos um pouco." Até no facto de Agathe ser uma burguesinha parisiense que anda a brincar à política? "Sim, sim. Já tentei militar e compreendi que não tinha sido nada feita para isso. Exige uma abnegação que não tenho. No fundo, sou uma burguesinha parisiense que faz filmes e que os usa como uma maneira de dar o seu ponto de vista..."

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"Sabia que mais tarde ou mais cedo íamos conhecer o insucesso ou o desamor, ou passar de moda... Mas, por muito que o saibamos, quando isso acontece apanha-nos de surpresa e começa por transtornar-nos. Tínhamos tido um sucesso tal que parecia que nada nos podia tocar. Subitamente o vento muda e tudo começa a acontecer em sentido contrário. Não compreendi exactamente o que se tinha passado, depois digeri as coisas e agora compreendo um pouco melhor..."

Ao longo da última década e até antes, Agnès Jaoui, 45 anos, tornou-se com o seu companheiro (de trabalho e de vida) Jean-Pierre Bacri num fenómeno raro: conquistaram ao mesmo tempo a crítica e o público, tornaram-se num das mais bem sucedidas exportações do cinema francês. Fizeram-no nos seus próprios termos e sem ceder uma vez que fosse, graças primeiro aos argumentos que escreveram para Alain Resnais, o díptico "Fumar"/"Não Fumar", 1993, adaptado de Alan Ayckbourn, e "É Sempre a Mesma Cantiga", 1997, depois aos filmes que escreveram e interpretaram juntos e que Jaoui dirigiu, "O Gosto dos Outros" (2000) e "Olhem para Mim" (2004).

Porque é que Agnès Jaoui está, então, a falar de insucesso sentada num "pouf" do cinema São Jorge, numa tarde de Outubro? Porque esse percurso de êxito encontrou o seu primeiro tropeção com "Deixa Chover", terceira realização da actriz, que chega às salas portuguesas. Tal como os anteriores, é uma comédia coral doce-amarga sobre gente em crise, um mosaico onde as personagens se cruzam constantemente.
A principal diferença? Primeiro, um lado mais político - o centro de gravidade do filme é uma escritora feminista que se candidata a um cargo municipal na sua região natal, pretexto para falar de "algumas atitudes da classe política francesa [que] me punham louca de fúria. Das raras vezes que intervim na política, encontrei muito machismo por ser mulher, mas nunca tive o mínimo problema no meio do cinema por ser uma mulher que realiza".

Depois, a presença no elenco de Jamel Debbouze, super-estrela que em Portugal vimos mais em papéis dramáticos ("Angel-A", Luc Besson, 2005, ou "Dias de Glória", Rachid Bouchareb, 2006) mas que em França ainda está muito cantonado como comediante "stand-up", e que causou muita surpresa ver num papel fora do seu habitat natural.
Mas, no resto, "Deixa Chover" segue a "fórmula" habitual do cinema de Jaoui - e dos argumentos que escreveu com Bacri ("não creio que fosse capaz de escrever com outra pessoa, seria certamente diferente mas não creio que fosse melhor"). É uma comédia séria sobre gente que não se sente à vontade na sua pele - "porque somos todos assim. Há quem me diga que só fazemos filmes sobre problemas mas é na fragilidade que aquilo que há de mais profundo no ser humano se expressa". E é um filme coral com muitas personagens - "porque gosto muito de filmes onde há muitas personagens, por exemplo acho o Tarantino espantoso, e porque gosto muito de estar com as pessoas, de partilhar".

É, no fundo, um filme sobre "o gosto dos outros", como o título do primeiro filme que realizou definia (como ela diz, "podia ser o título de qualquer um dos nossos filmes...").
Ora, pela primeira vez, as críticas francesas resumiram-se a: "Não é tão bom como "O Gosto dos Outros"".

Jaoui confessa que se lembrou "muito do que se vem dizendo dos filmes do Woody Allen - não que me esteja a comparar com ele... Será que nos estamos a repetir? Será que já não temos nada a dizer? Será que é preciso mudarmos tudo, fazer outra coisa? São perguntas que fazem sentido e que nos perguntamos a nós próprios: no fundo, somos sempre só nós dois [Jaoui e Bacri], somos sempre os mesmos, trabalhamos juntos há vinte anos... E ainda bem que falamos do assunto. Mas, honestamente, neste momento não tenho o distanciamento necessário para ter uma resposta..."

