Arriscar com arte

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Dan Flavin

O início de "Arriscar o Real", a nova apresentação da Colecção Berardo, no Museu Berardo, em Lisboa, pode servir de mote àquilo que se passa durante o percurso proposto por Larys Frogier, o comissário.

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O início de "Arriscar o Real", a nova apresentação da Colecção Berardo, no Museu Berardo, em Lisboa, pode servir de mote àquilo que se passa durante o percurso proposto por Larys Frogier, o comissário.

Em confronto, as obras de Dan Flavin e de Donald Judd - este último tinha as janelas do seu loft nova-iorquino, situado no Soho, emolduradas por um trabalho em néon do seu amigo e vizinho. De um lado, o "objecto sem qualidades", de Judd; do outro, uma das luminosas homenagens de Flavin ao construtivista russo Vladimir Tatlin.

O diálogo entre dois tipos de minimalismo, termo aceite com reticências por ambos os artistas norte-americanos, é afectado pela tensão entre obras que se queriam objectivas, no caso de Judd, ou intencionalmente políticas e poéticas, em Flavin.

Há, portanto, uma permanente tensão ao longo de "Arriscar o Real".

O confronto entre uma escultura pós-minimalista de Richard Serra e o vídeo "O Mundo de Janiele", de Caetano Dias, é outro exemplo dado pelo comissário da exposição, que aponta também para as questões políticas inerentes à obra do artista brasileiro, no qual se observa uma menina a dançar com um " hula hoop", enquanto a câmara faz um movimento contrário, de 360 graus, revelando o espaço em volta: uma favela.

Não existe escapatória para esta oposição entre corpo e realidade, em vários destes encontros entre obras díspares concebidos por Frogier, numa exposição dividida em três secções: "Espaços reais: a figura em recuo"; "O real para lá dos limites: a figura em actos"; e "O real traumático: a figura sob todos os seus estados."

Esta nova leitura da Colecção Berardo, onde se podem encontrar algumas aquisições recentes, como "The Cotton Fabric Paintings # 17" (2007), de Pedro Cabrita Reis, e o vídeo "A hot afternoon 3. Performance in Lisbon on 4 April 1978", da italiana Gina Pane, conduz o espectador através de obras significativas de artistas como Bruce Nauman - trabalhos nos quais se pode ler um comentário, muitas vezes no prolongamento dos textos de Samuel Beckett, ao absurdo e à violência presentes no quotidiano -, Robert Gober, Jeff Koons, Francis Bacon, Richard Hamilton, Mario Merz, Giovanni Anselmo, Carl Andre, Frank Stella e Marcel Duchamp.

Da arte conceptual, com a sua variante de crítica institucional, à arte pop, passando pela arte povera e chegando aos nossos dias, a exposição abarca assim um largo espectro de leituras.

Uma das grandes novidades da mostra é a inclusão de sete esculturas de Dan Flavin provenientes da Colecção Panza, começada a reunir, em 1956, pelo conde Giuseppe Panza di Biumo e sua mulher, Rosa Giovanna Panza di Biumo - o acervo iniciou-se com a aquisição de obras de Antoni Tàpies, Jean Fautrier e Franz Kline e hoje é considerado um dos mais significativos do mundo, com cerca de 2500 trabalhos, destacando-se os núcleos de arte minimal e conceptual.

Místico disfarçado

No Museu Berardo são mostradas cinco peças de Flavin dedicadas a Donald Judd, todas de 1987, e ainda duas outras com envios em título para dois nomes, Anne e Caroline. Entrevistado por Gisella Gellini, o coleccionador nota: "As primeiras peças de Flavin com lâmpadas fluorescentes constituíram uma verdadeira revolução, pois introduziram a luz real, ainda que artificial." E acrescenta que, para si, o artista norte-americano era um místico "disfarçado": "Por trabalhar na década de 1960, não podia falar em misticismo, mas tinha dentro de si esse impulso inato, eu diria mesmo reprimido, que precisava de ser exprimido."

O conde Panza di Biumo chegou mesmo a convidar Flavin a realizar uma das suas obras, o "Varese Corridor", nas cavalariças Villa Menafoglio Litta Panza, construída no século XVIII em Biumo, lugar que alberga parte da sua colecção - cada espaço recebe a obra de um único artista.

Como sublinha na entrevista a Gellini, a necessidade de expor apropriadamente e de forma duradoura uma série de trabalhos "ambientais" pesou no convite realizado não só a Flavin, mas também a Irwin, James Turrell e Maria Nordman: "Comecei a coleccionar as obras de Flavin em 1966 e de outros artistas de Los Angeles em 1968, e achei que esta evolução da luz era uma mudança radical, algo de extrema importância na história da cultura. Portanto, dedicar-lhe uma grande parte do espaço disponível era uma escolha necessária, mas era também uma oportunidade de expor de um modo permanente e correcto estas obras de arte que raramente estão expostas de forma adequada."

Por ocasião da exposição actual, o Museu Berardo dá início à publicação de uma nova colecção de livros, intitulada "Sem Título" e com design do atelier R2. Até ao final de 2009 serão lançados "Arriscar o Real. Fábricas da Figura na Arte do Século XX", de Larys Frogier - um questionamento das acepções de figura e de real na história de arte dos últimos cem anos; "Paisagens Oblíquas. A Permanência da Paisagem na Arte", de Eric Corne e "Casa de Bonecas. Propostas Contemporâneas Sobre a Mulher e a Subjectividade", de Ana Rito.