Zaha Hadid: um labirinto suspenso em Roma

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Os romanos não estão habituados a ter um edifício assim. Por isso talvez não seja de estranhar ver centenas de pessoas a andar à volta de um museu vazio. Era este o cenário no bairro Flaminio, em Roma, numa manhã a meio de Novembro. Pescoços esticados, a olhar para cima, máquinas fotográficas na mão, olhar interessado, hesitando sobre se deveriam subir uma escada ou dar a volta ao edifício - os curiosos não paravam de chegar junto ao Maxxi (Museo Nazionale delle arti del XXI Secolo), o novo museu de arte contemporânea e arquitectura, por enquanto ainda vazio (deverá ser inaugurado em Março de 2010), que a arquitecta britânica de origem iraquiana Zaha Hadid criou para a capital italiana.

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Os romanos não estão habituados a ter um edifício assim. Por isso talvez não seja de estranhar ver centenas de pessoas a andar à volta de um museu vazio. Era este o cenário no bairro Flaminio, em Roma, numa manhã a meio de Novembro. Pescoços esticados, a olhar para cima, máquinas fotográficas na mão, olhar interessado, hesitando sobre se deveriam subir uma escada ou dar a volta ao edifício - os curiosos não paravam de chegar junto ao Maxxi (Museo Nazionale delle arti del XXI Secolo), o novo museu de arte contemporânea e arquitectura, por enquanto ainda vazio (deverá ser inaugurado em Março de 2010), que a arquitecta britânica de origem iraquiana Zaha Hadid criou para a capital italiana.

Conseguir um lugar nos grupos que se organizavam à entrada para as visitas guiadas não era fácil. Era preciso ter marcado com antecedência, confirmar se os nossos nomes estavam nas listas, e esperar a nossa vez para finalmente entrar. Não admira que houvesse tanta curiosidade. Roma esperou dez anos por este edifício. E afinal, como escreveu o diário La Repubblica, trata-se da primeira obra de arquitectura pública assinada por uma mulher "na cidade dos Papas e dos imperadores".

Itália conheceu seis governos desde que, em 1998, foi decidido ceder o local onde se encontravam umas antigas casernas militares para criar um espaço para a arte contemporânea. São 27 mil metros quadrados, dez mil de área expositiva, uma mediateca, um auditório, cafetaria - e um custo total de 150 milhões de euros.

Zaha Hadid, 59 anos, Prémio Pritzker 2004, é uma das mais mediáticas estrelas no mundo da arquitectura internacional. Para esta pré-inauguração do Maxxi a meio de Novembro - com performances do grupo da coreógrafa alemã Sasha Waltz - a arquitecta viajou até Roma e esteve na apresentação à imprensa (o P2 visitou o museu depois, nos dois dias de apresentação ao público), envolta num casaco preto e com um enorme medalhão ao pescoço.

Confessou, numa entrevista a La Repubblica que, em 1998, quando soube que tinha sido aberto um concurso para a construção de um museu em Roma, começou por telefonar para saber se não se tratava de uma brincadeira. Depois concorreu - e ganhou. A construção não foi fácil. "Fui sempre muito optimista. Pensei "talvez demore mais tempo, mas acabará por se fazer"."

Zaha Hadid não se deixou intimidar pela "cidade dos Papas e dos imperadores". Desenhou um edifício todo em betão que transforma radicalmente não só a paisagem como a forma de percorrer o bairro Flaminio. Por fora, pode parecer um imenso animal vindo do espaço, com uma cabeça que se adianta ao corpo, como se avançasse sobre o jardim. Mas por dentro é todo um outro mundo inesperado.

Jonathan Glancey, o crítico de arquitectura do jornal inglês Guardian, confessou num texto que a primeira vez que viu os desenhos de Hadid para o Maxxi, há dez anos, perguntou a si próprio "como seria possível que esta aventura estrutural viesse alguma vez a ser construída". Aos olhos de Glancey, o projecto "parecia uma intercepção de auto-estradas surreal imaginada por JG Ballard [escritor de ficção científica] ou o desenho de um circuito eléctrico feito para o palácio de gigantes esotéricos". A ousadia do desenho do chão fez-lhe lembrar os "igualmente improváveis desenhos" de Frank Loyd Wright para o Guggenheim de Nova Iorque há mais de meio século.

