Brasileiros "apanham" principais investidores da Cimpor de surpresa

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do Brasil, lançou uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a totalidade do capital da Cimpor, presidida por Ricardo Bayão Horta. O gigante brasileiro, o maior produtor de aço mundial, oferece 5,75 euros por cada acção da cimenteira portuguesa, e faz depender o sucesso da sua oferta da obtenção de 50 por cento do capital e mais um título.

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A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do Brasil, lançou uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a totalidade do capital da Cimpor, presidida por Ricardo Bayão Horta. O gigante brasileiro, o maior produtor de aço mundial, oferece 5,75 euros por cada acção da cimenteira portuguesa, e faz depender o sucesso da sua oferta da obtenção de 50 por cento do capital e mais um título.

Apanhados de surpresa! Este era ontem o sentimento generalizado dos vários accionistas da Cimpor ao tomarem conhecimento do ataque inesperado do grupo brasileiro, que logo pela manhã se reuniu com a administração da cimenteira portuguesa.

O representante da CSN, Juarez Saliba, garantiu que a intenção é manter o centro de decisão da cimenteira em Portugal e continuar a cotá-la em Lisboa. Em síntese, Saliba procurou dar um sinal de que a investida da CSN não era hostil. Ainda assim, o PÚBLICO apurou que as garantias do brasileiro não deixaram sossegados os grandes investidores da Cimpor, que ao longo do dia se movimentaram para perceber o que se estava a passar. Será que a CSN jogou isoladamente? Ou avançou coligada com outros accionistas da empresa portuguesa? O que quer? O que pretende fazer?

Em cima da mesa está um investimento total de 3,86 mil milhões de euros (compra da totalidade das acções a 5, 75 euros cada), mas se a OPA for para a frente e a CSN comprar o limite mínimo de títulos que fixou (50 por cento, mais uma acção) gastará 1,93 mil milhões de euros.

Instabilidade accionista

As movimentações da CSN para controlar a Cimpor surgem num quadro de grande instabilidade accionista, com os investidores da empresa a viverem nos últimos anos em clima de guerra. Incapazes de se entenderem entre si para desenvolverem a cimenteira nacional, uma das maiores do mundo, os accionistas portugueses (as duas construtoras, Teixeira Duarte e Soares da Costa, estão em sentido literal do termo de costas voltadas, com os seus líderes, Pedro Teixeira Duarte e Manuel Fino, a recusarem apertar as mãos) criaram os ingredientes ao aparecimento de um ataque por parte de um player exterior à Cimpor. A CSN concretizou ontem o seu interesse num gesto que, tudo indica, é isolado. Mas também ontem e também com origem no Brasil surgiu outro potencial interessado, a Camargo Corrêa, um grupo diversificado que, entre outros sectores, está presente na construção.

Já do lado dos accionistas nacionais da Cimpor, a CGD deu sinais de se querer manter na empresa, com o seu presidente, Faria de Oliveira, a lembrar que um dos objectivos do banco público "é defender os centros de decisão nacional". Existem ainda outros accionistas relevantes, entre eles o Banco Privado Português, que possui um veículo com cerca de dois por cento do capital da Cimpor. Mas tendo em conta que o capital se encontra muito concentrado, esta participação não pesa nas decisões.

A incógnita

Dentro dos accionistas da Cimpor, a grande incógnita surge do lado da francesa Larfage, líder mundial do sector dos cimentos, e que tem 17 por cento da cimenteira nacional.

Recorde-se que a OPA da CSN contou com a assessoria do BESI, banco de investimento do grupo liderado por Ricardo Salgado, e que é simultaneamente tida como o intermediário financeiro que gere a posição da Lafarge em Portugal. Nesse sentido admite-se que o BES possa ter articulado os vários interesses dos seus clientes. E ontem o Barclays Capital, num research, lembrava mesmo que nas contas da Lafarge a "Cimpor está classificada como disponível para ser vendida", pois o grupo francês pretende" reduzir a alavancagem financeira". E, nesse contexto, o Barclays não acredita que a Lafarge "ponha em risco a notação da sua dívida se fizesse uma oferta concorrente".

Mas também não deixa de ser verdade que sempre que há uma OPA, o oferente faz contactos junto de accionistas para saber do seu interesse em vender. O PÚBLICO sabe, no entanto, que a Teixeira Duarte, Manuel Fino, Caixa, BCP e o presidente da Cimpor, que representa o interesse da Bipadosa, foram apanhados desprevenidos com esta oferta. Desconhece-se, todavia, o que se passou com os outros accionistas.

Foi, assim, num contexto muito "enovoado" que ontem o mercado continuava a digerir a oferta da CSN. Responsáveis ligados a accionistas da cimenteira "opada" admitiam ao PÚBLICO não terem por enquanto condições de anunciar grandes decisões. Isto por não saberem o que podiam fazer ao lado da CSN ou contra as suas ambições. E, nesse sentido, era ainda cedo para falar numa contra-OPA.

Mas o aparecimento da CSN pode afinal ter aberto um novo capítulo na guerra pelo controlo da Cimpor, chamando outros intervenientes.

Ontem, não foi preciso muito tempo para que os analistas começassem a antecipar uma resposta bolsista ao ataque brasileiro, quer dos actuais accionistas (onde se encontra a Lafarge) ou de uma empresa rival. Em cima da mesa surgiram os nomes da suíça Holcim, da mexicana Cemex (de Carlos Slim), que esteve há uns meses em Portugal para estudar a Cimpor, e ainda das brasileiras Votorantim e Camargo Corrêa.

Há duas semanas, recorde-se, o Expresso noticiou que as duas empresas brasileiras tinham enviado representantes a Portugal para contactar os accionistas de referência da cimenteira. E o PÚBLICO sabe que, por exemplo, Manuel Fino (Soares da Costa) e os espanhóis da Bipadosa, que nomearam o presidente da Cimpor, Bayão Horta, estavam a conversar com os brasileiros. O mesmo poderá acontecer com a Teixeira Duarte.

Ontem, a Camargo Corrêa emitiu entretanto um comunicado onde esclareceu que manteve contactos "com vários accionistas da Cimpor para demonstrar o seu interesse em participar com os sócios portugueses da empresa, que é uma referência, tanto no mundo empresarial português quanto na indústria de cimento global".

A construtora diz que continua na corrida, apesar da OPA da CSN, e que está à procura de se articular com investidores da Cimpor, "numa equação que contemple os interesses dos accionistas da empresa". Mas desconhece-se se a parceria proposta visaria o domínio da Cimpor ou passaria apenas por uma aliança accionista e de gestão. Ao que o PÚBLICO apurou, a solução de um accionista brasileiro minoritário era a que mais agradaria ao Governo.

Para já os analistas atribuíram um impacto "potencialmente positivo" à oferta da CSN, antevendo uma luta de poder pelo seu controlo, apesar de considerem baixo o prémio que os brasileiros querem pagar pelas acções da cimenteira nacional.