Herói popular procura-se
Johnny Depp, aliás John Dillinger, a saltar elegantemente sobre um balcão de mármore de um banco que se prepara para roubar, com o sobretudo a ondular sob o seu próprio vento de rebelião - é um exercício de estilo. É uma imagem que já vimos no cinema, na TV. E John Dillinger (1903-1934), um dos assaltantes de bancos que mais culto atraíram, também já tinha visto aquilo em qualquer lado: nos filmes de gangsters da sua época.
O criminoso preferido de Michael Mann para este Verão gostava de filmes de gangsters e traz consigo não só as reminiscências de um género, mas uma coincidência histórica: ainda não se sabe o tamanho da depressão, mas mesmo que não seja tão grande quanto a dos anos 1930, ela está aí.
A história parece feita à medida de Mann: homens polvilhados por balas e com egos de macho alfa. O realizador acha, contudo, a dicotomia bons/maus entediante. Por isso, o duelo entre John Dillinger - o "small time crook" que sai da penitenciária para 14 meses de glória, tornado Inimigo Público nº 1 e figura pública nº 2 (a sua popularidade só era suplantada pela do Presidente Roosevelt) - e Melvin Purvis (Christian Bale), fantoche com código moral de um J. Edgar Hoover e de um FBI emergentes, é mais do que um filme de polícias e ladrões.
É uma crónica visual à la Mann de um período de mudança. Interessado em "vidas intensas", o projecto nasce do livro de Bryan Burrough "Public Enemies". Foi aí que o realizador percebeu que todos os gangsters da época (Baby Face Nelson, Pretty Boy Floyd, Bonnie e Clyde...) tinham tido a reunião fatal com o seu destino naqueles 14 meses entre 1933 e 1934.
Aquela depressão e esta
O ambiente da Grande Depressão em "Bonnie and Clyde" (1967) ou "Dillinger" (1973) surge-nos via montagem de fotografias e imagens da época: desempregados, propriedades cuja hipoteca foi reclamada pelos bancos, descalabro. Se isto lhe soa familiar, é porque há um paralelo involuntário entre "Inimigos Públicos" e a depressão de tamanho ainda por determinar que o mundo atravessa.
"Inimigos Públicos" é o primeiro filme sobre a Grande Depressão a sair durante esta crise. Mas aqueles eram tempos de crime elegante. "John Dillinger foi um herói existencialista. Alguém que lutou contra o sistema e fez o que pôde com as cartas que tinha", disse Depp ao "El Pais". "Um Robin dos Bosques dessa época. Alguém idolatrado no seu momento e que ainda por cima soube como cultivar a sua imagem". Era ele contra os bancos - e apenas eles. Sim, porque Dillinger tinha um código moral.
"Dillinger nunca foi considerado responsável pela morte de qualquer espectador inocente", contextualiza Christian Bale em conversa com jornalistas em Paris. E, na época, "os bancos eram claramente o inimigo. Executavam as hipotecas e roubavam as vidas às pessoas. Não que hoje as coisas sejam muito diferentes", suspira Depp no "Ain't It Cool News". Hoje o chamado crime de colarinho branco volta a ser o bombo da festa.
A história do cinema foi feita disto. De heróis. E de anti-heróis. "O filme que eu queria fazer tinha a ver com este tipo um bocado selvagem que quer tudo, e que o quer agora, com paixão", disse Mann ao "Guardian", consciente dos "padrões históricos" que aqui se cruzaram mas que não foram planeados. Quis apenas transportar os espectadores para 1933 e foi filmar, em alta-definição digital, para os locais onde, de facto, tudo aconteceu a Dillinger. "O vídeo parece a realidade, é mais imediato, tem uma superfície de 'vérité'. A película tem uma superfície tipo líquida, parece algo inventado".
John Dillinger é uma figura de culto, um símbolo, por esse espírito indómito. É o homem sentado no cinema Biograph de Chicago na noite cálida de 22 de Julho para ver um melodrama de polícias e ladrões com Clark Gable, "Manhattan Melodrama".
