Portugal vende paracetamol em doses consideradas perigosas
Esta é a substância activa de vários medicamentos antipiréticos (para baixar a febre) e analgésicos (para as dores) que mais se vende no país, em quantidade, segundo o Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento). Só nos postos de venda livre (fora das farmácias) representou em 2008, isoladamente, 12,6 por cento de todos os fármacos comercializados.
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Esta é a substância activa de vários medicamentos antipiréticos (para baixar a febre) e analgésicos (para as dores) que mais se vende no país, em quantidade, segundo o Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento). Só nos postos de venda livre (fora das farmácias) representou em 2008, isoladamente, 12,6 por cento de todos os fármacos comercializados.
É o resultado de uma “lei particularmente permissiva” que preocupa Hipólito de Aguiar, farmacêutico e professor universitário. Porque, explica, a dose tóxica desta substância é “relativamente baixa”, podendo o fígado entrar facilmente em falência. Por isso, Hipólito de Aguiar concorda com o último relatório sobre este produto, onde a FDA recomenda que se reduza “imediatamente” a dose máxima permitida por cada comprimido (de 1000 miligramas para 650) e que o consumo máximo diário permitido passe a ser de 3250, em vez dos actuais 4000, para evitar situações de “overdose”.
O ex-bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Aranda da Silva, concorda igualmente com as recomendações da FDA e lembra que “a questão da toxicidade do paracetamol é conhecida” e levou mesmo a que “o Reino Unido, há cerca de 15 anos, reduzisse o tamanho das embalagens para diminuir o risco de falência hepática”.
Por outro lado, a FDA pretende que as embalagens sejam mais pequenas e que tenham alertas mais visíveis para os efeitos secundários e para os casos em que se recomenda o uso da substância. Um cuidado que Hipólito Aguiar diz já adoptar no contacto directo com o doente mas que gostaria de ver escrito, pois considera que as bulas dos medicamentos muitas vezes estão desactualizadas e não alertam para todas as interacções possíveis.
Infarmed desvalorizaNo entanto, o Infarmed rejeita esta posição e garantiu ao PÚBLICO que “as reacções adversas reportadas no âmbito do Sistema Nacional de Farmacovigilância são as expectáveis e descritas no RCM [Resumo das Características do Medicamento]”, pelo que estes se mantêm actualizados.
Aranda da Silva põe em causa esta resposta, ao notar que “a percentagem de notificação de efeitos adversos por parte dos médicos e farmacêuticos em Portugal é muito baixa”, ao contrário do que sucede nos EUA, onde “um sistema de farmacovigilância eficaz permitiu identificar um número significativo de mortes por falência hepática associadas ao paracetamol”.
Ainda segundo a FDA, as actuais dosagens permitidas já são superiores aos limites máximos tolerados por algumas pessoas. Assim, quer proibir a comercialização do paracetamol em conjugação com outras substâncias, alegando que muitas vezes o doente não se apercebe da composição, podendo exceder a toma diária máxima — que mesmo em pequenas quantidades pode ser fatal.
Hipólito de Aguiar aponta também o dedo aos medicamentos que contêm mais do que uma substância: “As pessoas juntam paracetamol com antigripais sem saberem que estes têm o mesmo produto e excedem facilmente a dose.” E recorda que a situação “tem mais impacto ainda no caso das crianças”.
Vendas em quedaEm Portugal, só em 2008, foram vendidas pelos armazenistas às farmácias 16,4 milhões de embalagens com paracetamol (isolado ou combinado com outras substâncias), num valor total de 29,6 milhões de euros, segundo dados disponibilizados ao PÚBLICO pela consultora IMS Health Portugal.
Ainda assim, as vendas diminuíram em mais de um milhão de embalagens em relação ao ano anterior — uma tendência que se verifica desde 2005, apesar de no mercado existirem 19 produtos em que o paracetamol se encontra na composição, num total de 137 medicamentos, contabiliza o Infarmed. Ao público foram vendidas 12,5 milhões de embalagens no ano passado só de paracetamol, o que reduz os números totais: mais de 34 mil embalagens por dia, uma média anual de mais de uma embalagem por cada português.
Para Hipólito de Aguiar, a baixa é explicada não por uma redução no consumo de medicamentos mas por uma transferência para outro tipo de analgésicos ou para o paracetamol combinado com substância mais fortes, caso da codeína.