Farrah Fawcett - O anjo de Charlie de que todos se lembram
Há uma ironia triste e estranha na morte no mesmo dia de duas figuras que, cada uma à sua maneira, foram ícones da cultura popular americana, mesmo que por motivos muito diferentes. Enquanto Jackson, estrela planetária, viria a personificar a tradição freak do recluso e excêntrico, Farrah Fawcett começou por ser a pin-up escultural, all-american girl, procurando depois fazer esquecer esse estatuto através do seu investimento no ofício de representar.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Há uma ironia triste e estranha na morte no mesmo dia de duas figuras que, cada uma à sua maneira, foram ícones da cultura popular americana, mesmo que por motivos muito diferentes. Enquanto Jackson, estrela planetária, viria a personificar a tradição freak do recluso e excêntrico, Farrah Fawcett começou por ser a pin-up escultural, all-american girl, procurando depois fazer esquecer esse estatuto através do seu investimento no ofício de representar.
Fawcett tinha, contudo, tudo contra si – no show-business dos anos 1970, uma mulher bonita era dificilmente levada a sério como actriz, sobretudo uma com um passado de modelo e casada com uma estrela da televisão. A sua carreira no cinema acabou antes de começar e seria a televisão a oferecer-lhe uma segunda oportunidade, com Fawcett a tornar-se, nas palavras do crítico da revista "Time" Richard Corliss, “a monarca dos telefilmes biográficos da década de 80”, antes de o cancro do cólon que lhe foi diagnosticado em 2003 a tornar numa activista incansável, porta-voz da Cancer Society of America.
Natural do Texas, Farrah Fawcett formou-se em Arte e, apesar de inicialmente relutante, acabaria por se deixar seduzir pelas possibilidades que a sua beleza lhe abriu. Estreou-se no cinema em 1969, paradoxalmente num filme que o francês Claude Lelouch foi rodar aos EUA, "Um Homem de Quem Eu Gosto", antes de passar os anos que se seguiram a fazer publicidade (a pastas de dentes ou produtos para o cabelo), sessões fotográficas e figurações em séries televisivas como "A Família Partridge", "Dr. Marcus Welby" ou "McCloud". Em 1973, casou com Lee Majors, à beira de se tornar uma estrela na série "The Six Million Dollar Man". E, depois, surgiram "Os Anjos de Charlie".
A série sobre três detectives privadas (Fawcett, Jaclyn Smith e Kate Jackson) investigando a mando de um misterioso patrão que nunca era visto estreou-se em 1976 e tornou-se num fenómeno de popularidade instantâneo. Fawcett diria, anos mais tarde: “Quando a série chegou ao terceiro lugar das audiências, achei que era por sermos boas actrizes. Mas quando chegámos a número um, decidi que só podia ser porque nenhuma de nós usava soutien.”
Mulher idealFarrah seria a única dos Anjos a criar uma identidade pública própria – uma espécie de “mulher ideal”, misto de símbolo sexual acessível e vizinha do lado. Durante o ano em que fez parte do elenco da série, posters seus venderamse aos milhões. Em 1977, contudo, aliciada pelo “canto da sereia” do cinema, abandonou "Os Anjos de Charlie" ao fim de apenas 22 episódios – e a fama eclipsou-se tão rapidamente como tinha surgido. A pin-up da América caiu no esquecimento à medida que os seus filmes ("Alguém Matou o Marido Dela", "Guerra Aberta", "Saturno 3") iam alinhando fracassos de bilheteira e que o casamento com Majors se desintegrava (separaram-se em 1979, divorciaram-se em 1982). Enquanto isso, a série continuou um percurso de êxito que duraria cinco temporadas.
Ao longo dos anos 1980, foi a televisão que veio em seu socorro. Fawcett tornar-se-ia na primeira escolha dos telefilmes sobre “casos da vida”, sendo por três vezes nomeada para os Emmy e por seis para os Globos de Ouro (nunca ganhou nenhum dos prémios). Embora finalmente aceite como actriz, Fawcett não insistiria no grande ecrã (apesar de participações bem recebidas em filmes de Alan J. Pakula e Robert Altman e, sobretudo, em "Humilhação", de Robert Young, e "O Apóstolo", de Robert Duvall) e manter-se-ia presença pontual na televisão (como convidada em séries como Ally McBeal). Perseguida pelos paparazzi e pelos tablóides devido à sua relação tumultuosa e intermitente com o actor Ryan O’Neal, Fawcett fez algumas ligeiras cirurgias plásticas e deixou-se fotografar nua para a revista "Playboy" em 1997 (foi o número mais vendido da década...), no mesmo ano em que filmou "O Apóstolo" e deu uma entrevista incoerente no talk-show de David Letterman; e, em 2005, foi a “estrela” de um fugaz reality show chamado Chasing Farrah.
No entanto, o momento que acabaria por definir os últimos anos de Farrah Fawcett seria a sua luta contra o cancro do cólon com que fora primeiro diagnosticada em 2003. Depois de um curto período de remissão, a doença ressurgiu em 2007, e Fawcett acabaria por produzir, com a sua amiga Alana Stewart, um documentário sobre a sua luta contra a doença que foi exibido no horário nobre da cadeia NBC há poucas semanas. Ainda na véspera do seu falecimento, Farrah voltara a ser notícia por ter finalmente aceite dar o nó com Ryan O’Neal, ao fim de 25 anos de vida em conjunto (com interrupções, claro).
Mary Farrah Leni Fawcett nasceu em Corpus Christi, no Texas, a 2 de Fevereiro de 1947, e morreu em Santa Monica, na Califórnia, a 25 de Junho de 2009. Deixa um filho, Redmond, 24 anos, nascido da sua relação com o actor Ryan O’Neal.