Copenhaga: Um protesto de estômago vazio

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Daniel não vai comer enquanto não assistir a um compromisso significativo por parte dos líderes políticos Christian Charisius/Reuters

Nos próximos dias Daniel e os três companheiros de jejum em Copenhaga tencionam manter-se activos no Bella Center, com um único objectivo em mente: não comer enquanto não assistirem a um "compromisso significativo" por parte dos líderes políticos.

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Nos próximos dias Daniel e os três companheiros de jejum em Copenhaga tencionam manter-se activos no Bella Center, com um único objectivo em mente: não comer enquanto não assistirem a um "compromisso significativo" por parte dos líderes políticos.

O repto partiu da Austrália e chegou a Daniel, nascido em Hong Kong, criado na Austrália e a viver na Dinamarca há dois anos e meio. O estudante de 30 anos decidiu juntar-se ao movimento Climate Justice Fast, mesmo sendo um "soldado" da causa climática ainda na recruta - acordou para o problema enquanto pesquisava para a tese de doutoramento há seis meses. "Sei que não é nada, costumo dizer que sou activista há 30 dias, desde o momento em que comi a minha última refeição", conta.

Os pioneiros do movimento levam já 37 dias de greve. Chegaram a ser dez, entre os quatro activistas em Copenhaga e outros na Austrália e nos EUA, mas dois dos que seguiam a greve à distância sucumbiram ontem à fome. Dezenas de outras pessoas testemunham os seus jejuns de um ou mais dias no site que aloja a causa.

Há cinco dias, Daniel mostrava-se surpreendentemente forte enquanto falava à imprensa, no Bella Center. E, ao ouvir a sua rotina, custa a acreditar que o faça sem comer. Os dias começam cedo. Chega ao centro de congressos guiado por uma carrinha da Greenpeace antes das sete da manhã, para evitar a "hora de ponta". Depois de uma hora de meditação, segue-se uma ronda pela Internet. A tarde preenche-se até às seis com as solicitações dos media. "Temos muito apoio dos participantes na conferência, mas há que fazer chegar a mensagem "lá acima"", justifica-se, referindo-se aos líderes mundiais.

Ao PÚBLICO já não fala com a mesma energia de uns dias antes. A magreza disfarça-se nas múltiplas camadas de roupa, mas as forças que lhe faltam são evidentes. Anda muito devagar e subir as escadas é uma tarefa hercúlea. Aponta para a cabeça: "Aqui, sinto-me fantástico! Estou sereno e lúcido, mas o corpo está cansado, sei que devia abrandar".

Ele sabe, o médico que visita semanalmente e o assistente Thomas que está sempre por perto também já o avisaram. Mas Daniel não pensa mudar de estratégia, mesmo face às críticas. São os amigos mais próximos os maiores cépticos: ou lhe dizem que "não vai resultar" ou acusam-no de "estar a ficar maluco":

O jovem economista encosta a caneca de água quente à cara, que teima em não aquecer, e explica: "É uma chamada de atenção, mas também um projecto espiritual". O raciocínio fica preso no ar. Daniel fala devagar e às vezes já se perde nas palavras. "Foi a única forma que encontrei de expressar a gravidade do tema e a frustração que sinto", conclui.

Até quando? Pelo menos até ao fim da conferência que termina no domingo, mas sabe que vai ter de parar. Aos jornalistas, já tinha lembrado Martin Luther King ao citar "um homem que não está disposto a morrer por algo não está preparado para a vida". À máxima, Daniel acrescentou: "Esta é uma causa pela qual estaria disposto a morrer, mas pela qual considero valer a pena viver".