Prémio Nobel para ficcionista Herta Müller

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Peter Englund, secretário da Academia sueca, anuncia o nome de Herta Muller como Nobel da Literatura Bob Strong/REUTERS

O Prémio Nobel da Literatura de 2009 foi ontem atribuído à escritora alemã Herta Müller, que, "com a concentração da poesia e a franqueza da prosa, retrata a paisagem dos desapossados", diz o comunicado oficial da Academia Sueca.

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O Prémio Nobel da Literatura de 2009 foi ontem atribuído à escritora alemã Herta Müller, que, "com a concentração da poesia e a franqueza da prosa, retrata a paisagem dos desapossados", diz o comunicado oficial da Academia Sueca.

Nascida a 17 de Agosto de 1953 em Nitzkydorf, na parte romena da região do Banato, a escritora, oriunda de uma família da minoria germanófona da Roménia, era há muito apontada como candidata ao Nobel, mas não a ponto de ser considerada demasiado favorita para o ganhar, como o romancista norte-americano Philip Roth, o peruano Mario Vargas Llosa ou o israelita Amos Oz.

Como muitos outros escritores de língua alemã que não nasceram na Alemanha, Herta Müller, radicada em Berlim, reflecte na sua obra essa condição, à qual o brevíssimo comunicado da Academia faz provavelmente referência quando fala de "desapossados".

Também a elogiada "concentração da poesia" não deverá aludir à sua poesia propriamente dita, de carácter assumidamente experimental e de menor importância no conjunto da obra. Deve referir-se antes à dimensão poética da sua prosa, "lapidada como um poema", diz o ensaísta João Barrento, que no início dos anos 90 sugeriu à editora Cotovia a publicação de O Homem É Um Grande Faisão sobre a Terra, o seu primeiro livro editado em Portugal. Em 1999, a Difel lançouA Terra das Ameixas Verdes, e, até ao momento, são estes os seus únicos títulos em edição portuguesa. Uma escassez que a atribuição do Nobel decerto ajudará a corrigir.

Censurada na Roménia

Embora não muito conhecida internacionalmente - ainda que alguns dos seus livros estejam traduzidos em diversas línguas -, Herta Müller é um dos mais prestigiados nomes da literatura alemã contemporânea. Já em 1993, quando escreveu um artigo sobre a autora para o então suplemento Leituras do PÚBLICO, a pretexto da ediçãoO Homem É Um Grande Faisão sobre a Terra, João Barrento assinalava o facto de a escritora já então ter ganho praticamente todos os principais prémios literários alemães e vários de âmbito europeu e internacional.

Müller estreou-se com a recolha de contos Niederungen, que saiu em 1982 na Roménia, mas numa versão censurada pelo Governo de Nicolae Ceausescu. A versão integral foi editada na Alemanha em 1984, no mesmo ano em a autora publicouDrückender Tango. Em ambas as obras, Müller retrata a vida quotidiana na sua pequena aldeia de língua alemã encravada na Roménia, ainda que sem a nomear, sublinhando a corrupção e a repressão do regime comunista.

Duramente criticados pela imprensa romena, os livros foram entusiasticamente recebidos na então República Federal da Alemanha, para onde ela emigrou em 1987, juntamente com o seu marido, também ele um autor romeno de língua alemã, que dá pelo nome não muito original de Richard Wagner.

Após ter estudado literatura alemã e romena na Universidade de Timisoara, Herta Müller trabalhou como tradutora numa fábrica de máquinas, mas foi despedida em 1979, por ter recusado tornar-se informadora da polícia secreta romena. Já nessa altura integrava, tal como Richard Wagner, um movimento de jovens escritores romenos de língua alemã, o Aktionsgruppe Banat, que lutava pelo direito de expressão sob o regime de Ceausescu.

Com cerca de 20 títulos publicados, incluindo ficção, poesia e ensaio, Müller escreveu nos anos 90 uma sucessão de romances e novelas que descrevem, com detalhada precisão, não apenas a ditadura romena, mas também o modo como a experiência da falta de liberdade continuou a traumatizar aqueles que, tal como ela, se exilaram na Alemanha.

Entre dois mundos

O seu mais recente romance, já deste ano, chama-seAtemschaukel, o que, em tradução literal, resultaria em algo como "baloiço respiratório". Como em toda a sua obra, o balanço de que aqui se trata é o da oscilação das personages entre dois mundos. Começou por ser um projecto a meias com o poeta alemão Oskar Pastior (1927-2006), também nascido na Roménia. Narra o destino dos habitantes da minoria alemã logo após a Segunda Guerra, quando muitos deles, entre os quais o próprio Pastior, foram deportados para campos soviéticos. A Roménia, que durante boa parte da guerra, sob o regime de Ion Antonescu, estivera ao lado dos nazis, só mudou de barricada em Agosto de 1944, após um golpe de Estado. O pai de Herta Müller combateu nas Waffen SS e a sua mãe passou os primeiros anos do pós-guerra num campo soviético de trabalhos forçados, na actual Ucrânia.

Mas, a julgar pelas anteriores obras da autora, Atemschaukel não será decerto um romance histórico. Por muito que a sua experiência de vida na Roménia esteja obsessivamente presente em tudo o que escreveu, o que mais importa nos livros de Herta Müller é sempre o trabalho com a linguagem, e não tanto a sua dimensão de testemunho histórico.

Com este prémio, e considerando que a distinguida é, para todos os efeitos, alemã, e não romena, o Nobel da Literatura regressa à Alemanha dez anos após ter sido atribuído a Günter Grass. E Herta Müller torna-se a 12.ª mulher a recebê-lo, exactamente um século após a sueca Selma Lagerlöf o ter conquistado em 1909.

A cerimónia de atribuição do prémio - no valor de dez milhões de coroas suecas (965 mil euros) - terá lugar a 7 de Dezembro em Estocolmo.