Pura magia!
Quando soam as primeiras notas do trompete de Frankie Newton na introdução a "Strange fruit", percebemos de imediato que foi totalmente conseguido o trabalho de restauro áudio destas faixas de Billie Holiday, sendo as mais antigas datadas de 1939 e as mais recentes de 1950.
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Quando soam as primeiras notas do trompete de Frankie Newton na introdução a "Strange fruit", percebemos de imediato que foi totalmente conseguido o trabalho de restauro áudio destas faixas de Billie Holiday, sendo as mais antigas datadas de 1939 e as mais recentes de 1950.
A importância mítica e o estatuto da cantora são, há muito, inabaláveis, tendo originado centenas de compilações dedicadas ao repertório que gravou para as editoras Columbia, Verve, Commodore e Decca, muitas delas de qualidade e relevância duvidosas. Estas sessões, realizadas para a Commodore e a Decca, surgem muitas vezes desvalorizadas pelo facto de os instrumentais servirem quase exclusivamente a voz de Holiday. No entanto, a sua voz está aqui excepcionalmente quente e profunda, projectada pela sensação de que Holiday viveu realmente aqueles versos.
Ouçam-se as versões de "I cover the waterfront", "Good morning heartache" ou "God bless the child". A opção de deixar de fora os "takes" alternativos funciona aqui na perfeição, afirmando este conjunto de três CD como uma compilação de referência a par de "Lady Day: The Master Takes and Singles" (Columbia/Legacy) e "The Complete Verve Studio Master Takes" (Verve).
Outra edição verdadeiramente especial é "Twelve Nights in Hollywood", em que assistimos a uma Ella Fitzgerald em tipo de forma no Crescendo, o famoso clube do Sunset Strip. Há alguns anos, escutei uma gravação ao vivo de Ella Fitzgerald, no festival de jazz de Newport, que me deixou sem palavras. Sentia-se a vibração e a excitação no ar, como se fosse algo de físico, e a cantora conduzia a audiência e a banda procurando dominar os acontecimentos e impondo os andamentos a uma secção rítmica que integrava Jo Jones na bateria. Surge então um solo vocal, em "Air mail special", que faz disparar os níveis de energia, obrigando literalmente as pessoas a soltarem expressões de descompressão perante os "chorus" consecutivos de pura invenção e magia.
Nesta nova edição, passa-se sensivelmente o mesmo, em tom bastante mais relaxado. Um comando vocal impressionante, a capacidade para swingar como ninguém, um "scat" dos diabos e um enorme sentido de humor fazem das suas actuações um espectáculo inesquecível. Mas aquilo que distingue esta edição de quatro CD é o facto de Norman Granz ter decidido gravar todas as noites, de 11 a 21 de Maio de 1961, com um dia de descanso (acrescem duas noites de 62), proporcionando-nos um olhar privilegiado sobre o fenómeno que é Ella Fitzgerald em palco, sobretudo tendo em conta que a banda raramente repete uma canção ao longo das dez noites consecutivas.
Sentimos subtis diferenças de dia para dia, sentimos a cantora e o público a "aquecerem" ao longo de cada "set". Embora a acompanhe um quarteto - nas duas noites de 62 um trio -, o foco é quase totalmente na voz de Fitzgerald, destacando-se um sobrenatural "scat" de sete minutos em "Take the A train".