E tudo o Cyro levou

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E o vencedor, por pontos, unanimidade e knock-out foi Cyro Baptista. O penúltimo dia da undécima edição do Festival de Músicas do Mundo de Sines teve uma daquelas exibições mágicas que fizeram a fama do festival e que se anseiam ano após ano, um daqueles momentos em que entre músicos e público só havia harmonia e quanto mais uns tocavam mais os outros dançavam e pediam mais. E no fim, quase perplexo, Cyro deu dois encores para satisfazer a vontade da multidão.

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E o vencedor, por pontos, unanimidade e knock-out foi Cyro Baptista. O penúltimo dia da undécima edição do Festival de Músicas do Mundo de Sines teve uma daquelas exibições mágicas que fizeram a fama do festival e que se anseiam ano após ano, um daqueles momentos em que entre músicos e público só havia harmonia e quanto mais uns tocavam mais os outros dançavam e pediam mais. E no fim, quase perplexo, Cyro deu dois encores para satisfazer a vontade da multidão.

Brasileiro radicado nos EUA, Cyro Baptista subiu ao palco do FMM acompanhado de quatro músicos: um baterista, um guitarrista (também percussionista), um teclista (também percussionista) e um percussionista (que fazia sapateado). Vinha apresentar o espectáculo Beat The Donkey, que, como é notório pela descrição instrumental, tem magna ênfase nas percussões. E Cyro deu uma aula não só de samba (nas variantes canónico, subversivo, desconstrutivo, avariado, acelerado, lento, sensual e marado, entre outras), não só de (aproximações ao) axé ou forró, mas de toda a música que faz do ritmo o seu cerne.

Música em vez de canções

Expliquemos como é que Cyro faz música: ele coloca uma placa de metal no peito, dedeiras nos dedos e, com rápidas movimentações dos dedos, faz da placa uma espécie de reco-reco de timbre perfurante. Isto por si só foi suficiente para pôr muitos corpos a abanar. Depois a bateria e as percussões complexificam o ritmo inicial e chega-se perto de uma batida hip-hop old-school timbricamente inesperada. Junta-se guitarra, teclas, o combo evolui e aproxima-se de uma melodia familiar. A melodia vai-se tornando cada vez mais familiar e a dado momento Cyro canta: "Pé dentro pé fora/ quem tiver pé pequeno vai embora."

Era Triste Bahia, de Transa, álbum maior de Caetano Veloso. É difícil dizer se tinha sido desde o início Triste Bahia ou se era outra coisa que se transmutou em Triste Bahia. Isto aconteceu várias vezes durante o concerto de anteontem, como se não houvesse canções, mas apenas música em constante mutação.

Num r'n'b enlouquecido, Cyro percute barbatanas. Depois um percussionista faz um extraordinário sapateado, acompanhado pela cuíca de Cyro. (Cuidamos ter sido a primeira vez que assistimos a este emparelhamento percutivo.) Houve sambas desenfreados, versões dos Led Zeppelin, reggaes acelerados, solos de berimbau, funk cool com o órgão a brilhar. Houve qualquer coisa do outro mundo, semelhante a death-metal de raízes brasileiras, houve inflexões jazzísticas e um axé disfuncional no primeiro encore que provocou rodinhas e comboios entre o público - que do princípio ao fim (e apenas com ligeiras desacelerações quando as jams percutivas exageravam na experimentação) dançou, dançou e dançou.

Perante isto, quase parece que os restantes concertos no Castelo de Sines (da Warsaw Village Band e do mestre indiano Debashish Bhattacharya) foram menores. Não é o caso: estes foram muito bons, o de Cyro raiou o génio.

Os outros

A Warsaw Village Band usa instrumentos de cordas para recriar música de raízes que, com as devidas alterações, soa a música rural do futuro ou à música de igreja de uma aldeia perdida no mapa. Em última instância é música que faz dançar, em cujas melodias se entranhou uma valente dose de estranheza. Exímios a desenhar harmonias entre os violinos e os violoncelos (que emprestam uma força tremenda a cada tema), os Warsaw Village Band têm no som do dulcimer uma das suas grandes mais-valias. A outra é o uso de tambores que literalmente impelem as canções, transformando-as, por vezes, em bichos desenfreados. A facilidade com que oscilaram os registos também ajudou a que o concerto nunca esmorecesse: ora eram enigmáticos, ora hipnóticos, ora dançáveis, ora cheios de vigor.

Debashish Bhattacharya não se pode gabar de eclectismo, mas tem virtuosismo que chegue. Toca slide guitar com uma delicadeza rara, ladeado por tablas e percussões. (Nota: aquela não é uma slide guitar indiana, com um timbre mais delicado do que a ocidental.) Parece-nos que muitas das peças partem de um motivo melódico para depois se darem à improvisação, quase sempre sob o signo da repetição de um padrão que vai sendo alterado. E com isto alcançou-se (quase sempre) a beleza, mas este não é o sítio para esta música, que precisa de um local mais pequeno e com melhor definição sonora para que as suas ínfimas cambiantes tenham o impacte devido.