Brandford Marsalis continua a tentar ser uma pessoa melhor
Brandford Marsalis nunca se contentou com um caminho musical único. O seu lema é manter "os ouvidos alerta" e uma disponibilidade permanente para explorar novos estilos. Membro de uma ilustre família de músicos de jazz (é filho do pianista Ellis Marsalis e irmão do trompetista Wynton Marsalis), este saxofonista americano de espírito inquieto cresceu numa casa fervilhante de sons, ao mesmo tempo que absorvia as várias tradições musicais que se cruzavam nas ruas de Nova Orleães. Tocou com os Art Blakey's Jazz Messengers e no quinteto do seu irmão Wynton antes de fundar o seu quarteto (cuja última gravação, "Metamorphosen", foi objecto de recensão no último Ípsilon) mas sempre fez incursões noutros domínios. Colaborou com Sting em álbums como "Dream of the Blue Turtles" ou "The Soul Cages" e nos anos 90 criou o projecto Buckshot LeFonque, que combinava influências do jazz, Rhythm and Blues, hip-hop e pop rock. Com o início do novo milénio resolveu centrar-se também no repertório clássico, actuando como solista com várias orquestras americanas e europeias e gravando obras de Debussy, Stravinsky, Milhaud, Copland ou Vaughan Williams. Recentemente realizou uma importante digressão nos EUA com a Philarmonia Brasileira e o projecto "Marsalis Brasilianos", que será agora retomado em Portugal com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, sob a direcção de Cesário Costa. Nos dias 16 e 17, respectivamente no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, e no Teatro de Portimão, Marsalis toca obras de Villa-Lobos (Fantasia para Saxofone e Bachianas Brasileiras nºs 5 e 9) e Darius Milhaud ("La Creation du Monde" e "Scaramouche") no âmbito de um programa de forte influência brasileira.
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Brandford Marsalis nunca se contentou com um caminho musical único. O seu lema é manter "os ouvidos alerta" e uma disponibilidade permanente para explorar novos estilos. Membro de uma ilustre família de músicos de jazz (é filho do pianista Ellis Marsalis e irmão do trompetista Wynton Marsalis), este saxofonista americano de espírito inquieto cresceu numa casa fervilhante de sons, ao mesmo tempo que absorvia as várias tradições musicais que se cruzavam nas ruas de Nova Orleães. Tocou com os Art Blakey's Jazz Messengers e no quinteto do seu irmão Wynton antes de fundar o seu quarteto (cuja última gravação, "Metamorphosen", foi objecto de recensão no último Ípsilon) mas sempre fez incursões noutros domínios. Colaborou com Sting em álbums como "Dream of the Blue Turtles" ou "The Soul Cages" e nos anos 90 criou o projecto Buckshot LeFonque, que combinava influências do jazz, Rhythm and Blues, hip-hop e pop rock. Com o início do novo milénio resolveu centrar-se também no repertório clássico, actuando como solista com várias orquestras americanas e europeias e gravando obras de Debussy, Stravinsky, Milhaud, Copland ou Vaughan Williams. Recentemente realizou uma importante digressão nos EUA com a Philarmonia Brasileira e o projecto "Marsalis Brasilianos", que será agora retomado em Portugal com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, sob a direcção de Cesário Costa. Nos dias 16 e 17, respectivamente no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, e no Teatro de Portimão, Marsalis toca obras de Villa-Lobos (Fantasia para Saxofone e Bachianas Brasileiras nºs 5 e 9) e Darius Milhaud ("La Creation du Monde" e "Scaramouche") no âmbito de um programa de forte influência brasileira.
A sua experiência no campo do jazz influencia a foma como interpreta o repertório clássico?
Experiências musicais diferentes implicam abordagens diferentes na interpretação. No repertório clássico não faz sentido tocar como um instrumentista de jazz. A música tem mesmo de soar clássica e esse tem sido para mim um dos grandes desafios.
Neste caso são também compositores especiais, já que foram influenciados pela música de tradição popular...
Como o Brasil fica no Novo Mundo não há tanto o estigma de ter de apresentar algo que seja puramente europeu. Villa-Lobos conheceu a música de Milhaud, Ravel e Debussy em Paris mas depois de regressar ao Brasil continuou a conviver com os músicos do samba, do tango, com a música popular brasileira. Foi a familiaridade com diversos estilos e uma compreensão profunda das suas linguagens - ele tanto dominava o choro como a harmonia clássica - que tornou a sua obra tão rica. Na Europa, muitos compositores dedicavam-se também a estudar outras músicas, o que se reflecte nas suas obras, mas essa atitude era menos comum entre os intérpretes da tradição clássica.
Tem trabalhado com músicos de jazz, da clássica, do pop rock, da world music... É difícil interagir com pessoas com experiências tão distintas?
Os músicos podem ser muito diferentes mas o objectivo é sempre o mesmo: tocar as pessoas emocionalmente através do som. É mais fácil na pop porque há uma componente visual muito forte: a dança, as luzes, muitas coisas que impressionam visualmente. Em muitas sociedades, como é o caso da norte-americana, as pessoas ainda vão aos concertos para ver e não não tanto para ouvir. É por isso que quando se fala do Michael Jackson os temas são as luvas, as jaquetas, o seu comportamento ou as coisas estranhas da vida dele, mas há muito pouca discussão sobre a voz. E ele tinha uma voz fantástica, sobretudo quando era mais novo, só que ninguém conversa sobre isso. Quanto se toca um estilo de música em que estamos sentados numa cadeira, como acontece na clássica, dependemos apenas do som para envolver a audiência.