Betão, o protagonista

Apesar de "improvável", o edifício é hoje uma realidade. Entalados num grupo de visitantes, preparamo-nos para entrar nele. Se Zaha Hadid não se intimidou com Roma, o júri dos projectos não se intimidou com a ousadia dela. Este foi escolhido precisamente porque era a solução mais inovadora, explica a nossa guia. A arquitecta não só fez um edifício como abriu uma praça no meio do bairro, oferecendo um novo espaço à cidade. E desenhou o átrio, onde nos encontramos, como o prolongamento dessa praça exterior.

Mas é preciso avançar para o interior do museu para percebermos aquela que foi a ideia central da arquitecta: fazer com que o espaço pareça dinâmico, como se, diz a guia, "nascesse da intercepção de fluxos de energia que geram tensões das quais surgem novos espaços". Entramos num universo futurista e, como se fôssemos seres sem peso, deslizamos pelos corredores ondulantes, que podem virar de repente, seguir outro caminho ou dividir-se em dois, obrigando-nos a escolher. "Quase não vale a pena descrever o espaço - é demasiado complexo", escreveu Tom Dyckhoff, crítico de arquitectura do Times. "Não existe um chão convencional. Em vez disso, imaginem um longo tubo de cimento, em forma de L, que a certa altura se divide em vários ramos, que ziguezagueiam, enrolando-se e chocando uns contra os outros." É uma arquitectura "que não nos dá descanso", porque "cada espaço é vertiginoso".

Zaha Hadid explicou a Jonathan Glancey que queria que os corredores "ondulassem como uma fita no espaço". E isso é conseguido tratando as imensas paredes de betão como se fosse plasticina, moldável aos desejos da arquitecta. "O betão é o grande protagonista do Maxxi. É a primeira vez que Zaha Hadid aplica o betão numa escala destas", vai explicando a guia, enquanto conduz o grupo pelos espaços em que o vazio é interrompido, de vez em quando, por peças de um dos espectáculos de Sasha Waltz. Foi preciso construir no local enormes moldes nos quais foi despejado o betão, que não tem nenhum tratamento mas é misturado com fibra de vidro para ganhar um aspecto mais luminoso.

Mas estamos num museu que, apesar de vazio, deverá ser usado para mostrar obras de arte. Servirão estas paredes ondulantes e estas enormes galerias para esse fim? O espaço pode ser dividido: no tecto existem carris nos quais podem ser colocados painéis móveis que permitirão criar novos espaços, fazer aparecer paredes.

Uma escultura para habitar

A ideia da arquitecta é que o Maxxi viva sobretudo de luz natural. Esta entra no edifício por cima e é modulada através de uma dupla grelha móvel, controlada por computador, com lâminas que abrem ou fecham conforme as necessidades. Quando a luz natural não é suficiente, o computador aumenta a artificial.

Subimos mais escadarias negras com os degraus iluminados por baixo, o que parece deixá-las a flutuar no ar, onde se cruzam em labirintos suspensos, e chegamos ao segundo piso, dedicado exclusivamente à arte contemporânea - o Maxxi divide-se em dois museus com duas colecções diferentes, Maxxi Arte (um acervo para já de 350 obras) e Maxxi Arquitectura (75 mil desenhos de arquitectura, incluindo os arquivos pessoais de vários arquitectos italianos do século XX).

Continuamos a avançar por uma galeria, e chegamos ao ponto em que os "fluxos potencialmente infinitos" se interrompem subitamente. A viagem termina numa imensa janela ligeiramente inclinada sobre o jardim. Paramos como se parássemos à beira de um precipício. Estamos na cabeça do "animal" que tínhamos visto do exterior. Zaha Hadid travou-nos o passo. "Quero que sintam a excitação, que a sintam através do espaço", explicara a arquitecta, citada pelo Times. Talvez seja de mais, escreve o crítico do jornal: o edifício é "delirante, magnífico, uma escultura para habitar". Mas "se lhe colocarem arte dentro receio que possa explodir".

Para já, e durante os próximos meses, o Maxxi é não é um museu, nem sequer um museu de arquitectura. É simplesmente arquitectura. Mas para os romanos isso não parece ser um problema.