"Imaginem ser John Dillinger ali sentado no cinema", pede o realizador aos leitores. "Todos os teus amigos morreram; a tua mulher [Billie Frechette, interpretada com doçura por Marion Cottillard], o amor da tua vida, desapareceu. Há cada vez menos pessoas como tu. Estás a enfrentar forças evolutivas gigantescas que tentam esmagar-te - o crime organizado de um lado e o FBI do outro. E o fim está próximo. Não és sentimental em relação a isso - de qualquer forma, não pensas que vais viver para sempre. E tu, Dillinger, estás ali sentado e o Clark Gable diz-te aquelas coisas, ao mesmo tempo que, sem saberes, a menos de cem metros estão 30 agentes do FBI à tua espera, a planear matar-te".
Especule-se que a personagem de Depp estava profundamente imbuída no filme. Entretida. Adorava cinema, tal como outras coisas boas da vida - dinheiro, mulheres, comida, música, álcool, subversão. Os primeiros filmes de gangsters surgiram ainda na era do mudo, a par do interesse da imprensa pelo submundo. E o cinema nunca mais seria o mesmo, em grande parte devido à anarquia que os gangsters incorporavam e que o cinema, temiam os moralistas, glamourizava, entronizando esses anjos de caras sujas no topo da cultura popular.
Dillinger foi a base de muitas personagens (Roy Earle, por Bogart, em "High Sierra", de 1941, Arthur Bowers em "They Live By Night", de 1948) e foi tema de vários "Dillinger" (1945, 1973, de John Millius, e o telefilme de 1991), além de "The Lady in Red" (1979). Era um herói popular, nascido da forma como usava, com humor, a imprensa, e construía a sua imagem pública. A Lei Seca (1919/20) lançara na sociedade americana uma subcultura que crescia com o jazz, com os "speakeasies", com a criação de celebridades como Al Capone, irremediavelmente fora da lei.
Actores como James Cagney, Humphrey Bogart, Spencer Tracy ou Gable emergiram nestes filmes, cujo filão foi descoberto com o sucesso de "Little Caesar" (1930), que se tornaram tão populares que sofreram a proverbial chicotada psicológica. Houve pressões e legislação para que o cinema não "promovesse o crime". Mas a torneira estava aberta e ainda estavam por vir "Angels with Dirty Faces" (1938) e, saltando décadas, "Bonnie and Clyde" (1967), "Chinatown" (1974), de Polanski, e "Lua de Papel" (1973), de Bogdanovich. E "The Departed - Entre Inimigos", o remake de "Scarface", "O Funeral", "Caminho para Perdição", "American Gangster" e "O Padrinho". A narrativa dos gangsters é um discurso relevante sobre a América e por isso perdura até Agosto de 2009, com Michael Mann a convidar-nos a embarcar novamente na grande viagem ontológica.
A América de gangsters, que ao longo das décadas cinematográficas ganhou diferentes matizes (os sociopatas que adorávamos admirar entre guerras, os espíritos livres e anárquicos que muito diziam à cultura "hippie"), é solitária. Individual. Fora da grelha. Só na América, escreve o crítico de cinema Michael Atkinson na "Sight & Sound", a comunidade ideal é procurada numa caminhada solitária, algo que remontará ao Velho Oeste, aos "desperados", à liberdade fora da lei como ingrediente essencial e original de um país.
Robim dos Bosques
"Inimigos Públicos" são, então, 14 meses da vida de Dillinger, a emergência do crime organizado a contornar a Lei Seca, o nascimento do FBI e a ascensão sem escrúpulos de J. Edgar Hoover. Mas também são um jovem e bem parecido Dillinger a tornar-se um ícone perante o mundo moderno. Depois de dez anos preso, "de repente o mundo estava em 'technicolor'", descreve Johnny Depp ao AICN. As auto-estradas começavam a rasgar uma nação, os carros eram de facto cada vez mais rápidos, os aviões comerciais eram uma novidade. E o som aliado à imagem também, como recorda Michael Mann numa outra entrevista, em vídeo, ao "Guardian".
Os "newsreels" que antecediam as sessões de cinema e a imprensa sensacionalista ajudaram a criar o herói nacional Dillinger. "Tinha uma grande consciência da sua imagem pública, nunca roubou cidadãos particulares. Ele cultivava uma personagem Robin dos Bosques, da qual estava consciente e que era muito importante para ele", responde Christian Bale, sério, quase enciclopédico.