Na música clássica o som ainda prevalece sobre a imagem...
Há pessoas que dizem que gostam de música, mas não é realmente da música que gostam mas sim do espectáculo. Há cantores que cantam muito mal e o público nem dá por isso. Mas num concerto clássico se alguém canta mal toda a gente nota. E também é mais fácil tocar música pop. Quando tinha 12 anos tocava quase todas canções do Elton John no piano e fazia-o bastante bem, mas não conseguiria tocar um concerto de Rachmaninov. Continuo a gostar de Elton John - a sua música faz-me sentir bem, gosto da sonoridade, da linha vocal, da parte do piano - mas ao mesmo tempo também acho espantoso um concerto clássico de grande virtuosismo, sendo que nesse caso tenho a consciência de que o instrumentista precisou de estudar muitas horas por dia.
Mas o jazz pode ser também muito exigente tecnicamente...
O repertório clássico é o mais exigente tecnicamente. No jazz os músicos podem tocar muitas notas (na minha opinião tocam demasiadas!), mas podem escolher quais as notas que querem tocar. Na clássica o compositor escreve e temos de ser fiéis à partitura. Não podemos dizer: vou mudar estas notas ou estes acordes para adaptar melhor a peça ao meu estilo. Quando comecei a abordar o repertório clássico mais a sério, há sete ou oito anos, precisei de ter aulas de saxofone. A minha técnica funcionava para o jazz e para a pop mas não servia para a música clássica.
Não tinha tido antes uma preparação musical formal nessa área?
Não tive uma formação clássica tradicional, mas o meu irmão Wynton teve. Eu simplesmente ouvia os discos que ele trazia para casa. O Wynton estudava o tempo todo, mas eu não praticava nada! Aos 15 anos dedicava-me a tocar numa banda de "covers". Nessa altura ainda não se usavam DJs, contratavam bandas que tocavam as canções da moda. Aprendi por intuição e por imitação, sempre coloquei os meus ouvidos alerta. Fico espantado com o grande número de músicos que não conseguem ouvir verdadeiramente a música que tocam. Este é um problema que se verifica na música sinfónica mas também no jazz. Acontece porque hoje os jovens começam logo a ler música e não têm a experiência de tocar de ouvido. Antes as pessoas não iam para a escola aos quatro ou cinco anos, aprendiam a tocar com o que ouviam nas ruas, decoravam canções infantis. Obrigo sempre os meus alunos a trabalhar uma série de canções de ouvido, que não estejam nos livros.
É pouco comum um músico percorrer tantos universos, geralmente tende-se para a especialização...
É uma escolha pessoal. Um dia alguém perguntou a Sibelius: "quando está com os seus colegas sobre o que é que falam?" E ele respondeu: "não falo com músicos, falo com banqueiros. Os banqueiros gostam de falar sobre música, os músicos só falam sobre dinheiro". Há pessoas que só são boas numa coisa, mas outras pensam: em que área é que posso fazer mais dinheiro? O meu pai sempre nos disse: "vocês são espertos, se querem ganhar dinheiro não toquem música". Por isso num Verão trabalhei numa quinta e no Verão seguinte num hospital, mas no final decidi que o que queria mesmo era ser um bom instrumentista. Nunca me preocupei em saber quanto dinheiro isso podia render. Temos tendência para a catalogação: sou um músico clássico, sou um músico de jazz, etc... Não concordo. Sei que nunca tocarei saxofone clássico tão bem como os fazem profissão da música clássica mas faço o melhor que posso e sei. O importante é que as coisas que fiz nesse campo me tornaram melhor como músico.
Ficar apenas vinculado a um género seria limitativo?
Sempre estive aberto a experimentar novos estilos e a ouvir muito. E nunca tive receio de ter lições nem de progredir. Digo sempre aos meus alunos que somos eternos estudantes. Noutras profissões recebemos um diploma e podemos dizer: sou médico, sou advogado, sou contabilista, etc. A música é diferente. O meu pai costumava dizer: a música não é aquilo que tu és, mas aquilo que fazes. E se é aquilo que fazes, então nunca serás tão bom como poderias ser. Ou seja, é como ser uma pessoa melhor. É muito difícil mas continuamos a tentar até ao fim da vida.
Também é compositor. Como encara essa vertente da sua actividade?
Não acredito na obsessão pela inovação. Quando ouvimos muita música clássica (Mozart, Beethoven, Mahler...), por um lado todos os compositores soam de maneira semelhante, mas por outro todos são muito diferentes. Mas o mais incrível é que todos estes mundos sonoros foram construídos com as mesmas 12 notas. A mesmas 12 notas que Michael Jackson ou Prince também usaram! A ideia de que temos sempre de inventar algo é absurda. Não se é original apenas porque se quer. O que temos a fazer é aprender o máximo possível, dedicarmo-nos a ser os melhores músicos possíveis. O resto é uma consequência.