Agnés Jaoui está zangada com os políticos franceses
A certa altura de "Deixa Chover", Agnés Jaoui, no papel de uma escritora feminista a concorrer a um cargo político rural, confessa que não passa de uma burguesinha parisiense que se meteu nisto da política sem saber no que se estava a meter. "Este é o tipo de declaração que se pode voltar contra si, não é?", perguntamos a Agnès Jaoui, sentada num dospoufs do Cinema São Jorge, em Lisboa.
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A certa altura de "Deixa Chover", Agnés Jaoui, no papel de uma escritora feminista a concorrer a um cargo político rural, confessa que não passa de uma burguesinha parisiense que se meteu nisto da política sem saber no que se estava a meter. "Este é o tipo de declaração que se pode voltar contra si, não é?", perguntamos a Agnès Jaoui, sentada num dospoufs do Cinema São Jorge, em Lisboa.
"Sim, sim, admito-o e assumo-o. Eu bem tentei militar, contra o racismo, por exemplo, e percebi depressa que não tinha sido nada feita para isso. Exige uma abnegação que não tenho", responde. "No fundo, sou uma burguesinha parisiense que faz filmes e que os usa como uma maneira de dar o seu ponto de vista."
A Agnès Jaoui, de 45 anos, actriz, argumentista, realizadora, devem-se dois dos maiores êxitos recentes do cinema francês em Portugal: "É Sempre a Mesma Cantiga", de Alain Resnais (1997), e "O Gosto dos Outros" (2000), que marcou igualmente a sua estreia na realização. Em ambos, Jaoui escreveu (com o seu companheiro de vida e parceiro criativo, Jean-Pierre Bacri) o argumento e interpretou um dos papéis principais - situação que se repetiu na sua segunda realização,"Olhem para Mim" (2004) e agora no seu terceiro filme, "Deixa Chover" (2008), apresentado na abertura da Festa do Cinema Francês.
Uma comédia doce-amarga sobre gente em crise - a tal escritora feminista, a sua irmã neurótica e os dois documentaristas improvisados que a seguem no seu regresso à região natal. Uma comédia que não é, exactamente, um filme político (nem há sequer cenas de comícios!), mas toca precisamente no modo como o político e o pessoal são mais inseparáveis do que muitos acham. "Tudo é político, no sentido etimológico do termo. E mesmo quando achamos que não estamos a ser políticos, estamos a sê-lo - embora não necessariamente sempre da melhor maneira", explica Jaoui ao P2. "Mas, no fundo, é um filme sobre muitas coisas: sobre os sentimentos, as heranças, os preconceitos, as relações de classe, as relações entre os homens e as mulheres, a cultura, as culturas diferentes..."
A origem do filme veio precisamente da insatisfação da actriz-argumentista-realizadora com a política francesa - "conheci muitos homens e muitas mulheres da classe política que ninguém sabe quem são e que fazem um trabalho formidável. Se eles não existissem, tudo seria bem pior - e o meu grande medo é que a França fique nas mãos dos énarques [os políticos de carreira formados na elitista École Nationale d"Administration], que fazem realmente muito pouco."
E Jaoui continua, implacável: "Há muito tempo que algumas atitudes da classe política francesa me punham louca de fúria, e das raras vezes que intervim encontrei muito machismo por ser mulher. Nunca tive o mínimo problema no meio do cinema por ser uma mulher que realiza, mas quando entrei em alguns meios políticos caí do céu. É também disso que fala o filme: enquanto não as vivermos, não podemos ter consciência do que as coisas significam."
Um novo feminismo
O que não quer dizer que Agathe, a personagem que a argumentista escreveu para si própria, corresponda forçosamente às próprias vivências da actriz. "Há muito de mim em Agathe na mesma medida em que havia muito de mim na Mamie de "O Gosto dos Outros" ou na Camille de "É Sempre a Mesma Cantiga". Todas as personagens que escrevo para mim estão muito próximas, não consigo nunca evitá-lo. Evidentemente, caricaturamos um pouco - ela fala mal, desconfia mais dos homens do que eu, mas sim, tem muito a ver comigo." Mesmo no feminismo que ela asssume? "Não sei exactamente o que quer dizer "feminismo"... Para mim, a palavra tem uma conotação negativa. É um filme feminista, mas não como nos anos 1970, em que as mulheres eram muito reivindicativas, muito violentas em relação aos homens. Há que encontrar, pelo menos nos países ocidentais, um novo feminismo, para que os homens e as mulheres tenham menos medo uns dos outros. Há muito a fazer ainda..."