Hoje, Dillinger persiste. O sítio em que foi quase morto na sequência de uma emboscada da polícia, a estalagem florestal Little Bohemia, no Wisconsin, é uma atracção turística; uma das bandas mais selvagens da última década, os Dillinger Escape Plan, escolheram-no para baptismo; em qualquer documentário televisivo sobre crimes, fugas ou assaltos a bancos, Dillinger tem lugar cativo. E no cinema e nos jornais da época e do último século, a sombra do anarquista, do Robin dos Bosques da Grande Depressão, ergue-se sob a floresta de Sherwood do Ocidente.
Johnny Depp assume o fascínio pela figura, que já conhecia dos filmes a preto e branco que via na infância. O homem que roubou cerca de 200 mil euros na época - hoje à volta de 3,3 milhões - é dos seus favoritos. "Sabem que gosto sempre do tipo que segue contra a corrente, do 'underdog'. É a minha especialidade", disse ao "El Pais". Inspirou-se em Joe Strummer (dos Clash), durante a rodagem ouviu "Nightmare", de Artie Shaw.
E Depp, um Dillinger aveludado e menos violento (nomeadamente quanto às mulheres) do que na realidade, vê-se num filme de Verão na acção e no pacote de estrelas que carrega, mas sente-se só em personagem. "Hoje, se houvesse um tipo à imagem de um Robin dos Bosques... estamos numa era em que vendemos a nossa privacidade à televisão. Toda a gente tem uma máquina fotográfica, e um telemóvel, e um Blackberry, e em menos de dez segundos está tudo na Internet. Por isso ele teria sido traído, tal como foi naquele dia", lamenta em conversa com o "Los Angeles Times". "Embatemos no muro digital. Não sei se podemos ter um herói popular do género hoje. Talvez o subcomandante Marcos em Chiapas, que está a tentar proteger os índios no México. Ele pode ser a coisa mais próxima que temos disso."
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Johnny Depp, aliás John Dillinger, a saltar elegantemente sobre um balcão de mármore de um banco que se prepara para roubar, com o sobretudo a ondular sob o seu próprio vento de rebelião - é um exercício de estilo. É uma imagem que já vimos no cinema, na TV. E John Dillinger (1903-1934), um dos assaltantes de bancos que mais culto atraíram, também já tinha visto aquilo em qualquer lado: nos filmes de gangsters da sua época.
O criminoso preferido de Michael Mann para este Verão gostava de filmes de gangsters e traz consigo não só as reminiscências de um género, mas uma coincidência histórica: ainda não se sabe o tamanho da depressão, mas mesmo que não seja tão grande quanto a dos anos 1930, ela está aí.
A história parece feita à medida de Mann: homens polvilhados por balas e com egos de macho alfa. O realizador acha, contudo, a dicotomia bons/maus entediante. Por isso, o duelo entre John Dillinger - o "small time crook" que sai da penitenciária para 14 meses de glória, tornado Inimigo Público nº 1 e figura pública nº 2 (a sua popularidade só era suplantada pela do Presidente Roosevelt) - e Melvin Purvis (Christian Bale), fantoche com código moral de um J. Edgar Hoover e de um FBI emergentes, é mais do que um filme de polícias e ladrões.
É uma crónica visual à la Mann de um período de mudança. Interessado em "vidas intensas", o projecto nasce do livro de Bryan Burrough "Public Enemies". Foi aí que o realizador percebeu que todos os gangsters da época (Baby Face Nelson, Pretty Boy Floyd, Bonnie e Clyde...) tinham tido a reunião fatal com o seu destino naqueles 14 meses entre 1933 e 1934.
Aquela depressão e esta
O ambiente da Grande Depressão em "Bonnie and Clyde" (1967) ou "Dillinger" (1973) surge-nos via montagem de fotografias e imagens da época: desempregados, propriedades cuja hipoteca foi reclamada pelos bancos, descalabro. Se isto lhe soa familiar, é porque há um paralelo involuntário entre "Inimigos Públicos" e a depressão de tamanho ainda por determinar que o mundo atravessa.
