Julgamento da Casa Pia podia já estar resolvido se juízes tivessem mais poder, diz Boaventura Sousa Santos
Boaventura Sousa Santos considera que o julgamento “mostra alguns dos problemas” da Justiça portuguesa, a que falta “cultura e legislação para permitir que casos deste tipo possam ser decididos mais prontamente”. “Tínhamos que ter um sistema que tornasse impossíveis medidas dilatórias e não temos, neste momento. É por isso que a Justiça é tão morosa”, refere.
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Boaventura Sousa Santos considera que o julgamento “mostra alguns dos problemas” da Justiça portuguesa, a que falta “cultura e legislação para permitir que casos deste tipo possam ser decididos mais prontamente”. “Tínhamos que ter um sistema que tornasse impossíveis medidas dilatórias e não temos, neste momento. É por isso que a Justiça é tão morosa”, refere.
Para Boaventura Sousa Santos, os juízes devem poder ter “um papel mais activo e discricionário no sentido de recusarem algumas diligências, alguns incidentes ou arrolamentos de mais testemunhas”. “Quando os arguidos são pessoas com bom poder económico, têm bons advogados e podem questionar a investigação, arrolar testemunhas, pedir pareceres e suscitar incidentes, muitas vezes como manobras dilatórias, porque por vezes a morosidade interessa às partes”, salienta.
Além disso, existe em Portugal uma cultura que acredita que “a Justiça só tem que avançar rapidamente quando há pessoas presas”, por isso “tudo decorre de maneira burocrática”, aponta. “Em casos deste tipo, de grande complexidade, o juiz devia ter mais autonomia para dizer: ‘não aceito esta diligência porque não me parece que seja útil para que se faça justiça’”, defende. Assim, o tribunal enviaria a mensagem de que não está “indefinidamente à disposição” dos advogados para “aceitar todos os incidentes”, mesmo suscitados “em nome dos arguidos e dos seus direitos, que são de respeitar, mas não podem ser abusados”.
Do trabalho do Observatório a acompanhar o processo penal português, a conclusão é que “se as partes quiserem o processo é interminável”, resume. Num caso como o do processo de abusos sexuais sobre menores da Casa Pia, a opinião pública tem um contacto “muito próximo” com o que lhe diz respeito, porque muito passa pela comunicação social.
Assim, cinco anos de julgamento “inculca na opinião pública a ideia de que a Justiça é morosa e, por vezes, é uma Justiça negada” acrescenta. “Há vítimas que hoje são cinco anos mais velhas, que foram expostas a vexame e humilhação pública e que cinco anos depois não têm resposta da Justiça portuguesa”, refere.
Quando confrontados com casos como o do burlão da alta finança norte-americano Bernard Madoff, “julgado em poucos meses e preso”, os portugueses não podem deixar de pensar que a sua Justiça é, em comparação, “insuficiente e injusta, por assim dizer”, afirma Boaventura Sousa Santos.
O julgamento do processo de pedofilia da Casa Pia decorre no Tribunal de Instrução Criminal, no Campus da Justiça de Lisboa, completando quarta-feira cinco anos. O Observatório Permanente da Justiça, que funciona na Universidade de Coimbra, tem como objectivo principal acompanhar e analisar o desempenho dos tribunais, das polícias e das prisões.