O FMI e as suas receitas ainda estão sob crítica

Nesse ano de crise, a economia portuguesa atingiu um tal nível de endividamento que, com o escudo a valer cada vez menos nos mercados internacionais, deixou de conseguir cumprir os seus compromissos. A solução encontrada pelo recém-formado Governo do bloco central liderado por Mário Soares: pedir um empréstimo ao FMI e sujeitar-se às regras impostas pela instituição.

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Nesse ano de crise, a economia portuguesa atingiu um tal nível de endividamento que, com o escudo a valer cada vez menos nos mercados internacionais, deixou de conseguir cumprir os seus compromissos. A solução encontrada pelo recém-formado Governo do bloco central liderado por Mário Soares: pedir um empréstimo ao FMI e sujeitar-se às regras impostas pela instituição.

Foi o segundo acordo assinado com o FMI - o primeiro tinha sido em 1978 -, mas as medidas impostas foram as mais duras de sempre: subidas de preços nos bens subsidiados pelo Estado, como o pão ou o açúcar, aumentos salariais da função pública abaixo da taxa de inflação, congelamento dos programas de investimento público, subidas fortes das taxas de juro, desvalorizações acentuadas da taxa de câmbio e, no final, a cobrança do que ficou conhecido como o imposto sobre o subsídio de Natal.

Todas estas medidas conseguiram diminuir o défice da balança de pagamentos portuguesa, o principal objectivo do FMI, mas os impactos positivos ficaram por aqui. Como afirma o ex-governador do Banco de Portugal, José Silva Lopes, no livro A Economia Portuguesa desde 1960, "o êxito conseguido na balança de pagamentos teve, porém, como contrapartida, dificuldades para o resto da economia e custos sociais bastante mais graves do que os do programa de 1978". A economia contraiu-se, o desemprego bateu novos recordes, o número de empresas falidas disparou e o número de trabalhadores com salários em atraso atingiu quase os cem mil.

Com ou sem estes efeitos, a verdade é que a receita então aplicada por Ernâni Lopes, como ministro das Finanças, e recomendada por Teresa Ter-Minassian, como representante do FMI, acabou por se repetir, ao longo das últimas décadas, em vários outros países no Globo, com mais casos de insucesso do que de sucesso.

As críticas ao FMI

A actuação do FMI na Argentina, onde não conseguiu evitar que uma das economias mais fortes da América Latina falhasse no pagamento da sua dívida, ou na crise asiática, onde os países que não cumpriram as suas regras de abertura dos mercados de capitais foram os que melhor resultados obtiveram, mancharam a reputação desta organização e obrigaram-no, nos últimos anos, a pôr em causa muitas das políticas de liberalização económica e austeridade orçamental aplicadas no passado.

A crise financeira e a entrada de Dominique Strauss-Kahn para a liderança da instituição parecia querer reforçar a ideia de alguma renovação no FMI. O francês até tem sido dos responsáveis políticos que mais prudência tem pedido aos governos na retirada das suas medidas de estímulo económico. No entanto, ao mesmo tempo, os acordos assinados durante este ano com países como a Hungria, Ucrânia e Roménia voltaram a ser fortemente criticados por manterem o mesmo tipo de medidas que, noutras ocasiões, se revelaram erradas. É por isso que vários economistas mostraram a sua oposição ao recente reforço que foi dado ao FMI como instituição de combate às crises no panorama internacional.

Para Portugal, numa altura em que a discussão das políticas orçamentais se aproxima de uma fase decisiva, as recomendações feitas pelo Fundo na passada quarta-feira - com uma aposta forte na contenção orçamental e nas reformas estruturais que liberalizem os mercados - não podem deixar de ser vistas com uma pequena réplica, embora em circunstâncias muito diferentes, do acordo assinado em 1983.