"Inimigos Públicos" é o primeiro filme sobre a Grande Depressão a sair durante esta crise. Mas aqueles eram tempos de crime elegante. "John Dillinger foi um herói existencialista. Alguém que lutou contra o sistema e fez o que pôde com as cartas que tinha", disse Depp ao "El Pais". "Um Robin dos Bosques dessa época. Alguém idolatrado no seu momento e que ainda por cima soube como cultivar a sua imagem". Era ele contra os bancos - e apenas eles. Sim, porque Dillinger tinha um código moral.
"Dillinger nunca foi considerado responsável pela morte de qualquer espectador inocente", contextualiza Christian Bale em conversa com jornalistas em Paris. E, na época, "os bancos eram claramente o inimigo. Executavam as hipotecas e roubavam as vidas às pessoas. Não que hoje as coisas sejam muito diferentes", suspira Depp no "Ain't It Cool News". Hoje o chamado crime de colarinho branco volta a ser o bombo da festa.
A história do cinema foi feita disto. De heróis. E de anti-heróis. "O filme que eu queria fazer tinha a ver com este tipo um bocado selvagem que quer tudo, e que o quer agora, com paixão", disse Mann ao "Guardian", consciente dos "padrões históricos" que aqui se cruzaram mas que não foram planeados. Quis apenas transportar os espectadores para 1933 e foi filmar, em alta-definição digital, para os locais onde, de facto, tudo aconteceu a Dillinger. "O vídeo parece a realidade, é mais imediato, tem uma superfície de 'vérité'. A película tem uma superfície tipo líquida, parece algo inventado".
John Dillinger é uma figura de culto, um símbolo, por esse espírito indómito. É o homem sentado no cinema Biograph de Chicago na noite cálida de 22 de Julho para ver um melodrama de polícias e ladrões com Clark Gable, "Manhattan Melodrama".
"Imaginem ser John Dillinger ali sentado no cinema", pede o realizador aos leitores. "Todos os teus amigos morreram; a tua mulher [Billie Frechette, interpretada com doçura por Marion Cottillard], o amor da tua vida, desapareceu. Há cada vez menos pessoas como tu. Estás a enfrentar forças evolutivas gigantescas que tentam esmagar-te - o crime organizado de um lado e o FBI do outro. E o fim está próximo. Não és sentimental em relação a isso - de qualquer forma, não pensas que vais viver para sempre. E tu, Dillinger, estás ali sentado e o Clark Gable diz-te aquelas coisas, ao mesmo tempo que, sem saberes, a menos de cem metros estão 30 agentes do FBI à tua espera, a planear matar-te".
Especule-se que a personagem de Depp estava profundamente imbuída no filme. Entretida. Adorava cinema, tal como outras coisas boas da vida - dinheiro, mulheres, comida, música, álcool, subversão. Os primeiros filmes de gangsters surgiram ainda na era do mudo, a par do interesse da imprensa pelo submundo. E o cinema nunca mais seria o mesmo, em grande parte devido à anarquia que os gangsters incorporavam e que o cinema, temiam os moralistas, glamourizava, entronizando esses anjos de caras sujas no topo da cultura popular.
Dillinger foi a base de muitas personagens (Roy Earle, por Bogart, em "High Sierra", de 1941, Arthur Bowers em "They Live By Night", de 1948) e foi tema de vários "Dillinger" (1945, 1973, de John Millius, e o telefilme de 1991), além de "The Lady in Red" (1979). Era um herói popular, nascido da forma como usava, com humor, a imprensa, e construía a sua imagem pública. A Lei Seca (1919/20) lançara na sociedade americana uma subcultura que crescia com o jazz, com os "speakeasies", com a criação de celebridades como Al Capone, irremediavelmente fora da lei.