Não olhem para mim

Nada de confusões; Agnés não está aborrecida, agastada ou recalcitrante. Bem pelo contrário: a actriz, que esteve em Portugal para apresentar "Deixa Chover" em ante-estreia na Festa do Cinema Francês, presta-se ao jogo da entrevista com elegância, começa até por nos lançar um "bom dia! Como está?" em português com leve sotaque. É a terceira vez que está em Portugal para apresentar um filme seu, e a conversa já depois de entrevista entra pela música: Jaoui estudou canto lírico, tem uma carreira paralela de cantora e acaba de editar o segundo álbum, "Dans Mon Pays", para o qual gravou um dueto com Camané (adora fado, já cantou com Mísia, elogia Cristina Branco).

Jaoui, aliás, diz que a sua experiência musical influencia em parte o lado coral dos guiões que escreve, porque "gosto de cantar com outros, seria menos agradável se tivesse de o fazer sozinha. Não gosto nada de me sentir contente sozinha, não me interessa nada." Pára, faz uma pausa, e ri-se. "Bom, não é que não me interesse, gosto de me sentir contente! Mas, por exemplo, as pessoas tinham-me dito para eu parar com os duetos no segundo disco, e continuei a fazê-los, e faço questão de ter o meu próprio grupo nos cartazes dos espectáculos."
No entanto, "esse gosto do 'ensemble' vem primeiro do teatro, porque começámos por escrever para teatro e queríamos escrever para pessoas que esperam dois anos para trabalhar duas semanas. Enquanto argumentista e realizadora custa-me muito ter pessoas que filmam só um ou dois dias. Gosto muito desse lado de troupe".

Cantora, actriz, argumentista, realizadora, produtora - é muita coisa, mas não enjeita nenhuma das cadeiras e admite que ser actriz, argumentista e realizadora ao mesmo tempo nos filmes não é tão complicado como parece. "Começo por ser uma actriz que escreve e primeiro tenho de estar satisfeita com o guião. Claro que penso um pouco na encenação, na representação, mas não tanto como isso. Depois passo à preparação enquanto realizadora, e se for a ver a maior parte dos actores que realizam entram nos seus próprios filmes... Para mim, ser actriz é ser criança: tomam conta de nós, maquilham-nos, limpam-nos, levam-nos aos sítios... Ser argumentista é sermos adultos, tomar conta de nós mesmos, e realizar é ser um pai ou uma mãe, tomar conta dos outros, dizer para tomarem atenção ou fazer isto ou aquilo... E gosto de fazer os três. Tenho uma afeição muito especial por ser actriz, era o meu sonho de criança, mas gosto muito das três."

Então e realizar sem escrever nem representar, ou escrever sem realizar nem representar, ou só representar? Pontualmente, Jaoui já foi apenas actriz, mas nunca dirigiu um filme que não tivesse escrito nem escrito um filme em que não tivesse entrado (à excepção de "Fumar"/"Não Fumar", mas aí tratava-se de uma adaptação de uma peça pré-existente). "Já pensei nisso, e confesso que até já senti um certo cansaço por fazer tudo. Mas ao mesmo tempo sinto-me mais à vontade assim. Tenho a impressão que há sempre mais qualquer coisa a dizer de maneira diferente. Depois, também envelhecemos, e é preciso aprender a envelhecer sem perder esse à-vontade..."

Um à-vontade que passa, até, por admitir que a sua personagem em "Deixa Chover" - Agathe, a tal escritora feminista que descobre a política - tem muito de si. "Na mesma medida em que havia muito de mim na Mamie de 'O Gosto dos Outros' ou na Camille de 'É Sempre a Mesma Cantiga' e em todas as personagens que me escrevo. Não consigo nunca evitar exprimir parte de mim, mesmo que evidentemente caricaturemos um pouco." Até no facto de Agathe ser uma burguesinha parisiense que anda a brincar à política? "Sim, sim. Já tentei militar e compreendi que não tinha sido nada feita para isso. Exige uma abnegação que não tenho. No fundo, sou uma burguesinha parisiense que faz filmes e que os usa como uma maneira de dar o seu ponto de vista..."