Wagner Homem conta “historinha” de Chico
Numa tarde de Novembro, Wagner Homem entra na sala de um hotel de São Paulo e diz: "moça, você está se queixando do calor mas não ligou o ar condicionado". Risos para lá, risos para cá e a conversa começa. Wagner Homem costuma esconder-se por trás do "site" oficial de Chico Buarque (é também o curador dos "sites" de Maria Bethânia e Mario Prata) mas desde Outubro está na ribalta. Tudo por causa do livro "Histórias de Canções - Chico Buarque" cuja saída em Portugal esteve prevista para 2010 (ver Ípsilon de 30-10-09) mas foi antecipada e está já nas livrarias, edição Dom Quixote.
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Numa tarde de Novembro, Wagner Homem entra na sala de um hotel de São Paulo e diz: "moça, você está se queixando do calor mas não ligou o ar condicionado". Risos para lá, risos para cá e a conversa começa. Wagner Homem costuma esconder-se por trás do "site" oficial de Chico Buarque (é também o curador dos "sites" de Maria Bethânia e Mario Prata) mas desde Outubro está na ribalta. Tudo por causa do livro "Histórias de Canções - Chico Buarque" cuja saída em Portugal esteve prevista para 2010 (ver Ípsilon de 30-10-09) mas foi antecipada e está já nas livrarias, edição Dom Quixote.
O livro, o primeiro de uma colecção dedicada às histórias ligadas às canções de compositores, tem-se aguentado nos tops dos mais vendidos no Brasil. Formado em administração de empresas, Wagner Homem, 58 anos, trabalhou em jornais, passou pela rádio, mas nunca teve actividade ligada à produção literária. Por isso está a estranhar o que lhe tem acontecido. "Eu tinha só uma certeza: não seria um fracasso. Mas nem de longe poderia supor que tivesse esse desempenho. O que é que acontece? Chico vende, é verdade. Mas existem outros livros com foto e o nome dele na capa que não tiveram a mesma performance. O grande lance do livro foi mesmo essa simplicidade: contar historinha. Não tem a pretensão de fazer análise académica, literária, sociológica, psicológica. Conta histórias pura e simplesmente."
Mulheres e ratos
Wagner teve a ideia do livro ao ler as perguntas que frequentemente lhe enviavam para o "site". Também foi percebendo que algumas das "notinhas" relacionadas com as letras das canções que colocava online eram muito visitadas. Quando organizou a informação e começou a fazer este livro achou até que daria para se iniciar uma colecção. Está agora a contactar outros compositores e o próximo volume deverá ser dedicado à obra de Toquinho.
É de Toquinho, aliás, o prefácio deste livro. "Há uma vantagem de Toquinho em relação ao Chico: Toquinho é um falador. Fala que é uma maravilha! Então o próximo livro da colecção deve ser sobre Toquinho e tem outros que a gente está estudando."
Chico Buarque não participou em "Histórias de Canções" - estava a escrever o romance "Leite Derramado" - mas leu as provas. Não fez restrições e isso surpreendeu Wagner Homem. "Eu achava que ele ia torcer o nariz para aquela história da Mônica Salmaso sobre a canção ‘Ode aos Ratos'. Passou sem nenhum problema." A história conta-se facilmente: enquanto estava a escrever a letra, Chico telefonou a Paulo Vanzolini, compositor e zoólogo, a perguntar coisas específicas sobre os ratos. "O nariz, como é que é? É frio? Quente? Macio? Duro? E a pelagem?". Vanzolini, matreiro, responde: "- ‘ Chico! Você mente tanto sobre mulher...Por que não inventa qualquer coisa também sobre os ratos?". Chico não se atrapalha: "Pô, Vanzolini... Pelos ratos eu tenho o maior respeito."
O moleque e as vacas sagradas
Wagner conheceu Chico quando organizou, em 1989, as letras das canções para o livro de Humberto Werneck "Chico Buarque letra e música". "Eu fazia a revisão das letras, passava para a editora e esta passava para Chico. Aquela história que conto no livro sobre a letra de ‘Meu caro Barão' foi na decorrência disso".
Nesta canção, Chico "tira o acento de várias palavras e faz com que rimem com outras (faxina com maquina, dizia com ausencia, lotado com sabado, virgula com ridicula, ouvido com palido). Além disso comete propositadamente erros de concordância em frases como ‘o santo dos ladrão' e ‘Deu uma cocega /Nos calo da mão'". Mas, num excesso de zelo, alguém na editora corrigiu os "erros" ortográficos e gramaticais. "Um cara na editora meteu acento em tudo", ri-se Wagner. Chico acabaria a telefonar a Wagner a pedir-lhe uma justificação...
Quando Chico foi, com os pais, viver para Roma (aos nove anos) escreveu num bilhete que deixou para a avó: "Vovó Heloísa. Olhe vozinha não se esqueça de mim. Se quando eu chegar aqui você estiver no céu, lá mesmo veja eu ser um cantor do rádio". Esta determinação parece tê-lo acompanhado ao longo da vida. "É engraçado como ele já moleque, ele já peitava as vacas sagradas [discutia com...]. Em geral com as vacas sagradas você baixa a cabeça mas ele já discutia com Tom [Jobim] e Vinicius [de Moraes] desde o comecinho. Aquela história do tamanco é uma maravilha", continua. E desata a cantar o verso original. "Vou coleccionar mais um soneto/ Outro retrato em branco e preto/ A maltratar meu coração". Numa ocasião Tom Jobim, autor da música, teria dito a Chico que ninguém fala "retrato em branco e preto", que a expressão correcta é "preto e branco". Ao que Chico teria respondido: "Então tá. Fica assim: ‘Vou coleccionar mais um tamanco/outro retrato em preto e branco'."
"Nessa altura, no final dos anos 60, Chico ainda era um garoto e Tom já era Tom Jobim", explica Wagner. "Chico sempre tratou todo o mundo no mesmo nível com todo o respeito, você vê a carta dele para Vinicius [publicada no livro], ela é toda cheia de respeito, chamando Poeta, mas defendendo cada vírgula da letra."
O PÚBLICO viajou a convite da Portugal Telecom