Actores como James Cagney, Humphrey Bogart, Spencer Tracy ou Gable emergiram nestes filmes, cujo filão foi descoberto com o sucesso de "Little Caesar" (1930), que se tornaram tão populares que sofreram a proverbial chicotada psicológica. Houve pressões e legislação para que o cinema não "promovesse o crime". Mas a torneira estava aberta e ainda estavam por vir "Angels with Dirty Faces" (1938) e, saltando décadas, "Bonnie and Clyde" (1967), "Chinatown" (1974), de Polanski, e "Lua de Papel" (1973), de Bogdanovich. E "The Departed - Entre Inimigos", o remake de "Scarface", "O Funeral", "Caminho para Perdição", "American Gangster" e "O Padrinho". A narrativa dos gangsters é um discurso relevante sobre a América e por isso perdura até Agosto de 2009, com Michael Mann a convidar-nos a embarcar novamente na grande viagem ontológica.
A América de gangsters, que ao longo das décadas cinematográficas ganhou diferentes matizes (os sociopatas que adorávamos admirar entre guerras, os espíritos livres e anárquicos que muito diziam à cultura "hippie"), é solitária. Individual. Fora da grelha. Só na América, escreve o crítico de cinema Michael Atkinson na "Sight & Sound", a comunidade ideal é procurada numa caminhada solitária, algo que remontará ao Velho Oeste, aos "desperados", à liberdade fora da lei como ingrediente essencial e original de um país.
Robim dos Bosques
"Inimigos Públicos" são, então, 14 meses da vida de Dillinger, a emergência do crime organizado a contornar a Lei Seca, o nascimento do FBI e a ascensão sem escrúpulos de J. Edgar Hoover. Mas também são um jovem e bem parecido Dillinger a tornar-se um ícone perante o mundo moderno. Depois de dez anos preso, "de repente o mundo estava em 'technicolor'", descreve Johnny Depp ao AICN. As auto-estradas começavam a rasgar uma nação, os carros eram de facto cada vez mais rápidos, os aviões comerciais eram uma novidade. E o som aliado à imagem também, como recorda Michael Mann numa outra entrevista, em vídeo, ao "Guardian".
Os "newsreels" que antecediam as sessões de cinema e a imprensa sensacionalista ajudaram a criar o herói nacional Dillinger. "Tinha uma grande consciência da sua imagem pública, nunca roubou cidadãos particulares. Ele cultivava uma personagem Robin dos Bosques, da qual estava consciente e que era muito importante para ele", responde Christian Bale, sério, quase enciclopédico.
Hoje, Dillinger persiste. O sítio em que foi quase morto na sequência de uma emboscada da polícia, a estalagem florestal Little Bohemia, no Wisconsin, é uma atracção turística; uma das bandas mais selvagens da última década, os Dillinger Escape Plan, escolheram-no para baptismo; em qualquer documentário televisivo sobre crimes, fugas ou assaltos a bancos, Dillinger tem lugar cativo. E no cinema e nos jornais da época e do último século, a sombra do anarquista, do Robin dos Bosques da Grande Depressão, ergue-se sob a floresta de Sherwood do Ocidente.
Johnny Depp assume o fascínio pela figura, que já conhecia dos filmes a preto e branco que via na infância. O homem que roubou cerca de 200 mil euros na época - hoje à volta de 3,3 milhões - é dos seus favoritos. "Sabem que gosto sempre do tipo que segue contra a corrente, do 'underdog'. É a minha especialidade", disse ao "El Pais". Inspirou-se em Joe Strummer (dos Clash), durante a rodagem ouviu "Nightmare", de Artie Shaw.
E Depp, um Dillinger aveludado e menos violento (nomeadamente quanto às mulheres) do que na realidade, vê-se num filme de Verão na acção e no pacote de estrelas que carrega, mas sente-se só em personagem. "Hoje, se houvesse um tipo à imagem de um Robin dos Bosques... estamos numa era em que vendemos a nossa privacidade à televisão. Toda a gente tem uma máquina fotográfica, e um telemóvel, e um Blackberry, e em menos de dez segundos está tudo na Internet. Por isso ele teria sido traído, tal como foi naquele dia", lamenta em conversa com o "Los Angeles Times". "Embatemos no muro digital. Não sei se podemos ter um herói popular do género hoje. Talvez o subcomandante Marcos em Chiapas, que está a tentar proteger os índios no México. Ele pode ser a coisa mais próxima que temos disso."