Mundo de sombras

Neste álbum em que é evidente um sentido de cena, em que "amor" é a palavra mais repetida (surge como refúgio salvador e perdição regeneradora), Francisco Ribeiro criou um universo a contra-ciclo dos actuais ritmos quotidianos. A estreia a solo do ex-violoncelista dos Madredeus convida-nos a caminhar por ela serenamente, arredados do bulício e libertos da voragem enciclopédica que tantas vezes pauta hoje a experiência musical.

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Neste álbum em que é evidente um sentido de cena, em que "amor" é a palavra mais repetida (surge como refúgio salvador e perdição regeneradora), Francisco Ribeiro criou um universo a contra-ciclo dos actuais ritmos quotidianos. A estreia a solo do ex-violoncelista dos Madredeus convida-nos a caminhar por ela serenamente, arredados do bulício e libertos da voragem enciclopédica que tantas vezes pauta hoje a experiência musical.

Precisamos de tempo para estas canções em que o peso majestoso da orquestra se encontra com o rendilhado bucólico da guitarra e a voz se espraia pelo Mediterrâneo em cadência fadisto-magrebina (principalmente a de Francisco Ribeiro, mas também a de José Perdigão, um dos convidados). Só assim, abertos a ele, poderemos descobrir verdadeiramente "Desiderata". E dessa forma, muito há a descobrir.

Fruto da visão e do temperamento estético do seu autor, é música erudita contemporânea e música popular e música do mundo. Por "E mais será revelado..." passa uma angústia e um tom grandiloquente que descreveríamos toscamente como uns Madredeus em queda - tem fado na voz de José Perdigão e dimensão imagética de clímax de banda sonora. Em "A todas as florestas moribundas", por sua vez, cria-se um fortíssimo contraste entre a placidez da orquestra e a cavalgada expressiva do "throat singing" de Tanya Tagaq - é impossível ficar-lhe indiferente. A central "A junção do bem", mais à frente, surge como mancha sonora que se espalha lenta e harmoniosamente: quando surgem as vozes de Francisco Ribeiro e de Filipa Pais, não há surpresa, nada se altera - como se aquele fosse o seu espaço, como se tivessem de estar ali, naturalmente.

Neste disco gravado com a Orquestra Nacional do Porto, dirigida por Mark Stephenson, onde encontramos dedicatória a Carlos Paredes ("Alma do mar") e se ouve a guitarra de José Peixoto, Francisco Ribeiro definiu um universo pessoalíssimo, um mundo de sombras em busca de uma luz maior que o ilumine. Teremos hoje tempo para acompanhar a viagem?